31 maio 2022

Asas da liberdade

Donaldo Mello

Que terás visto?
Há quanto tempo tu avisas,
bem-te-vi...
– Cora Coralina, em Vintém de cobre

Estático,
o pássaro,
canta no alto.

Embaixo, o ser,
ouvindo cantar
voa estático.

Estático,
o pássaro,
sem cantar .

Embaixo,
o ser-pássaro,
ainda a ouvir cantar.

Fundem-se no alto
os pássaros
no silêncio do voo...

Para Bernardo Bernardes, poeta da 7ª Arte

Fonte (estrofes 1, 2 e 5): Horta, A. B. 2016. Do que é feito o poeta. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 2008.

29 maio 2022

Um mapa do Brasil. I. Roraima a inchar, Piauí a murchar?


Felipe A. P. L. Costa [*].

1.

As eleições gerais de outubro se aproximam. Assim como em 2018, a campanha da extrema direita deve se caracterizar por um sem número de armações, calúnias e notícias falsas. (O objetivo é o mesmo: semear desinformação e medo, visando manipular o comportamento de eleitores frágeis e assustados.) No fim das contas, trata-se de uma arapuca bancada por empresas criminosas ou gente de má-fé – e.g., sonegadores (empresários, cantores sertanejos etc.) que vociferam contra a ‘ameaça comunista’, além de tarados e pedófilos (pastores, etc.) que se camuflam em meio a discursos contra a ‘ameaça gay’.

2.

O problema mais geral da desinformação, no entanto, não está restrito a um ou outro segmento da sociedade. Grosserias e barbeiragens são comuns entre nós, mesmo entre profissionais que lidam com a coleta, produção e transmissão de informações (e.g., jornalistas e professores).

Veja a variedade de erros e mal-entendidos advindos da nossa ignorância geográfica. Perguntas do tipo “Onde estou?” e “Onde está concentrada a população brasileira?” nem sempre são bem respondidas pelo cidadão médio. Exagero? Pois vá para a rua. Escolha alguém (e.g., um almofadinha de academia ou uma dondoca de shopping), mostre um mapa do país e peça a ele(a) que aponte para o estado onde vive. Suspeito que muitos dos entrevistados não saberão o que fazer. E mais: arrisco dizer que os erros serão ainda mais grosseiros se as perguntas passarem a envolver outros estados – e.g., “Por gentileza, aponte para a capital do país”.

3.

Dias atrás, ouvi dois conceituados jornalistas (em dois diferentes canais no YouTube) sustentando algo do tipo “O estado do Rio de Janeiro é o segundo maior colégio eleitoral do país”. Acendi o sinal amarelo e, desde então, passei a prestar mais atenção aos comentários demográficos em torno das próximas eleições. A situação é preocupante... Ao que parece, os exemplos que flagrei são apenas a ponta de um imenso iceberg [1]. No restante deste artigo, pretendo iniciar uma conversa sobre esse problema.

4.

Primeiro, a geografia. O território brasileiro (8.510.821 km2) está repartido em 27 unidades federativas (26 estados mais o Distrito Federal). Estas, por sua vez, estão arranjadas em cinco regiões geográficas, a saber (entre parêntesis, o número de unidades federativas e o percentual do território do país ocupado por cada região): Norte (7 estados, 45%); Nordeste (9, 18%); Sudeste (4, 11%); Sul (3, 7%); e Centro-Oeste (4, 19%) [2].

5.

Por fim, a demografia. Qual é o tamanho da população brasileira e como ela está distribuída? A rigor, ninguém sabe ao certo. (Pois é, até nisso as coisas pioraram ultimamente.)

Há um pequeno leque de possibilidades. No entanto, mesmo a melhor resposta que temos hoje é mais frágil e imprecisa que a resposta que tínhamos alguns anos atrás. O que de fato temos (ao menos por enquanto) são projeções ancoradas em projeções, em uma sucessão se pressupostos que recua por mais de 10 anos. Não custa lembrar: o último censo (leia-se: contagem direta, detalhada e exaustiva da população residente no país) foi conduzido em 2010 [3]. Disto isto, vamos adotar aqui a estimativa que o IBGE divulgou antes da pandemia: 210.147.125, em 1/7/2019 [4].

6.

Um exame comparativo das projeções demográficas para esses dois anos (2019 e 2021) revela que

(A) – As estimativas mais recentes não são apenas e tão somente uma extrapolação direta das mais antigas, sugerindo que o peso relativo das variáveis demográficas (notadamente o crescimento vegetativo das populações residentes e os fluxos migratórios) variou de acordo com o conhecimento prévio que se tinha sobre cada estado; e

(B) – Entre 2019 e 2021, o crescimento de toda a população brasileira girou em torno de 1,5%.

Em decorrência de (B), caberia acrescentar que

(C) – 16 unidades da federação ficaram acima da média nacional e 11, abaixo;

(D) – Todos os estados das regiões Norte e Centro-Oeste cresceram acima da média;

(E) – Os estados de maior crescimento foram Roraima (7,75%), Amapá (3,77%) e Amazonas (3,03%) – o crescimento acima da média estaria a expressar o fato de que a chegada de migrantes (notadamente em Roraima) teve um peso na demografia local bem maior do que em qualquer outro estado; e

(F) – Os estados de menor crescimento foram Rio Grande do Sul (0,79%), Bahia (0,75%) e Piauí (0,49%) – o crescimento abaixo da média estaria a expressar o fato de que a saída de migrantes (notadamente do Piauí) teve um peso na demografia local bem maior do que em qualquer outro estado.

*

NOTAS.

[*] O presente artigo contém material extraído e adaptado do livro A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (em desenvolvimento). (Para mais amostras, ver os artigos Livros, lentes & afins; Por que a Terra é esférica?; Revolução Agrícola, a mãe de todas as revoluções; O que é cultural, afinal?; Subindo uma rampa em espiral; Quem quer ser um cientista?; Finda a lenha, eis o carvão: Como foi mesmo que entramos nessa enrascada?; Do que é feito o Universo?; A terceira via: Algumas notas sobre o método científico; e As origens da política.)

Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os quatro livros anteriores do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir algum volume específico ou para mais informações, faça contato com o autor pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Já escrevi sobre isso em outros contextos – ver, por exemplo, o artigo Síndrome da geografia preguiçosa, publicado no Observatório da Imprensa, em 3/11/2009.

[2] Os percentuais foram arredondados para o inteiro mais próximo. Eis a lista dos estados que integram cada região (entre parêntesis, a área territorial de cada região): (i) Norte (3.851.281 km2) – Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins; (ii) Nordeste (1.551.992 km2) – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe; (iii) Sudeste (924.565 km2) – Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo; (iv) Sul (576.743 km2) – Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina; e (v) Centro-Oeste (1.606.240 km2) – Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Para detalhes, ver IBGE (2020).

Observe que o estado de Tocantins integra a região Norte, não o Centro-Oeste, como afirmam alguns observadores.

[3] É lamentável, mas é bom lembrar que o governo federal boicotou a realização do censo previsto para 2020. A julgar pelas informações disponíveis (ver aqui), o Censo 2022 terá início em 1/8/2022.

[4] Assim como adotei aqui, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde também está a trabalhar com a estimativa de 2019 (210.147.125). A estimativa mais recente informa que o efetivo populacional teria chegado a 213.317.639, em 1/7/2021. (Não sei se o IBGE irá divulgar alguma estimativa para este ano, visto que teremos o Censo 2022.)

*

REFERÊNCIA CITADA.

+ IBGE. 2020. Anuário estatístico do Brasil. Volume 79: 2019. RJ, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

* * *

27 maio 2022

A destruição do tempo

Jacob Needleman

Por que o tempo desapareceu de nossa cultura? Como se explica que, depois de décadas de invenções e tecnologias desenvolvidas para poupar tempo e trabalho, não há tempo sobrando? Somos uma sociedade pouco dedicada ao tempo, que se tornou um material escasso. E não existe questão nem aspecto da vida humana tão importante quanto o tempo. A destruição do tempo é literalmente a destruição da vida.

‘Lazer’? ‘Férias’? ‘Aposentadoria’? ‘Recreação’? Qualquer pessoa que tenha tentado voltar-se para essas atividades na esperança de recuperar o sentido humano do tempo sabe como é desapontador perceber a impossibilidade, hoje, de um tempo real, pleno e válido. Raramente sentimos que nosso tempo é ‘mesmo nosso’. Raramente temos consciência de que estamos vivos, livres da preocupação compulsiva sobre o passado e o futuro, completamente livres para conhecer nossas vidas. A moeda do tempo tem se desgastado e barateado ao ponto de se esvanecer.

Fonte: Needleman, J. s/d. 1991. O dinheiro e o significado da vida. SP. Best Seller.

25 maio 2022

Linguagem simbólica

Marcel Blanc

Os biólogos reconhecem que as características próprias ao homem provêm de cinco esferas: o bipedismo, a dentição, a sexualidade e a reprodução, o cérebro, a aptidão para a linguagem e a cultura. [...]

Uma característica fundamental decorrente da anterior é a posse da linguagem simbólica; ou seja: de um sistema de comunicação baseado em sinais físicos (as unidades sonoras ou fonemas) cujas combinações formam um sentido que não tem qualquer relação direta com estes (ao contrário dos gritos, dos uivos, dos latidos dos animais, que são emissões sonoras ligadas a um estado emocional em um dado momento e perfeitamente identificáveis como tais por um congênere ou um observador humano; este, por exemplo, sabe reconhecer e discriminar no cachorro o ganido de alegria, o latido de alarme, de ameaça, etc.).

Fonte: Blanc, M. 1994. Os herdeiros de Darwin. SP, Scritta.

23 maio 2022

O bicho

Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema publicado em livro em 1948.

21 maio 2022

Refeição com presunto


Nicolas Lancret (1690-1743). Le déjeuner de jambon. 1735.

Fonte da foto: Wikipedia.

19 maio 2022

Álcool

Maria Teresa Horta

Na sede mais espessa
dos teus lábios
afunda-se o álcool
das colinas

o ar o clima a tempestade
e talvez qualquer cidade
mais vizinha

E logo a minha boca
se entreabre
matando a tua sede com a minha

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1964.

17 maio 2022

Sobre a sublevação que nas Minas houve em 1720

Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos.

Posto que das Minas, e seus moradores, bastava dizer o que dos do Ponto Euxino e da mesma região afirma Tertuliano: que é habitada de gente intratável, sem domicílio, e ainda que está em contínuo movimento, é menos inconstante que os seus costumes, os dias nunca amanhecem serenos: o ar é um nublado perpétuo; tudo é frio naquele país, menos o vício, que está ardendo sempre. Eu, contudo, reparando com mais atenção na antiga e continuada sucessão de perturbações que nelas se vêem, acrescentarei que a terra parece que evapora tumultos: a água exala motins; o ouro toca desaforos: destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordem os astros: o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo, e amotinada lá por dentro, é como no inferno.

Fonte (trechos em itálico): Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial. Trecho extraído de documento (Discurso..., 1720) que é comumente atribuído a Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos (1688-1756), o 3º conde de Assumar.

15 maio 2022

Do fundo da noite que me cerca

F. Ponce de León.

Do fundo da noite que me cerca,
Preta qual fosso de polo a polo.
William Ernest Henley (1849-1903).

1.

Nossa história política recente abriga um sem número de momentos vergonhosos. Cito aqui alguns exemplos.

Em 2003, as câmeras de TV flagraram o chilique e a falta de decoro por parte de um deputado federal do Rio de Janeiro diante da deputada gaúcha Maria do Rosário (PT/RS). (A ofensa e a chuva de perdigotos reapareceriam anos depois – ver aqui.) Jamais engoli o fato de o criminoso não ter sido prontamente cassado.

Em 19/3/2013, chamou a atenção o clima de velório estampado no rosto de William Bonner e colegas (Jornal Nacional, Rede Globo) ao noticiar a aprovação da chamada PEC das Domésticas (ver aqui). O que estava em questão era tão somente uma Proposta de Emenda à Constituição cujo propósito era cortar alguns dos derradeiros laços que ainda unem a vida dos trabalhadores domésticos (cozinheiras, faxineiras, babás e outros) ao regime escravocrata.

Em 17/4/2016, um domingo, outro deputado criminoso da bancada fluminense esteve à frente da sessão para votação do processo de afastamento da presidenta Dilma Rousseff (ver aqui). Muita gente sabia que tudo aquilo era um teatro, um mero jogo de cartas marcadas. (Foi seguramente um dos episódios mais degradantes de toda a nossa história política.) Várias emissoras de TV transmitiram a sessão ao vivo. Fiquei particularmente enojado ao perceber que a Globo estava a manipular toda aquela encenação como se estivesse a transmitir uma partida de futebol.

Em 2/8/2016, não precisei de mais do que uns poucos segundos diante da TV (Programa do Jô, Rede Globo) para perceber que o entrevistado daquela noite (ver aqui) era não só um sujeito mentalmente perturbado, mas também um procurador de justiça muito mal-intencionado.

2.

Estamos a menos de cinco meses das eleições gerais previstas para 2/10/2022 (para detalhes, ver aqui). E a falácia da polarização (e da terceira via) ainda está a ludibriar e a imobilizar muita gente. É lamentável, pois é um tremendo equívoco.

Considere o espectro político – o espectro direita vs. esquerda, mais especificamente. Para fins de ilustração, vamos admitir cinco posições: a direita (centro-direita e extrema direita), o centro e a esquerda (centro-esquerda e extrema esquerda).

Há extrema direita em nossa arena política, mas não há extrema esquerda. (As posições extremistas se caracterizam pela defesa ou pelo uso efetivo das forças do estado contra os seus opositores.)

Alguns partidos, a julgar pelas bandeiras que ostentam, podem ser apropriadamente rotulados de esquerda (e.g., PSOL e PC do B). Mas esse não é bem o caso do PT, partido cujo programa sofreu vários ajustes desde que foi fundado, em 1980 (ver aqui). (Dizer que o PT não é de fato um partido socialista é só um aviso aos navegantes bem-intencionados. Pois sempre haverá algum maníaco de direita a dizer que isso não vem ao caso, afinal os petistas sempre escondem os seus verdadeiros e sórdidos propósitos.)

Não tenho filiação partidária. Presumo, no entanto, que todo indivíduo que tenha tido alguma experiência como ativista político esteja ciente de que há um fosso entre as ruas e o noticiário. As notícias que vêm à tona constituem, na melhor das hipóteses, tão somente uma visão simplificada e parcial daquilo que de fato se passa no interior dos movimentos sociais ou dos partidos.

3.

Veja o caso do PT. Para começar, trata-se de um partido enorme. É o maior partido brasileiro (em número de filiados) e um dos poucos, senão o único, a merecer o rótulo de orgânico. (Até o fim da década de 1990, por exemplo, cansei de ver militantes do PT indo para as ruas. Não se falava em remuneração. Ativismo era trabalho voluntário. Em tempos de eleição, o PMDB tinha de recorrer àquela turma que estava pendurada na folha de pagamento da prefeitura ou do governo do estado. Desprovido de militantes e apadrinhados, o PSDB recorria então ao faz-de-conta – i.e., o partido contratava dublês que se passavam por militantes.)

Voltando ao PT. Há muitas disputas internas. O que não é nenhum fim de mundo, afinal trata-se de uma confederação de tendências. Algumas delas são verdadeiramente de esquerda, mas outras são claramente de centro. Até onde eu enxergo (e eu sou míope e não enxergo muito), quem dá as cartas hoje é um grupo de centro.

O próprio Lula, é bom que se diga, é um sujeito de centro. Ele nunca foi de esquerda. Como ele próprio sempre fez questão de repetir e enfatizar. (Ainda me lembro de uma entrevista dada por ele à rádio Bandeirantes. Foi a primeira vez que eu o vi recusando o rótulo de socialista. O diálogo foi mais ou menos assim: “Você é socialista?”, perguntou o repórter, “Eu sou torneiro mecânico”, respondeu o entrevistado. Isso foi no verão de 1981.)

O fato é que o ex-presidente – reconhecidamente um dos maiores líderes políticos do mundo contemporâneo – fala e se comporta mais como um liberal do que como alguém de esquerda. Basta ouvir os discursos – dia sim, dia não lá está o pré-candidato a nos dizer que a classe trabalhadora almeja alcançar tão somente o reino do consumo.

Exagero? Pois então pense: No momento, qual é o maior desejo do ex-presidente? Ele mesmo tem dado a resposta: Combater a miséria e fazer com que todo brasileiro volte a ter acesso a três refeições ao dia. Corretíssimo. Mas isto está longe de ser uma pauta de esquerda. (Lembre-se: Até os senhores de engenho davam de comer aos escravizados. Assim como as donas de casa de hoje permitem que as empregadas tomem café, almocem e jantem, às vezes até sentadas à mesa, ao lado delas.)

4.

Mas não há como negar: Ainda há quem ache que dar de comer a quem tem fome é uma pauta de esquerda.

Talvez seja... Sobretudo se você estiver cercado por gente alienada e mal-intencionada. Gente que também acha que a crise na Ucrânia é uma luta do bem contra o mal. Gente que acha que os Estados Unidos estão preocupados com a democracia. Gente que acha que a Rússia é um país socialista. Gente que acha que o Sol e a Lua são do mesmo tamanho. Gente que acha que a Terra é oca. Enfim, gente que acha que a roda é quadrada.

Todos esses achismos são falsos. Grosseiramente falsos. Por quê? Simplesmente porque não condizem com a realidade. O xis da questão é este: Discernir entre falso e verdadeiro não é uma questão de opinião, de achismo.

O mais incrível, porém, é perceber que parte dessa gente equivocada está todos os dias no noticiário. Tanto na TV como no celular. É gente que não se contenta em mostrar o rostinho. Eles estão ali a ler as notícias ou, o que é pior, a fazer comentários destrambelhados a respeito de coisas que não entendem.

Pois é... Os jornalistas brasileiros não são apenas tendenciosos. São também despreparados. (O problema, claro, não se restringe ao jornalismo.) Ora, uma imprensa feita por gente despreparada ou mal-intencionada só prospera quando o público é infantil ou se nega a pensar e a refletir sobre o mundo. E isso é tudo ou quase tudo o que temos por aqui – despreparados falando para preguiçosos.

5.

A vida em sociedade não é regida pelos afetos ou pela moralidade. O que rege a sociedade é a economia – i.e., as relações econômicas estão na base da nossa vida social. (As sociedades primitivas – tanto as de outrora como as de hoje – são regidas pela ecologia, a prima mais pobre da economia.) Este talvez tenha sido o grande achado dos inventores da moderna teoria econômica (Adam Smith, Karl Marx etc.).

A economia é traduzida e chega até nós por meio da economia política. Neste sentido, cabem aqui duas distinções. A primeira: a distinção entre sociedade (todos nós) e mercados (quem tem poder de compra para adquirir determinados bens). A esquerda costuma se preocupar com o conjunto da sociedade, enquanto a direita costuma se preocupar tão somente com os mercados.

A segunda distinção envolve a motivação. Os grupos de direita em geral são movidos por interesses materiais, enquanto os grupos de esquerda são movidos por princípios (éticos ou morais).

Ocorre que os princípios são por demais abstratos. E mais: alguns princípios contrariam o senso comum ou mesmo a natureza humana. A noção de justiça, por exemplo.

Considere a ideia de que todos os indivíduos que integram uma dada geração (e não apenas os meus parentes e amigos) devem ter acesso às mesmas oportunidades durante suas vidas. Um exemplo concreto seria a questão da tributação de heranças. Quem herda uma fortuna, apenas e tão somente por ser filho de pais muito ricos, deveria reconhecer a necessidade de que tudo aquilo precisa ser taxado. Caso contrário, penso eu, estaria a se comportar como um corredor de 100 m rasos que quer ganhar a corrida partindo não da largada, mas da marca de 90 m. É uma clara desigualdade, a ponto de tornar a corrida uma fraude. E nós não deveríamos tolerar as fraudes.

*

Obs.: Postagem com o mesmo título foi publicada em 21/4/2018 (aqui).

* * *

13 maio 2022

O alarme


Jean-[Baptiste]-François de Troy (1679-1752). L’Alarme ou la Gouvernante fidèle. 1723.

Fonte da foto: Wikipedia.

12 maio 2022

15 anos e sete meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quinta-feira, 12/5, o Poesia Contra a Guerra completa 15 anos e sete meses no ar.

Desde o balanço anterior – ’15 anos e meio no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Afrânio do Amaral, Arthur O. Lovejoy, David Premack, Humberto Maturana, Napoleão Valadares, Rogério Freitas e Toninho Horta. Além de outros nomes que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Charles-Joseph Natoire e François Lemoyne.

11 maio 2022

As origens da política

Felipe A. P. L. Costa [*]

Cerca de 10 mil anos atrás, em diferentes regiões do planeta, a base material de sustentação das sociedades humanas mudou radicalmente. A caça e a coleta deram lugar ao cultivo de plantas e à criação de animais. A invenção da agricultura (ou da agropecuária, para falarmos mais amplamente) foi uma jornada e tanto. Uma epopeia intrigante a respeito da qual ainda há muitas interrogações.

1. ASSENTAMENTOS E ENSAIOS INICIAIS.

Embora a adoção da agricultura permanente implique em um estilo de vida mais sedentário, este último pode ser igualmente favorecido em outras circunstâncias. Por exemplo, muitos sítios arqueológicos, em diferentes partes do mundo, são ricos em depósitos de restos animais e vegetais [1]. O que tem sido interpretado como evidência de que os seus ocupantes eram capazes de controlar (pois conheciam bem) as fontes de alimentação que exploravam.

O manejo das fontes de alimentação teria se desenvolvido de modo independente em grupos de caçadores-coletores vivendo em diferentes tipos de hábitats – e.g., grupos vivendo em formações savânicas na região de Lagoa Santa (MG) ou em costões rochosos no litoral do estado do Rio de Janeiro ou de Santa Catarina.

O cultivo de plantas alimentares e a domesticação de animais teriam sido iniciados nesses acampamentos semipermanentes. A princípio, de modo facultativo e inspirado no que se observava ao redor – e.g., germinação e crescimento de plantas a partir de sementes caídas no entorno do assentamento. Mais tarde, além de imitações e acidentes bem-sucedidos (e.g., tentativa e erro), o progresso se deu por meio de ensaios deliberados, frutos do conhecimento acumulado e das tradições culturais de cada grupo.

Após uma fase inicial de transição, a agricultura permanente foi adotada por muitos grupos. O fardo aumentou – a lida diária de cuidar da terra é bem diferente da lida de quem vive do extrativismo. Em compensação, aumentou o controle que os seres humanos exerciam sobre a disponibilidade dos recursos. Com acesso a um suprimento alimentar maior e mais previsível, certas restrições foram minimizadas. As taxas de mortalidade, por exemplo, foram refreadas. O que teve duas implicações radicais (ver adiante, neste capítulo): (1) Os grupos aumentaram de tamanho; e (2) O perfil demográfico dos grupos mudou.

2. AGRICULTURA PERMANENTE.

Nos primeiros dias da agricultura, a produtividade era baixa e a produção mal dava para suprir as necessidades do grupo [2]. Não havia excedentes. De sorte que ainda não era factível que alguns indivíduos se dedicassem apenas e tão somente ao trabalho intelectual. Todos os braços precisavam se empenhar em algum tipo de trabalho manual. A divisão de trabalho estava até então restrita ao sexo – e.g., homens caçavam, enquanto as mulheres coletavam e processavam frutos e raízes [3].

O que teria então impulsionado a Revolução Agrícola?

Mais especificamente, o que teria levado ao abandono de um estilo de vida baseado no extrativismo grátis e à adoção de um sistema de produção organizado e previsível, culminando então com algum tipo de agricultura permanente?

A questão é intrigante. Todavia, além de intrigante, a história da agricultura tem aspectos controversos. Um exemplo adicional, como nós veremos a seguir, diz respeito às polêmicas em torno da questão do controle social dos excedentes.

3. EXCEDENTES, TROCAS, ESCRITA.

Com o advento e posterior desenvolvimento da agricultura permanente, surgiram os excedentes agrícolas. Certos itens colhidos na estação da fartura – se devidamente processados e estocados – podiam agora saciar a fome na estação da escassez.

A partir de então, na opinião de alguns estudiosos, as disputas dentro e entre grupos teriam se intensificado. Pilhagens e saques teriam se tornado atividades lucrativas, ainda que arriscadas, a ponto de se converterem em um modo de vida. As vítimas, por sua vez, teriam desenvolvido sistemas de defesa – patrulhas de vigilância foram criadas e as normas de convivência (e.g., códigos de interdição e punições) se tornaram mais rígidas. Gerou-se assim uma corrida armamentista entre grupos de saqueadores e agricultores sedentários, o que teria promovido e alimentado sucessivas mudanças na organização social dos grupos.

As coisas também mudaram dentro dos grupos. Os produtos do trabalho coletivo deixaram de ser repartidos de modo equitativo. Surgiram castas especializadas (e.g., curandeiros, feiticeiros, sacerdotes e militares), as quais não mais se envolviam diretamente na produção de alimentos. Na defesa dos seus privilégios, as castas dominantes recorriam à coerção física ou à persuasão ideológica. A desigualdade social aumentou e a vida no interior dos grupos passou a ser cada vez mais objeto de legislação e controle, incluindo até mesmo repressão e punição física contra eventuais opositores.

4. REGISTRANDO AS TRANSAÇÕES.

Embora os conflitos letais nunca tenham deixado de ocorrer, vários grupos aprenderam a trocar excedentes entre si [4]. O escambo, por exemplo, permitia que os grupos tivessem acesso a uma base ampliada de recursos. No cômputo final, as trocas eram um modo mais seguro e confiável de se obter aquilo que não se produz – e.g., “Troco a minha cabra pelas suas espigas de milho”.

O comércio se estabeleceu e prosperou. Os bens se transformaram em mercadorias – produtos que até então tinham valor de uso, passaram a ter também valor de troca. Com a intensificação do comércio, surgiu a necessidade de um denominador comum para normalizar as transações. A moeda foi criada.

A escrita e os sistemas numéricos, duas ferramentas usadas na criação de códigos e registros, foram aperfeiçoados e difundidos. A invenção de códigos individualizados permitiu que múltiplas transações fossem controladas simultaneamente – e.g., “Fulano me deve 50 espigas de milho. Beltrano me deve uma cabra”.

5. AS PRIMEIRAS CIDADES.

Entrepostos e rotas comerciais foram criados. Núcleos habitacionais se converteram em aldeias e vilas, algumas das quais deram origem às primeiras cidades – e.g., Eridu, Lagash e Ur [5].

Algumas cidades se converteram em cidade-estado. O dia a dia de uma grande cidade (ontem como hoje), é bom ressaltar, depende de uma infraestrutura mínima. Razão pela qual logo foram criados os serviços públicos [6], responsáveis pela proteção da cidade contra invasores e por cuidar da construção e manutenção de grandes obras (e.g., sistemas de irrigação e muralhas).

O desenvolvimento continuado de algumas cidades resultou no surgimento das primeiras civilizações – e.g., sumérios (3500 aC) e egípcios (3000 aC). Por fim, o advento de sociedades civilizadas mudou de vez a identidade das forças que pesam sobre o destino dos grupos e a sorte dos indivíduos. Diminuiu o peso das imposições ecológicas. O protagonismo foi transferido para as lutas políticas travadas no interior de cada sociedade. As relações intergrupais ganharam uma nova dimensão [7].

Mais recentemente, a emergência dos estados nacionais criaria demandas ainda mais novas e insuspeitas – e.g., a realização de censos demográficos visando identificar e monitorar as dimensões da nação.

*

NOTAS.

[*] Assim como nove artigos anteriores (ver Livros, lentes & afins; Por que a Terra é esférica?; Revolução Agrícola, a mãe de todas as revoluções; O que é cultural, afinal?; Subindo uma rampa em espiral; Quem quer ser um cientista?; Finda a lenha, eis o carvão: Como foi mesmo que entramos nessa enrascada?; Do que é feito o Universo? e A terceira via: Algumas notas sobre o método científico ), o presente artigo (uma versão resumida e simplificada do texto original), foi extraído e adaptado do livro A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (em desenvolvimento).

Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os quatro livros anteriores do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir algum volume específico ou para mais informações, faça contato com o autor pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Os sambaquis seriam um exemplo – ver Souza (1999). Para detalhes e discussões, v. Tenório (1999) e Silva & Rodrigues-Carvalho (2006).

[2] Produtividade: biomassa colhida por unidade de área cultivada; produção: biomassa total colhida. Caçadores-coletores são se converteram em agricultores da noite para o dia. Houve uma longa transição. Em algumas sociedades, os dois estilos de vida ainda convivem – ver Diamond (2003).

[3] Para detalhes e um contraexemplo recente, ver Haas et al. (2020).

[4] O escambo seria um modo civilizado de ter acesso a recursos que antes eram obtidos por meio de saques ou pilhagens. Sobre conflitos armados anteriores à invenção da agricultura – ver, e.g., Mirazón Lahr et al. (2016).

[5] As três foram erguidas em território que hoje pertence ao Iraque.

[6] Para uma discussão sobre serviços públicos, ver Toynbee (1987).

[7] Há uma longa e sangrenta história de contatos inamistosos entre grupos humanos. O motivo? Saques, pilhagens, guerras etc. Embora a adoção da diplomacia como um modo de estreitar laços e resolver conflitos seja algo milenar, alguns dos mais importantes organismos multilaterais só foram criados muito recentemente. A ONU (https://www.un.org), por exemplo, foi fundada em 24/10/1945 e a OMS (https://www.who.int), em 7/4/1948.

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REFERÊNCIAS CITADAS.

+ Diamond, J. 2003 [1997]. Armas, germes e aço. RJ, Record.
+ Haas, R & mais 9. 2020. Female hunters of the early Americas. Science Advances 6: eabd0310.
+ Mirazón Lahr, M & mais 21. 2016. Inter-group violence among early Holocene hunter-gatherers of West Turkana, Kenya. Nature 529: 394-8.
+ Silva, HP & Rodrigues-Carvalho, C, orgs. 2006. Nossa origem. RJ, Vieira & Lent.
+ Souza, SMFM. 1999. Anemia e adaptabilidade em um grupo costeiro pré-histórico: uma hipótese patocenótica. In: Tenório (1999).
+ Tenório, MC, org. 1999. Pré-história da Terra Brasilis. RJ, Editora UFRJ.
+ Toynbee, A. 1987 [1972]. Um estudo da história. SP, Martins Fontes & Editora UnB.

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09 maio 2022

O ensino do conceito de morte

David Premack

E se, como os homens, o símio temer a morte e tratar esse conhecimento tão bizarramente como o fazemos? [...] O objetivo desejado não seria somente comunicar o conhecimento da morte mas, ainda mais importante que isso, achar um meio de assegurar que a resposta dos símios não seja de temor, a qual, no caso do homem, conduziu à invenção de rituais, mitos e religião. Até que eu possa sugerir procedimentos concretos para o ensino do conceito de morte sem medo, não tenho nenhuma intenção de revelar o conhecimento da mortalidade ao símio.

Fonte: Wilson, E. O. 1981. Da natureza humana. SP, T A Queiroz & Edusp.

07 maio 2022

Digressão histórica sobre a linguagem científica

Afrânio do Amaral

Dado que a nossa Linguagem Científica recorreu a fontes usuais e a étimos eruditos, cabe-nos fazer ligeira digressão pelas origens, nas quais tão de pronto transparecem as indeléveis influências da cultura grego-romana, para não dizer indo-europeia, sobretudo evidente nesse tipo de produção da mente humana.

A partir do Sânscrito que, mediante os cânticos sacros preservados pelo Devanágare, contribuiu com inúmeras raízes e temas que se perpetuaram em composições vocabulares cujo sentido ainda hoje se respeita; e, em seguida, do Irânico, registrado nos livros do Zend-Avesta; a partir do Sânscrito e do Irânico, as repetidas migrações de hordas e de povos oriundos do planalto central (uralo-altaico) da Ásia, ou [seja] Mongóis, Hunos, Persas, Medas, Semitas, Islamitas, imitados por Gregos e Romanos, foram realmente multiformes as quotas que de várias frentes advieram para a formação e enriquecimento dessa linguagem.

Fonte: Amaral, A. 1976. Linguagem científica. SP, CFC, Unicamp, UFRJ, UnB e SCCT/SP.

04 maio 2022

Natureza como norma

Arthur O. Lovejoy

Há uma veia de hedonismo no ensinamento moral de Tertuliano. O gozo moderado de todos os prazeres diretos e simples dos sentidos é legítimo, elogiável e, até, obrigatório; de outra maneira a Natureza não nos teria dotado de capacidade para tal desfrute.

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Nacional & Edusp. Excerto de livro originalmente publicado em 1955.

02 maio 2022

O Tempo salva a Verdade da Mentira e da Inveja (Parte 2)

F. Ponce de León.

1.

A vida em sociedade é regida pelas leis da física, da biologia e da política (não pelas leis da moral ou da ética).

E o que rege o mundo da política são as leis da economia (não o código penal).

2.

A vida em sociedade se parece com um restaurante. Os políticos são os garçons. Não são eles que mandam. Quem manda são os clientes e os donos do restaurante.

3.

As placas tectônicas que estão na base de todas as sociedades modernas são movidas pela economia. (Nas sociedades primitivas – de outrora ou de hoje – é a ecologia que move as placas.)

As falcatruas estampadas no noticiário – e com as quais a mídia nos assusta e chantageia – são de origem econômica, incluindo os casos de corrupção que a imprensa vive a explorar e a promover.

4.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU (ver aqui) acaba de outorgar um reluzente selo de qualidade à Operação Lava Jato. Trata-se do selo Falcatrua Internacional.

O Pato de Maringá e os demais escoteiros de calça curta que ainda fazem xixi na cama estão todos de parabéns.

5.

Gigantesco anão moral e intelectual à frente da República de Curitiba, o Pato de Maringá acreditou que o pó de pirlimpimpim que a mídia despejou sobre ele iria de fato convertê-lo no Todo-Poderoso.

Nunca passou de um espantalho. E de um fantoche.

6.

Paparicado noite e dia por um sem número de moscas varejeiras que vivem a infestar a vida pública do país, notadamente repórteres, comediantes, futebolistas e porteiros de motel, o sujeito perseguiu e violou os direitos políticos de muita gente.

O ex-presidente Lula foi apenas o caso de maior relevo – a cereja do bolo, como se diz. Mas está longe de ser o pior ou o mais dramático. Lula já se reergueu. Conheço gente inocente que foi perseguida e que talvez não tenha tempo de se reerguer.

7.

Toda injustiça é revoltante, mas pisar na cabeça de quem já está caído é uma barbárie ainda mais revoltante. Foi contra esse tipo de coisa que, lá na minha infância, a minha mãe me ensinou a lutar.

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