30 agosto 2021

No ritmo atual, o país irá contabilizar 21,4 milhões de casos e 599 mil mortes até 26/9

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza as estatísticas mundiais a respeito da pandemia da Covid-19 divulgadas em artigo anterior (aqui). No caso específico do Brasil, o artigo também atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes) publicados em outro artigo (aqui). Entre 23 e 29/8, essas taxas ficaram em 0,1183% (casos) e 0,1185% (mortes). São os valores mais baixos desde o início da pandemia. Para fins de projeções, dois cenários são levados em conta. No cenário pessimista, as taxas permanecem nos níveis atuais; no otimista, elas seguem declinando até a última semana de setembro (20-26/9), quando devem ficar abaixo de 0,05%. No primeiro caso, o país irá contabilizar 21.439.831 casos e 598.833 mortes até 26/9; no segundo, 21.178.796 casos e 591.542 mortes. A tendência declinante é uma boa notícia, mas não é definitiva nem irreversível. Entre as medidas que podem reverter tal tendência, eu citaria três: (i) suspender ou afrouxar (ainda mais) as barreiras sanitárias impostas em aeroportos; (ii) suspender ou afrouxar (ainda mais) as medidas sanitárias internas (e.g., permitir grandes aglomerações e tornar facultativo o uso de máscara); e (iii) atrasar (ainda mais) a campanha de vacinação.

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1. UM BALANÇO DA SITUAÇÃO MUNDIAL.

Levando em conta as estatísticas obtidas no fim da noite de ontem (29/8) [1], eis um balanço da situação mundial.

(A) Em números absolutos, os 20 países [2] mais afetados estão a concentrar 77% dos casos (de um total de 216.347.711) e 80% das mortes (de um total de 4.500.291) [3].

(B) Entre esses 20 países, a taxa de letalidade segue em 2,2%. A taxa brasileira segue em 2,8%. (Eis as taxas de outros três países da América do Sul que também estão no topo da lista: Argentina, 2,2%; Colômbia, 2,5%; e Peru, 9,2%.)

(C) Nesses 20 países, receberam alta 149 milhões de indivíduos, o que corresponde a 90% dos casos. Em escala global, 194 milhões de indivíduos já receberam alta [4].

2. O RITMO ATUAL DA PANDEMIA NO PAÍS.

Ontem (29/8), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 13.210 casos e 298 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 20.741.815 casos e 579.308 mortes.

Na comparação com as estatísticas da semana anterior (16-22/8), os números de casos e mortes declinaram.

Foram registrados 170.924 novos casos – uma queda de 17% em relação à semana anterior (206.792). Em números absolutos, é o menor valor desde 2-8/11.

Desgraçadamente, porém, foram registradas 4.781 mortes – queda de 13% em relação à semana anterior (5.469). Foi a semana com menos mortes desde 21-27/12.

3. TAXAS DE CRESCIMENTO.

Os percentuais e os números absolutos referidos acima pouco ou nada informam sobre o ritmo e o rumo da pandemia [5]. Para tanto, sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes.

Vejamos os resultados mais recentes.

Em comparação com os valores da semana anterior (16-22/8), as médias da semana passada (23-29/8) declinaram.

A taxa de crescimento no número de casos caiu de 0,1444% (16-22/8) para 0,1183% (23-29/8) [6].

A taxa de crescimento no número de mortes, por sua vez, caiu de 0,1367% (16-22/8) para 0,1185% (23-29/8).

Os valores referidos acima são os mais baixos desde o início da pandemia [6, 7].

4. CENÁRIOS E PROJEÇÕES.

Para fins de projeções, dois cenários foram levados em conta.

No cenário pessimista, as taxas permanecem nos níveis atuais – 0,1183% (casos) e 0,1185% (mortes).

No cenário otimista, as taxas seguem caindo (ambas a um ritmo médio de 0,0175% por semana) até a última semana de setembro (20-26/9), quando então devem ficar abaixo de 0,05% (ver a figura que acompanha este artigo).

No cenário pessimista, o país irá contabilizar 21.439.832 casos e 598.833 mortes até 26/9.

No cenário otimista, serão 21.178.796 casos e 591.542 mortes até aquela data.

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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 11/7 e 29/8/2021. (Para resultados anteriores, ver aqui.) Note que alguns pares de pontos são coincidentes ou quase isso. As retas expressam a trajetória média de cada uma das taxas, além de projetar o comportamento esperado delas nas próximas quatro semanas.

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5. CODA.

A tendência de declínio observada nas duas taxas (ver a figura que acompanha este artigo) é uma notícia auspiciosa. Não só para a população em geral, mas também para inúmeros profissionais que direta ou indiretamente estão envolvidos na luta contra a pandemia. Uma luta que continua a ser boicotada pelo Palácio do Planalto.

É importante ressaltar, no entanto, que a tendência de declínio não é definitiva nem irreversível.

Entre as medidas capazes de revertê-la – e cuja adoção ainda é defendida por gente míope ou criminosa –, eu citaria três: (i) suspender ou afrouxar (ainda mais) as barreiras sanitárias impostas em aeroportos; (ii) suspender ou afrouxar (ainda mais) as medidas sanitárias internas, como permitir aglomerações (e.g., a volta às aulas ou a volta das torcidas aos estádios) e tornar facultativo o uso de máscara; e (iii) atrasar (ainda mais) a campanha de vacinação [8].

Não custa repetir (mais uma vez): Quanto mais gente estiver a circular ou quanto mais lenta for a vacinação [9], maior será o número de mortes. E mais: maiores serão as chances de que surjam variantes ainda mais infecciosas ou letais.

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Vale notar que certos países atualizam suas estatísticas uma única vez ao longo do dia; outros atualizam duas vezes ou mais; e há uns poucos que estão a fazê-lo de modo mais ou menos errático. Acompanho as estatísticas mundiais em dois painéis, Mapping 2019-nCov (Johns Hopkins University, EUA) e Worldometer: Coronavirus (Dadax, EUA).

[2] Os 20 primeiros países da lista podem ser arranjados em sete grupos: (a) Entre 38 e 40 milhões de casos – Estados Unidos; (b) Entre 32 e 34 milhões – Índia; (c) Entre 20 e 22 milhões – Brasil; (d) Entre 6 e 8 milhões – França, Rússia, Reino Unido e Turquia; (e) Entre 4 e 6 milhões – Argentina, Irã, Colômbia, Espanha, Itália e Indonésia; (f) Entre 2 e 4 milhões – Alemanha, México, Polônia, África do Sul, Ucrânia e Peru; e (g) Entre 1,95 e 2 milhões – Países Baixos.

Olhando para as estatísticas (casos e mortes) mais recentes, certas coisas soam diferentes, mas outras seguem mais ou menos inalteradas. Por exemplo, (i) em números absolutos, os EUA seguem sendo o país com o maior número de novos casos (3,78 milhões nas últimas quatro semanas); (ii) a lista dos cinco primeiros tem ainda os seguintes países: Índia (1,04 milhão de casos), Irã (1,02 milhão), Reino Unido (846 mil) e Brasil (811 mil); (iii) a lista dos países com mais mortes nas últimas quatro semanas é encabeçada pela Indonésia (37,2 mil); em seguida aparecem EUA (24 mil), Brasil (22,6 mil), Rússia (21,7 mil) e México (17 mil); e (iv) além da Indonésia, outros países do sudeste asiático (e.g., Vietnã, Malásia e Tailândia) estão a enfrentar escaladas em suas estatísticas (casos e/ou mortes).

[3] Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado, vols. 1-5 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

[4] Como comentei em ocasiões anteriores, fui levado a promover a seguinte mudança metodológica: as estatísticas de casos e mortes continuam a seguir o painel Mapping 2019-nCov, enquanto as de altas estão agora a seguir o painel Worldometer: Coronavirus.

[5] Ouso dizer que a pandemia chegará ao fim sem que uma boa parte da imprensa brasileira se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, em escala mundial e nacional, ver a referência citada na nota 3.

[6] Entre 19/10 e 29/8, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,5% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6), 0,4174% (14-20/6), 0,39% (21-27/6), 0,27% (28/6-4/7), 0,2419% (5-11/7), 0,21% (12-18/7), 0,23% (19-25/7), 0,1802% (26/7-1/8), 0,1621% (2-8/8), 0,14% (9-15/8), 0,1444% (16-22/8) e 0,1183% (23-29/8); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6), 0,4175% (14-20/6), 0,33% (21-27/6), 0,30% (28/6-4/7), 0,23% (5-11/7), 0,23% (12-18/7), 0,20% (19-25/7), 0,1785% (26/7-1/8), 0,1613% (2-8/8), 0,1492% (9-15/8), 0,1367% (16-22/8) e 0,1185% (23-29/8).

Não custa lembrar: Os valores citados acima são as médias semanais de uma taxa que, por razões metodológicas, está a oscilar ao longo da semana. Para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.

[7] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver referência citada na nota 3.

[8] Quase 63% da população brasileira já foram vacinados com ao menos uma dose – ver ‘Coronavirus (COVID-19) Vaccinations’ (Our World in Data, Oxford, Inglaterra).

[9] Como escrevi em ocasiões anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) dependeria de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação.

Como também escrevi anteriormente, os efeitos da vacinação só seriam percebidos – na melhor das hipóteses – quando mais da metade dos brasileiros tivesse sido vacinada. (O que só será possível agora no segundo semestre.) De resto, devemos continuar tomando cuidado com as armadilhas mentais que cercam a campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).

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29 agosto 2021

Antibióticos: uma perspectiva evolutiva

Scott Freeman & Jon C. Herron

Antibióticos são produtos químicos que matam as bactérias por meio da ruptura de processos bioquímicos específicos. Para pacientes humanos, os antibióticos são drogas que salvam vidas. Para populações de bactérias, porém, os antibióticos são poderosos agentes seletivos. Quando aplicado a uma população de bactérias, um antibiótico rapidamente separa os indivíduos resistentes (os capazes de tolerar a droga) dos susceptíveis (os incapazes). Uma perspectiva evolutiva sugere que os antibióticos devem ser usados judiciosamente, do contrário essas drogas miraculosas podem minar sua própria eficiência.

Fonte: Freeman. S. & Herron, J. C. 2009. Análise evolutiva. 4. ed. Porto Alegre, Artmed.

27 agosto 2021

A ferro e carvão


William Bell Scott (1811-1890). In the nineteenth century the Northumbrians show the world what can be done with iron and coal. 1861.

Fonte da foto: Wikipedia.

25 agosto 2021

Como e por que as taxas de crescimento podem (mais uma vez) recrudescer

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes) publicados em artigo anterior (aqui). Entre 16 e 22/8, essas taxas ficaram em 0,1444% (casos) e 0,1367% (mortes). Este último é o valor mais baixo desde o início da pandemia. Apesar disso, preocupa perceber que a taxa de crescimento no número de novos casos não só parou de cair como dá sinais de que pode vir a recrudescer. Não seria a primeira vez. Embora 60% da população brasileira já tenham sido vacinados com ao menos uma dose, solavancos nas taxas de crescimento (casos e mortes) – geradores e gerados por múltiplos surtos locais – ainda devem atormentar e assombrar o país.

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O RITMO ATUAL DA PANDEMIA NO PAÍS.

Anteontem (22/8), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 14.404 casos e 318 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 20.570.891 casos e 574.527 mortes.

Na comparação com as estatísticas da semana anterior (9-15/8) [1], o número de mortes (mas não o de casos) declinou.

Foram registrados 206.792 novos casos – um aumento de 4% em relação à semana anterior (198.427).

Desgraçadamente, porém, foram registradas 5.469 mortes – queda de 7,4% em relação à semana anterior (5.907). Foi a semana com menos mortes desde 28/12-3/1.

TAXAS DE CRESCIMENTO.

Os percentuais e os números absolutos referidos acima pouco ou nada dizem sobre o ritmo e o rumo da pandemia [2]. Para tanto, sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes.

Vejamos os resultados mais recentes.

Em comparação com os valores da semana anterior (9-15/8), as médias da semana passada (16-22/8) exibiram comportamentos distintos (ver a figura que acompanha este artigo).

A taxa de crescimento no número de casos subiu de 0,14% (9-15/8) para 0,1444% (16-22/8) [3]. A taxa de crescimento no número de mortes, por sua vez, caiu de 0,1492% (9-15/8) para 0,1367% (16-22/8).

O valor da taxa de mortes (mas não o de novos casos) é o mais baixo desde o início da pandemia (ver a figura que acompanha este artigo) [3, 4].

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FIGURA. A figura que acompanha este artigo ilustra o comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 21/2 e 22/8/2021. (Valores acima de 1% não são mostrados.) O gráfico no canto superior direito mostra as mesmas séries desde o dia 28/6/2020. A campanha de vacinação teve início em 17/1. A chamada CPI da Covid foi oficialmente instalada em 27/4.

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CODA.

Preocupa perceber que a taxa de novos casos não só parou de cair como dá sinais de que pode tornar a recrudescer. Embora 60% da população brasileira já tenham sido vacinados com ao menos uma dose [5], solavancos nas taxas de crescimento (casos e mortes) – geradores e gerados por múltiplos surtos locais – ainda devem atormentar e assombrar o país.

De resto, não custa repetir: Quanto mais gente a circular ou quanto mais lenta a vacinação [6], maior será o número de mortes. E mais: maiores serão as chances de que surjam variantes ainda mais infecciosas ou letais.

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Na semana passada, excepcionalmente, eu não publiquei artigo comentando sobre o comportamento das taxas.

[2] Insisto em afirmar que a pandemia chegará ao fim sem que a maior parte da imprensa brasileira (grande ou pequena; reacionária ou progressista) se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, em escala mundial e nacional, ver a referência citada na nota 4.

[3] Entre 19/10 e 22/8, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,5% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6), 0,4174% (14-20/6), 0,39% (21-27/6), 0,27% (28/6-4/7), 0,2419% (5-11/7), 0,21% (12-18/7), 0,23% (19-25/7), 0,1802% (26/7-1/8), 0,1621% (2-8/8), 0,14% (9-15/8) e 0,1444% (16-22/8); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6), 0,4175% (14-20/6), 0,33% (21-27/6), 0,30% (28/6-4/7), 0,23% (5-11/7), 0,23% (12-18/7), 0,20% (19-25/7), 0,1785% (26/7-1/8), 0,1613% (2-8/8), 0,1492% (9-15/8) e 0,1367% (16-22/8).

Não custa lembrar: Os valores citados acima são médias semanais de uma taxa diária. Outra coisa: para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.

[4] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

[5] Fonte: ‘Coronavirus (COVID-19) Vaccinations’ (Our World in Data, Oxford, Inglaterra).

[6] Como escrevi em artigos anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) dependeria de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação.

Como também escrevi anteriormente, os efeitos da vacinação só seriam percebidos – na melhor das hipóteses – quando mais da metade dos brasileiros tivesse sido vacinada. (O que só será possível agora no segundo semestre.) De resto, devemos continuar tomando cuidado com as armadilhas mentais que cercam a campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).

* * *

23 agosto 2021

Paralaxe

Rodrigo Dias Társia

As coordenadas (θ, ϕ), que especificam a direção de um astro na esfera celeste, são diferentes para dois observadores situados em lugares diferentes do espaço. Essa diferença entre as direções do astro, visto de dois pontos O e O’ do espaço, é denominada paralaxe. Ela é medida pelo ângulo, com vértice no astro, formado pelas duas retas que o unem aos dois pontos O e O’. Este ângulo é igual ao arco da esfera celeste compreendido entre as projeções geométricas dos dois pontos [...].

O termo paralaxe é normalmente usado nos casos em que a distância entre os dois pontos de observação é pequena em relação às distâncias entre cada um deles e o astro observado. Na prática, a paralaxe significa a diferença entre a posição do astro, medida num sistema de referência tomado como padrão e o ponto de observação real. O ponto mais comum tomado como origem é o centro da Terra e é em termos dele que as posições dos objetos do sistema solar são especificadas em anuários. A paralaxe desses objetos é denominada geocêntrica ou diurna e representa o efeito do deslocamento de um observador, da superfície para o centro da Terra. Para as estrelas, a origem é o centro do Sol; a paralaxe é denominada heliocêntrica ou ânua e representa o efeito do deslocamento de um observador, do centro da Terra ao centro do Sol.

A medida da paralaxe de um astro é o método fundamental para o conhecimento de sua distância. O método para a determinação dessa distância é o de triangulação: conhecida a distância OO’ (linha de base), a distância entre um astro A e o ponto O (ou O’) pode ser calculada resolvendo-se o triângulo plano OO’A. Isso requer o conhecimento do ângulo OAO’, isto é, da paralaxe de A.

Fonte: Társia, R. D. 1993. Astronomia fundamental. BH, Editora UFMG.

21 agosto 2021

Ai de ti, Amazônia

Gerôncio Albuquerque Rocha

Inglês de Souza, paraense, escreveu no início do século um conto primoroso (‘O baile do judeu’), explorando uma das lendas da região. Um dia, o homem decide dar uma festa em sua casa, à beira do rio Amazonas, e convida toda a gente da terra. O centro das atenções era a sua mulher, bem mais jovem do que ele, com “uns olhos pretos que haviam transtornado a cabeça de muita gente; e o que mais nela encantava era a faceirice com que sorria a todos, parecendo não conhecer maior prazer do que ser agradável a quem lhe falava”. No auge da festa, entra no salão um indivíduo esquisito, de chapéu desabado, que não deixava ver o rosto, e tira a bela mulher para dançar, provocando a curiosidade e surpresa de todos. É uma dança frenética, de nunca acabar. A mulher, de início alegre e animada, com o passar do tempo já exibia cansaço e desapontamento quando, já na sexta música repetida, a orquestra para bruscamente. Então, o sujeito “rompeu numa valsa vertiginosa, num verdadeiro turbilhão, a ponto de se não distinguirem quase os dois vultos que rodopiavam entrelaçados”, arrastando a dama pela porta afora e, chegando à ribanceira do rio, “atirou-se lá de cima com a moça imprudente e com ela se atufou nas águas”. Era um boto.

Hoje em dia, já não há lugar para lenda ou ficção. Mesmo assim, podemos imaginar que aquela mulher bonita é a Amazônia. E há um boto. Que não deixa ver o rosto e confunde a todos numa dança de nunca acabar.

Fonte: Rocha, G. A. 1996. In: Pavan, C., org. Uma estratégia latino-americana para a Amazônia, vol. 3. SP, MMA, Memorial da América Latina & Editora Unesp.

19 agosto 2021

Nasce o dia e já morre

Anderson Braga Horta

Nasce o dia e já morre. Vem a noite
e o dia foi vazio. Um decassílabo
tenta encher o bornal do ser omisso,
retroativo flui, e se dissolve.

Mas, então, que fazer para ser homem?
Amar, ganhar o pão, compor poesia?
– Amar, se é mesmo amor, e não egoísmo.
Ganhar o pão, porque é preciso; e, agora

que o pão é ganho, porfiar ainda:
que seja o pão, como o ar, líquido e certo,
que não dependa o pão de nossos filhos

do trabalho animal que nos domina.
E, enfim, fazer poesia, que é poesia
quanto se faz de espírito liberto.

Fonte: Horta, A. B. 2016. Do que é feito o poeta. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1983.

17 agosto 2021

O miolo do sonho e o dente de alho

Zulmira Ribeiro Tavares

Quando percebi que os meus sonhos
não eram os sonhos dos meus sonhos
acordei estremunhada.

Ao verem meu rosto de sombra
Perguntaram:
Foi insônia?

Respondi:
Foi o contrário.

Ontem à noite ao invés de alhos
por temê-los no olfato
(afinal não sou uma rosa?)
decidi comer nuvens.

Conclusão?
Elas incharam.

E os comedores de alhos?
Não veem o barulho que fazem
rindo às bandeiras soltas?

De que se riem? Das sombras?
A que rescendem? Não temem?

Não temeram o seu cheiro: transpiraram.
Não pegaram no sono: o soltaram.
Não perderam a cabeça: a ganharam.

Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª ed. RJ, Aeroplano.

15 agosto 2021

Uma cheia do Oued M’Sila


Étienne [Nasreddine] Dinet (1861-1929). Une crue de l’Oued M’sila. 1884.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 agosto 2021

Sobre eugenia e hereditariedade

Valdeir Del Conti

Até meados do século XIX, os vários cruzamentos realizados e observados pelos seres humanos ao longo da história permitiam formar a percepção de que as crias reproduziam características de seus progenitores e isso também era amplamente admitido para os seres humanos. A existência de características individualizantes era geralmente explicada pela mistura de elementos, forças vitais ou espirituais, que ambos os pais forneciam aos filhos, a mistura poderia ser forte ou fraca ou ainda pendente para um dos lados; também se compreendia as características individualizantes como conseqüência de treino, educação e experiências que os indivíduos adquiriam durante sua trajetória de vida. Esse conjunto vago de idéias sobre como se dava o fenômeno da hereditariedade foi retratado e rearticulado nas diversas teorias que especularam, principalmente na segunda metade do século XIX, sobre o processo de transmissão de características entre as gerações [...].

Nesse contexto, a recepção pública da obra de Charles Darwin (1809-1882) e a implicação de que os seres humanos obedeciam, em termos biológicos, aos mesmos requisitos impostos às plantas e aos demais animais sugeriam a muita gente que, de alguma forma, se estaria ofendendo a dignidade humana. Diante disso, Darwin, em sua obra A origem das espécies (1859), evitou ao máximo qualquer consideração que sugerisse que o ser humano também estaria sujeito aos mesmos princípios da seleção natural que governariam a vida no planeta. Para não dizer que Darwin tenha negligenciado completamente o assunto, até mesmo porque as polêmicas que se seguiram à publicação de A origem das espécies tinham como tema principal o que a seleção natural dizia a respeito do ser humano, na obra Descent of man, and selection in relation to sex [...], de 1871, procurou estender também aos seres humanos os mesmos princípios da seleção natural. Contudo, pensar que o ser humano pudesse descender de um animal inferior era geralmente considerado um abuso para a visão de mundo de uma Inglaterra vitoriana [...].

Com o propósito de aplicar os pressupostos da teoria da seleção natural ao ser humano, Francis Galton (1822-1911), primo de Darwin, em 1883, reunindo duas expressões gregas, cunhou o termo “eugenia” ou “bem nascido” [...]. A partir desse momento, eugenia passou a indicar as pretensões galtonianas de desenvolver uma ciência genuína sobre a hereditariedade humana que pudesse, através de instrumentação matemática e biológica, identificar os melhores membros – como se fazia com cavalos, porcos, cães ou qualquer animal –, portadores das melhores características, e estimular a sua reprodução, bem como encontrar os que representavam características degenerativas e, da mesma forma, evitar que se reproduzissem [...].

Como ciência da hereditariedade, a eugenia no final do século XIX ainda carecia de elementos mais sólidos, visto que as próprias teorias correntes até o final do século eram fortemente especulativas [...]. Nesse sentido, os primeiros passos para o estabelecimento de uma ciência eugênica se constituíram enquanto um conjunto de práticas envolvendo os trabalhos de Francis Galton e a influência que começou a exercer sobre um grupo de indivíduos – conhecidos como biometristas – preocupados em encontrar regularidades estatísticas que pudessem indicar a prevalência de certas características em um dado conjunto populacional.

Mesmo com a dificuldade de compreensão do mecanismo de transmissão das características, Galton, quando cunhou o termo eugenia, tinha pelo menos uma certeza: que os dados que comprovariam a sua ciência surgiriam do trabalho de registro e análise estatística das características que os progenitores e os seus ancestrais transmitiram à prole [...]. Para ele, ademais, a transmissão das características não se limitava apenas aos aspectos físicos, mas também a habilidades e talentos intelectuais [...].

No final do século XIX, superadas, pelo menos no cenário intelectual inglês, as fortes resistências à teoria da evolução pela seleção natural, as atenções voltaram-se para a compreensão do processo de transmissão de características dos progenitores à prole. Dado que duas conseqüências derivavam da aceitação da teoria da evolução darwiniana: primeiro, que a seleção deveria atuar sobre um conjunto de variedades de características individuais, selecionando uma parte delas; segundo, que, ao selecionar certas características, elas deveriam ser transmitidas, por intermédio da reprodução, a uma nova geração de indivíduos [...]. Portanto, decidir-se sobre a origem da variação intraespecífica foi a primeira exigência posta para o desenvolvimento de uma ciência eugênica. Pois, caso a variação tivesse origem nas condições ambientais, como postulava a teoria da herança dos caracteres adquiridos, então boa alimentação, melhores condições de higiene, educação e melhorias nas condições existenciais seriam suficientes para uma melhora geral nas características humanas, fossem elas orgânicas ou intelectuais.

Todavia, transformações atestadas por dados que vinham de registros naturais sobre a variação das espécies e de descobertas fósseis indicavam que algumas variações mantiveram-se ao longo do tempo enquanto outras foram extintas, gerando com isso duas questões distintas: a primeira, a necessidade de explicar o fenômeno da diversidade de espécies observadas na natureza; a segunda, como as características de uma dada espécie seriam transmitidas dos progenitores à prole [...].

Galton aceitava plenamente a teoria da seleção natural para dar conta da primeira questão e para a segunda acreditava que a teoria da pangênese darwiniana poderia ser promissora; pois, ao postular a existência de unidades responsáveis pela herança – as gêmulas –, Galton percebeu que a teoria da herança de Darwin poderia receber tratamento laboratorial e cálculo matemático/estatístico, uma vez que indicava a existência de unidades materiais passíveis de verificação empírica.

Duas outras contribuições foram fundamentais para a elaboração da teoria da herança galtoniana. Primeiramente, o pensamento de Herbert Spencer (1820-1903) contribuiu com as noções de existência de um processo evolutivo teleológico, no sentido de uma direção progressiva a que tudo no universo estaria submetido, e de existência de unidades fisiológicas que registrariam as modificações, transmitindo-as às próximas gerações [...]. E, depois, o trabalho de Augusto Weismann (1834-1914), ao diferenciar as células somáticas das células germinativas, contribuiu no sentido de reservar somente aos processos biológicos a possibilidade de transmissão de características. As mudanças ocorridas no soma (corpo) e não incorporadas ao material genético não poderiam ser transmitidas à nova geração [...].

Assim, o que pretendemos indicar neste texto é que Francis Galton propôs a sua teoria da herança em estreita sintonia com o desenvolvimento do debate biológico em curso, no sentido de oferecer um procedimento objetivo que, pela utilização de instrumental laboratorial e matemático/estatístico, pudesse identificar as unidades responsáveis por determinadas características e criar procedimentos de controle reprodutivo selecionadores das características que representariam o melhoramento genético do ser humano.

Fonte: Del Cont, V. 2008. Francis Galton: eugenia e hereditariedade. Scientiae Studia 6: 201-18.

12 agosto 2021

14 anos e dez meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quinta-feira, 12/8, o Poesia contra a guerra completa 14 anos e dez meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘14 anos e nove meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Alcy Gomes da Fonseca, Colin Clark, Henri Laborit, Ivan Sazima, Luís Paulo Piassi, Marcel Hicter, Paul-Jean Toulet, Per Christian Braathen e Wilton S. Dias. Além de outros que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Anthonis Mor van Dashorst e Hubert von Herkomer.

10 agosto 2021

Não fugir. Suster o peso da hora

Cristovam Pavia

ao Nuno

Não fugir. Suster o peso da hora
Sem palavras minhas e sem os sonhos,
Fáceis, e sem as outras falsidades.
Numa espécie de morte mais terrível
Ser de mim despojado, ser
Abandonado aos pés como um vestido.
Sem pressa atravessar a asfixia.
Não vergar. Suster o peso da hora
Até soltar sua canção intacta.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1959. ‘Cristovam Pavia’ é pseudônimo de Francisco António Lahmeyer Flores Bugalho (1933-1968).

08 agosto 2021

Jiboia engole boi?

Ivan Sazima

De uma distância segura, viram a coral engolindo o rato, a começar pela cabeça. A boca ia abrindo e a pele do pescoço esticando cada vez mais, deixando ver as fileiras de escamas bem separadas umas das outras. Maísa chamou a atenção para os movimentos da boca da [serpente]: primeiro avançava um dos lados, depois o outro; parecia que a [serpente] estava forrando o rato com o corpo! “Como isso é possível?” – perguntou Cristina, tentando imitar a [serpente] enquanto comia um sanduíche. Nada feito: além de engasgar, ficou com a boca toda doída.

Seu Juca ficou chateado por não ter matado a coral. Também, a vida toda só ouvira falar mal de [serpentes]! As crianças pensaram: “É difícil mudar o modo de agir de uma pessoa, mesmo quando ela esta errada”. Na volta para casa, seu Juca ia contando histórias de [serpente]: “Sabem, lá na fazenda do seu Bento, uma baita de uma jiboia matou e engoliu um boi, só ficou o chifre de fora!”. [...]

Na biblioteca do museu, as crianças descobriram que uma jiboia adulta pode medir até quatro ou cinco metros de comprimento e pesar uns 45 kg. Leram também que ela conseguiria engolir no máximo um animal com 70% a 80% do seu próprio peso, ou seja, uns 30 ou 35 kg. Este é o peso de um cabrito ou de um cachorro grande.

Fonte: Sazima, I. 1996. Jibóia engole boi? In: SBPC, org. Ciência Hoje na Escola, vol. 2. Bichos. RJ, SBPC.

05 agosto 2021

Opus et labor

Marcel Hicter

En 1948, cuando algunos líderes juveniles se reunieron en Londres para crear la Asamblea Mundial de la Juventud, habíamos fijado como tema prioritario de nuestras reflexiones la evolución de los accesos al ocio. Fue entones cuando, sin duda alguma antes que nadie, Jean Joussellin hacía esta reflexión capital: “En todas las lenguas occidentales, antiguas y modernas, dos palabras designan las actividades profesionales del hombre; estas dos palabras las distinguen según su dignidad o degradación: opus y labor, werk y arbeit, work y labour, obra y trabajo.”

La obra es el resultado feliz del trabajo; el opus es lo que Beethoven y Mozart podían marcar sobre sus manuscritos después de sus noches de trabajo.

El trabajo es el suplicio. Trabajar viene del latín vulgar tripaliare, que quiere decir torturar con un tripalium, instrumento compuesto por tres barrotes puntiagudos sobre los que se ataba a los recalcitrantes para hacerles conocer la alegría del trabajo y obrigarles a tener más respeto a la sociedad; de ahí vienen esas diferencias gramaticales que hacen que, en francés, trabajo tenga dos plurales: travail-travails, travail-travaux; algunos de nosotros hemos visto aún estos instrumentos, a los que se sujetaba a los caballos para herrarlos, en las herrerías de nuestros pueblos.

Janne, H. y otros. 1968. La civilizacion del ocio. Madri, Guadarrama.

03 agosto 2021

As taxas de crescimento estão abaixo de 0,2%, mas não é hora de afrouxamento

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes) publicados em artigo anterior (aqui). Entre 26/7 e 1/8, essas taxas ficaram em 0,1802% (casos) e 0,1785% (mortes). São os valores mais baixos desde o início da pandemia. E é a primeira vez que as taxas ficam abaixo de 0,2%. Mas a campanha de vacinação arrefeceu e não é hora de afrouxamento. A volta às aulas presenciais, por exemplo, deve frear e pode até mesmo reverter as tendências de queda reportadas neste artigo.

*

Ontem (1/8), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 20.503 casos e 464 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 19.938.358 casos e 556.834 mortes.

Na comparação com as estatísticas da semana anterior (19-25/7), os números de casos e de mortes declinaram.

Foram registrados 249.695 novos casos – uma queda de quase 20% em relação à semana anterior (312.089). Foi a semana com o número mais baixo desde 2-10/1.

Desgraçadamente, foram registradas 6.910 mortes – uma queda de 10% em relação à semana anterior (7.710). Foi a primeira semana com menos de 7 mil mortes desde 11-17/1.

TAXAS DE CRESCIMENTO.

Os percentuais e os números absolutos referidos acima pouco ou nada dizem sobre o ritmo e o rumo da pandemia [1]. Para tanto, sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes.

Vejamos os resultados mais recentes.

Em comparação com os valores da semana anterior (19-25/7), as médias da semana passada (26/7-1/8) declinaram (ver a figura que acompanha este artigo).

A taxa de crescimento no número de casos caiu de 0,23% (19-25/7) para 0,1802% (26/7-1/8) [2]. A taxa de crescimento no número de mortes caiu de 0,20% (19-25/7) para 0,1785% (26/7-1/8).

Os valores acima são os mais baixos desde o início da pandemia (ver a figura que acompanha este artigo) [2, 3].

*


FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6/2020 e 1/8/2021. (Valores acima de 2% não são mostrados.) A sucessão mais prolongada de médias mais baixas nas duas séries (casos e mortes) foi observada entre 11/10 e 8/11, razão pela qual o período é referido aqui como o melhor mês. Logo em seguida, porém, note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias. A campanha de vacinação teve início em 17/1. Os percentuais em azul escuro (1%, 5% etc.) indicam a parcela da população brasileira vacinada com ao menos uma dose, entre 1/2 (0,99%) e 9/7/2021 (40,08%) [4]. A chamada CPI da Covid foi oficialmente instalada em 27/4.

*

CODA.

As sucessivas quedas observadas nas taxas de crescimento (casos e mortes) seriam já reflexos da campanha de vacinação. Essas quedas, no entanto, ainda não autorizam o abandono das (frouxas) medidas de proteção que foram adotadas por governadores e prefeitos. Por quê? Porque as estatísticas (em números absolutos) ainda estão muito altas. Há muita gente circulando e quanto mais gente estiver a circular, maiores serão as chances de que variantes ainda mais infecciosas e letais passem a predominar. (A variante delta, por exemplo, é muito mais infeciosa. Entre outras coisas, isso significa dizer que o tempo de exposição necessário para se estabelecer uma infecção é muito menor do que era com a variante original.)

Cabe observar que o ritmo da vacinação arrefeceu nas últimas semanas. (Já deveríamos estar com mais de 50% da população vacinada com a menos uma dose – ver a figura que acompanha este artigo).

Ainda assim, no entanto, há as duas taxas (casos e mortes) deverão seguir declinando ao longo desta semana [5]. Nas semanas vindouras, porém, a história deverá ser outra. A volta às aulas presenciais (e.g., aqui e aqui) (forçada, precipitada, de qualquer jeito – como queira descrever), por exemplo, deve frear e pode até mesmo reverter as tendências de queda reportadas neste artigo.

*

NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Insisto em dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a maior parte da imprensa brasileira (grande ou pequena; reacionária ou progressista) se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, em escala mundial e nacional, ver as referências citadas na nota 3.

[2] Entre 19/10 e 1/8, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,5% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6), 0,4174% (14-20/6), 0,39% (21-27/6), 0,27% (28/6-4/7), 0,2419% (5-11/7), 0,21% (12-18/7), 0,23% (19-25/7) e 0,1802% (26/7-1/8); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6), 0,4175% (14-20/6), 0,33% (21-27/6), 0,30% (28/6-4/7), 0,23% (5-11/7), 0,23% (12-18/7), 0,20% (19-25/7) e e 0,1785% (26/7-1/8).

Não custa lembrar: Os valores citados acima são médias semanais de uma taxa diária. Outra coisa: para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.

[3] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, consulte qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

[4] Fonte: ‘Coronavirus (COVID-19) Vaccinations’ (Our World in Data, Oxford, Inglaterra).

[5] Como escrevi em artigos anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) dependeria de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação.

Como também escrevi anteriormente, os efeitos da vacinação só seriam percebidos – na melhor das hipóteses – quando mais da metade dos brasileiros tivesse sido vacinada. (O que só será possível agora no segundo semestre.) De resto, devemos continuar tomando cuidado com as armadilhas mentais que cercam a campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).

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01 agosto 2021

Tempos difíceis


Hubert von Herkomer (1849-1914). Hard times. 1885.

Fonte da foto: Wikipedia.

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