30 dezembro 2020

Teotihuacán

René Millon

Cuando los españoles conquistaron Méjico describieron la capital de Montezuma, Tenochitlán, en términos tan expressivos que durante siglos se pensó que la fortaleza asteca debió ser la ciudad más importante de la América precolombina. Solamente a 40 kilómetros al norte de Tenochitlán estaba el emplazamiento de una ciudad que, en su época, había sido todavía más impresionante. Conocida como Teotihuacán, habia surgido, florecido y caído cientos de años antes de la entrada de los conquistadores en Méjico. En la cumbre de su esplendor, alredor del año 500 de la Era Cristiana, Teotihuacán era más grande que la Roma imperial, y durante más de medio milenio fue para América Central lo que Roma, Benares o la Meca fueron para el Viejo Mundo: la capital cultural y religiosa a la vez que el mayor centro económico y político.

Fonte: Millon, R. 1975. In: Scientific American. Biología y cultura. Madri, H Blume. Excerto de artigo publicado originalmente em 1967.

28 dezembro 2020

A depender da campanha de vacinação, o país irá contabilizar entre 14 e 24 milhões de casos e entre 282 e 396 mil mortes

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. Vários países já deram início a campanhas de vacinação em massa contra a Covid-19. De acordo com o Ministério da Saúde, teríamos chegado ontem (27) a um total de 7.484.285 casos e 191.139 mortes. Presumindo que também haverá uma campanha de vacinação entre nós, cabe a pergunta: Quantos casos e quantas mortes serão contabilizados até o fim da campanha? Duas das minhas projeções mais otimistas são as seguintes: (1) Cenário RÁPIDO – Até 27/6/2021, o país irá contabilizar um total de 13.907.892 casos e 282.043 mortes; e (2) Cenário LENTO – Até 26/12/2021, o país irá contabilizar um total de 23.709.058 casos e 395.708 mortes.

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Um.

Ao menos 43 países já deram início a campanhas de vacinação em massa contra a Covid-19 (ver aqui). O pontapé inicial foi dado pelo Reino Unido, em 8/12 [1]. Nos Estados Unidos, o país que ostenta as piores estatísticas (ver aqui), a campanha teve início em 14/12 [2].

Os brasileiros, infelizmente, ainda não sabem quando uma campanha semelhante terá início por aqui.

Dois.

Não há dúvida de que é uma boa notícia saber que a vacinação em massa já começou em outros lugares. Mas a boa nova não nos autoriza a acreditar que estaríamos a presenciar os momentos derradeiros da pandemia. Nem justificaria o entusiasmo ingênuo e apressado que alguns brasileiros (jornalistas, inclusive) estão a manifestar.

Fechar os olhos e abrir mão do senso crítico é uma combinação perigosa cujos frutos costumam ser duros e amargos.

Três.

Devemos manter os olhos abertos.

Em primeiro lugar, devemos atentar para o seguinte: vacinar a população de um país não é um processo instantâneo. Leva tempo.

Veja o caso da Austrália. O governo australiano anunciou que 80% da população (~26 milhões de habitantes) deverão estar vacinados até outubro de 2021 (ver aqui). O nosso Ministério da Saúde, que até outro dia usufruía de uma reconhecida tradição em campanhas de vacinação, seria capaz de vacinar a população brasileira a um ritmo bem superior ao que está subentendido na estimativa do governo australiano. O governo brasileiro, no entanto, prevê que a campanha por aqui deva demorar mais de 1 ano (ver aqui).

Quatro.

Em segundo lugar, devemos atentar para o seguinte: os frutos da vacinação não brotam da noite para o dia [3]. No caso da Covid-19, a pandemia só será interrompida quando a cobertura mínima (60-70% da população) vier a ser atingida.

É a tal imunidade de rebanho.

Veja: após ter sido vacinado ou vacinada [4], você até pode se sentir protegido(a) e seguro(a). A pandemia, no entanto, só será interrompida depois que algo entre 60 e 70% dos seus vizinhos também tiver sido vacinado.

Em resumo, mesmo após o início da vacinação, muitos brasileiros (até duas dezenas de milhões; ver adiante) ainda serão infectados. Muitos dos quais (entre dezenas e centenas de milhares; ver adiante), infelizmente, irão sucumbir.

A julgar pelo que tem sido observado nas últimas semanas, o pior ainda pode estar por vir. Em outras palavras, as estatísticas podem ser ainda mais terríveis e assustadoras em 2021.

Cinco.

De acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados ontem (27) mais 18.479 casos e 344 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 7.484.285 casos e 191.139 mortes.

Contrariando o que foi observado nas semanas anteriores (ver artigo Nada é tão ruim que não possa piorar: As taxas de crescimento seguem a escalar), houve um declínio nas taxas de crescimento (casos e mortes) ao longo da última semana [5].

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FIGURA. O ‘V’ da pandemia. A figura que acompanha este artigo ilustra o comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6 e 27/12. (Valores acima de 2% não são mostrados.) Note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo a partir do início de novembro.

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Levando em conta as estatísticas da semana encerrada ontem (21-27/12), as médias semanais estão agora em 0,48% (casos) e 0,33% (mortes) [6].

Em condições normais, esta seria uma notícia auspiciosa. Mas não foi uma semana normal. A julgar pela rotina de trabalho das autoridades sanitárias (e.g., municipais e estaduais), o feriado de Natal atrapalhou a computação dos registros, puxando as estatísticas para baixo. As quedas, portanto, são artificiais. Algo semelhante deve ocorrer ao longo desta semana (28/12-3/1). As nuvens que ora turvam a nossa visão do que se passa no país só deverão se dissipar na outra semana (4-10/1) [7].

Seis.

Dito isso, resta dar uma resposta numérica à pergunta central deste artigo: Quantos casos e quantas mortes serão contabilizados em todo o país até o fim da campanha de vacinação?

Há vários modos de se estimar esses números.

No que segue, vou apresentar apenas duas das minhas projeções mais otimistas. As duas, como o leitor irá notar, foram obtidas de modo relativamente simples. São aproximações e estão sujeitas a ajustes e correções.

Sete.

Minhas projeções estão assentadas em três premissas. (a) Haverá campanha de vacinação e esta terá início imediatamente. (b) No cenário RÁPIDO, a campanha estará concluída daqui a 26 semanas (em 27/6); no cenário LENTO, daqui a 52 semanas (em 26/12). (c) Durante a campanha de vacinação, as taxas de crescimento (casos e mortes) exibirão tendências declinantes [8].

Respeitadas estas premissas, eis as duas projeções: (1) No cenário RÁPIDO – Até 27/6/2021, o país irá contabilizar um total de 13.907.892 casos e 282.043 mortes; e (2) No cenário LENTO –Até 26/12/2021, o país irá contabilizar um total de 23.709.058 casos e 395.708 mortes.

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Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Uma cidadã britânica de 90 anos de idade foi a primeira pessoa a receber uma dose da vacina da Pfizer/BioNTech (ver aqui).

[2] A campanha estadunidense também começou com a vacina da Pfizer/BioNTech. Na semana seguinte, as autoridades liberaram uma segunda vacina, a da Moderna (ver aqui), também em circunstâncias emergenciais. Nessas circunstâncias, os fabricantes não podem ser responsabilizados por eventuais problemas decorrentes da vacinação.

[3] Para fins de ilustração, considere as estatísticas dos EUA, antes e após o início da campanha de vacinação. Em 2/12 (12 dias antes), eram 14.360.467 casos e 279.839 mortes. No dia 14, quando a campanha teve início, 16.950.546 casos e 308.298 mortes. Em 26/12 (12 dias depois), 19.441.964 casos e 339.923 mortes. Comparando esses dois intervalos de 12 dias, as taxas de crescimento diário (casos e mortes) pouco se alteraram. Veja: (1) casos: 1,39% (2-14/12) e 1,15% (14-26/12); e (2) mortes: 0,81% (2-14/12) e 0,82% (14-26/12). (Fonte das estatísticas dos EUA: Worldometer: Coronavirus.)

[4] As vacinas que já estão sendo usadas, assim como as que virão a ser usadas logo a seguir, devem ser administradas em duas doses. A eficácia média dessas vacinas gira em torno de 90% – i.e., nove em cada 10 indivíduos vacinados adquirem imunidade e ficam protegidos contra a doença. Assim, para imunizar 70% da população, ao menos 78% dos indivíduos devem ser vacinados.

[5] Da qual a imprensa brasileira só se dará conta amanha (29), quando e se o Imperial College de Londres (Inglaterra) vier a soltar um novo boletim sobre a situação brasileira.

[6] Para detalhes metodológicos, ver qualquer um dos quatro volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui e aqui).

[7] Entre 25/10 e 27/12, as médias semanais exibiram as seguintes trajetórias: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12) e 0,48% (21-27/12); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12) e 0,33% (21-27/12).

[8] No cenário RÁPIDO, as trajetórias passam pelos seguintes pontos (casos e mortes): 0,57% e 0,33%, em 27/12; 0,3% e 0,21%, em 28/3; e 0% e 0%, em 27/6. No cenário LENTO, as trajetórias passam pelos pontos (casos e mortes): 0,57% e 0,33%, em 27/12; 0,3% e 0,21%, em 27/6; e 0% e 0%, em 26/12. Cabe esclarecer o seguinte: os valores 0,57% e 0,3% (casos) e 0,33% e 0,21% (mortes) foram escolhidos de modo algo arbitrário, mas são valores conservadores, eu acrescentaria. Os valores para o dia 27/12 (0,57% e 0,33%) são as médias (casos e mortes) das últimas sete semanas (8/11-27/12); os valores intermediários (0,3% e 0,21%) são as médias da semana 2-8/11 e são os valores mais baixos desde o início da pandemia.

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26 dezembro 2020

Identidade

Adão Ventura

Sebastiana Ventura de Souza
Sebastiana de Minas Gerais
Sebastiana de Minas
Sebastiana de Tal

Vem limpar o chão
vem lavar a roupa
vem enxugar a louça

Vem cantar cantiga
de ninar
para mim.

Fonte: Horta, A. B. 2003. Sob o signo da poesia. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em libro em 1992.

24 dezembro 2020

Adoração dos magos


Prospero Fontana (1512-1597). Adorazione dei magi. 1569.

Fonte da foto: Wikipedia.

23 dezembro 2020

Comércio e cultura

Allan Bloom

Todos sabemos, com algum grau de precisão, o que é comércio, mas eu não entendo o que é ‘cultura’, palavra que nunca uso. ‘Cultura’ de alguma forma se refere às coisas ‘mais altas’, à ‘espiritualidade’, e, como esses termos, também é uma palavra vaga, sem conteúdo. Pertence à família de outras noções amorfas como ‘gênio’, ‘personalidade’, ‘intelectual’, ‘criatividade’, todas inventadas com uma intenção nobre, embora falha, e têm sido, ao longo de dois séculos, inevitavelmente, como moedas que se desvalorizam com o tempo.
[...]

A ideia de ‘cultura’ formou-se como resposta ao aparecimento da sociedade comercial. Tanto que eu saiba, Kant foi o primeiro a usar a palavra no seu sentido moderno. (Claro, toda mudança importante na linguagem remonta a uma mudança profunda no pensamento.) Kant usa a palavra num contexto no qual discute a contribuição de Jean-Jacques Rousseau à articulação do problema humano. Os primeiros trabalhos de Rousseau, os discursos sobre Ciências e Artes e Origem da Desigualdade tinham, de acordo com Kant, revelado a verdadeira contradição que faz o homem incompleto e infeliz: a oposição entre natureza e civilização, as necessidades animais do homem e felicidade, de um lado, e seus deveres sociais e ciências e artes adquiridas, de outro.

Mas, ainda de acordo com Kant, Rousseau, nos seus trabalhos derradeiros, Emílio, Do Contrato Social e Nova Heloísa, propôs uma possível unidade que harmonizasse as baixas exigências naturais com as altas responsabilidades da moralidade e da arte. A esta unidade Kant chamou de ‘cultura’. Suas três Críticas eram uma tentativa de sistematizar a ‘cultura’. A primeira delineia os limites da natureza como revelada pela ciência, terreno da matéria móvel no qual toda causa é mecânica. A segunda estabelece a possibilidade de um terreno da liberdade no qual vontade e, portanto, responsabilidade são concebíveis. E a terceira encontra um terreno totalmente novo, o estético, no qual a imaginação pode jogar livremente, e os anseios do homem pela beleza e felicidade podem ter substância.

Juntas, as Críticas fornecem a base filosófica da ‘cultura’, e a vida por elas informada poderia ser realmente culta. Este sistema considera todas as possibilidades da alma em sua riqueza e profundidade. O anúncio de uma nova clareza sobre a verdadeira articulação do potencial humano prometia realizações de um nível anteriormente nunca atingido.

Fonte: Bloom, A. s/d [1990]. Gigantes e anões: Ensaios (1960-1990). SP, Best Seller.

21 dezembro 2020

Nada é tão ruim que não possa piorar: As taxas de crescimento seguem a escalar

Felipe A. P. L. Costa [*].

De acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados ontem (20) mais 25.445 casos e 408 mortes em todo o país. Teríamos chegado assim a um total de 7.238.600 casos e 186.764 mortes.

De modo semelhante ao que eu já havia dito na semana passada (ver artigo ‘O ‘V’ da pandemia: País ladeira abaixo, estatísticas ladeira acima’), as taxas de crescimento (casos e mortes) estão a escalar [1].

Péssima e preocupante notícia.

É uma péssima e preocupante notícia [2].

É péssima porque significa que os números de casos e mortes não só estão a crescer, como estão a crescer cada vez mais depressa.

Mais famílias irão sofrer. E o sofrimento se estenderá por um período de tempo ainda maior.

Não era para ser assim. Não tinha de ser assim.

Nada do que está a ocorrer é castigo ou fruto de ira divina. O sujeito que apregoa uma tolice dessas, na esperança de arrebanhar mentes e corações (e deles extrair uns trocados), deveria ser processado. Ou deveria ser encaminhado para uma instituição psiquiátrica.

Mas é também uma notícia preocupante. Afinal, com raras e honrosas exceções, os governantes (e não estou aqui pensando apenas no poder executivo) estão a fugir do problema. A motivação para isso é a de sempre: incompetência ou oportunismo.

Em meio a problemas e demandas conflitantes, muitos governantes não querem se comprometer. Preferem embromar. É compreensível. Afinal, muitos deles governam pensando apenas em sua base eleitoral. Ou nos donos do mercado. Poucos governam pensando na maioria da população ou na sociedade como um todo.

Os governantes têm sangue nas mãos.

Fato é que os governantes têm sangue nas mãos. A começar pelo presidente da República. Basta dizer o seguinte: tivesse o Palácio do Planalto adotado uma posição menos medrosa e menos oportunista, as estatísticas brasileiras estariam em patamares bem inferiores (ver o artigo Como e por que a maior parte da tragédia brasileira poderia ser evitada).

O desgoverno, no entanto, não se restringe à esfera federal. Não são poucos os governadores e prefeitos que devem ser responsabilizados pelas decisões equivocadas e criminosas que tomaram ou estão a tomar. Veja o açougue em que se transformou o estado do Amazonas e, mais recentemente, o do Rio de Janeiro. E a areia movediça que assola o Paraná e Santa Catarina. Veja a gaiatice eleitoreira que tomou conta do estado de São Paulo.

O governador de São Paulo, aliás, parece contar com uma dose extra de benevolência por parte da imprensa. Arrisco dizer que dois fatores ajudariam a explicar isso: (1) o sujeito está sentado sobre o segundo maior cofre do país (e a imprensa tende a bajular os donos de cofres); e (2) vários setores da elite, ao que parece, passaram a ver o Palácio dos Bandeirantes como um contraponto ao Palácio do Planalto – i.e., como uma porta de saída capaz de livrá-las do incêndio que se aproxima.

(Parcelas crescentes da população trabalhadora brasileira viram a sua vida piorar a partir do golpe de 2016. Mais recentemente, parcelas da elite econômica também passaram a acumular perdas, ainda que de modo bem menos dramático. Pois é essa turma que agora estaria a apostar as suas fichas em novos atores políticos.)

Coda.

Mas voltemos ao fio da meada e vejamos os números.

Não sei bem o que houve (embora tenha os meus palpites), mas o fato é que da primeira quinzena de novembro para cá, as médias semanais das taxas de crescimento mudaram de rumo (ver a figura que acompanha este artigo). Estávamos declinando, agora estamos escalando.

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FIGURA. O ‘V’ da pandemia. A figura que acompanha este artigo ilustra o comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6 e 20/12. (Valores acima de 2% não são mostrados.) Note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo a partir do início de novembro.

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Para a semana encerrada ontem (14-20/12), as médias semanais estão agora em 0,68% (casos) e 0,42% (mortes) [3].

Com esses percentuais, chegaremos ao dia de Natal com números superiores aos que eu havia previsto em artigo anterior (ver aqui).

E mais: no ritmo atual, chegaremos ao último dia do ano com números ainda mais assombrosos. Até 31/12, o país irá contabilizar ao menos 7.801.101 casos e 195.512 mortes.

É como diz o ditado: nada é tão ruim que não possa piorar. (Esta talvez seja a lição que brasileiros e estadunidenses estão a dar ao mundo nesta pandemia. Com a diferença de que, por lá, o circo já está a ser desmontado; e aqui parece que não...)

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Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Para detalhes metodológicos, ver qualquer um dos quatro volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui e aqui).

[2] Da qual a imprensa brasileira só se dará conta amanha (22), quando e se o Imperial College de Londres (Inglaterra) vier a soltar um novo boletim sobre a situação brasileira.

[3] Entre 25/10 e 20/12, as médias semanais exibiram as seguintes trajetórias: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12) e 0,68% (14-20/12); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12) e 0,42% (14-20/12).

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19 dezembro 2020

O ministro da patinação


Henry Raeburn (1756-1823). The skating minister [The reverend Robert Walker skating on Duddingston Loch]. 1784.

Fonte da foto: Wikipedia.

17 dezembro 2020

Nós, os mamíferos. III. Caracterização e classificação

Felipe A. P. L. Costa [*]

1. O que é um mamífero?

Somos mamíferos e, de um jeito ou outro, todos nós temos uma noção mais ou menos intuitiva a respeito do que isto significa.

Em termos mais rigorosos, porém, os mamíferos podem ser caracterizados pela presença dos seguintes traços fenotípicos:

(1) Corpo coberto com pelos; pele com muitas glândulas;

(2) Dois pares de extremidades, o posterior às vezes ausente; cada extremidade dotada de até cinco artelhos, cada um deles terminando em garra, casco córneo ou unha;

(3) Olhos com pálpebras móveis; orelhas carnudas; boca com dentes alveolares; arcada dentária variável, com dentes especializados em diferentes funções;

(4) Esqueleto todo ósseo; coluna vertebral com cinco regiões bem definidas (cervical, torácica, lombar, sacral e caudal);

(5) Coração com quatro câmeras (dois átrios e dois ventrículos); glóbulos vermelhos anucleados, em geral em forma de disco bicôncavo;

(6) Trocas gasosas realizadas no interior de pulmões; o palato secundário separa a passagem do ar da do alimento, permitindo que o animal respire enquanto se alimenta;

(7) Excreção por meio de rins; ureia é o principal produto de excreção de compostos nitrogenados;

(8) Presença de um encéfalo bem desenvolvido, especialmente o neocórtex; memória e capacidade de aprendizagem são bem desenvolvidas; e

(9) Fecundação interna; quase todos vivíparos; desenvolvimento direto; na maioria das espécies, a interface mãe/embrião é mediada por uma placenta; os filhotes, depois que nascem, são alimentados com uma secreção (leite) produzida pela mãe – ver artigo Nós os mamíferos. I. A mama masculina é um penduricalho ou uma adaptação?

2. Os mamíferos viventes.

São conhecidas 5.631 espécies viventes de mamíferos. Essas espécies estão reunidas na classe Mammalia, a qual se subdivide em 29 ordens e 155 famílias.

Esse arranjo, no entanto, é bastante desigual, visto que as diversas ordens e as diversas famílias diferem muito entre si no número de espécies que abrigam.

As cinco maiores ordens (Rodentia, 2.337 espécies; Chiroptera, 1.171; Soricomorpha, 428; Primates, 396; e Artiodactyla, 381), por exemplo, abrigam juntas 4.713 espécies, o que corresponderia a 84% de todas as espécies da classe.

Por sua vez, 11 das demais 24 ordens abrigam entre 1 e 10 espécies, sendo que duas delas (Microbiotheria e Tubulidentata) abrigam uma única espécie. Juntas, estas 11 ordens somam 48 espécies, o que corresponderia a menos de 1% (0,85%) de todas as espécies da classe.

3. As linhagens de mamíferos.

A história evolutiva dos mamíferos é bem documentada, graças principalmente à abundância de dentes fósseis. O registro fóssil tem permitido a reconstrução da história evolutiva do grupo desde os seus ancestrais amniotas até os primeiros mamíferos endotérmicos e cobertos de pelos, passando pelos ancestrais intermediários, ainda ectotérmicos e desprovidos de pelos.

Os primeiros mamíferos surgiram há uns 220-230 milhões de anos, a partir de uma linhagem ancestral de répteis (há muito extintos), os terapsídeos. A ampla irradiação evolutiva do grupo, no entanto, só ocorreria quase 100 milhões de anos mais tarde.

Logo no início de sua história, o ramo que resultaria no surgimento de todos os mamíferos se dividiu em duas linhagens: os prototérios (mamíferos ovíparos) e os térios (vivíparos). Estes últimos, entre 160 e 175 milhões de anos atrás, se subdividiram em duas novas linhagens, a dos marsupiais e a dos mamíferos placentários.

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Nota.

[*] Para ler o restante deste artigo, incluindo notas e referências bibliográficas, clique aqui. Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

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15 dezembro 2020

Tragédia brasileira

Manuel Bandeira

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,

Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e o dentes em petição de miséria.

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.

Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.

Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.

Viveram três anos assim.

Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.

Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...

Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema publicado em livro em 1936.

13 dezembro 2020

Invenção

Jofre Rocha

Inventei-te
qual miragem nascida
em horizonte de sonho

teu corpo modelei-o
linha a linha
curva a curva
mulher do futuro em tempo presente

Fonte: Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza. Poema publicado em livro em 1988. ‘Jofre Rocha’ é pseudônimo literário de Roberto António Victor Francisco de Almeida.

12 dezembro 2020

14 anos e dois meses no ar

F. Ponce de León

Neste sábado, 12/12, o Poesia contra a guerra completa 14 anos e dois meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘14 anos e um mês no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Ada Negri, Alan Viggiano, Angelus Silesius, Fernando Dias de Ávila-Pires, Gideon Sjoberg, José Albertino Rafael, Morse Peckham e Siegfried Wiechowski. Além de outros que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Francesco Guardi, Giambattista Tiepolo e Rosalba Carriera.

11 dezembro 2020

Darwinismo e darwinisticismo

Morse Peckham

Pode-se considerar a evolução como teoria metafísica razoavelmente direta, com uma longa história que mais foi dificultada que confirmada pela teoria da seleção natural. A diferença entre as duas é indicada pelo fato de o próprio Darwin não usar a palavra até a quinta edição de Origem (1869), e parece tê-la usado com alguma hesitação, quase como se não soubesse bem a respeito do que estava falando.

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Nacional & Edusp. Trecho de artigo publicado em 1959.

09 dezembro 2020

Santo em êxtase


Francesco [Lazzaro] Guardi (1712-1793). Santo in estasi. 1740.

Fonte da foto: Wikipedia.

07 dezembro 2020

As estatísticas até o Natal serão ainda piores do que previsto anteriormente

Felipe A. P. L. Costa [*]

RESUMO. Este artigo retifica as projeções que fiz em artigo anterior (aqui). Até o Natal, o país irá contabilizar ao menos 7.455.759 casos e 188.590 mortes. A situação segue piorando – i.e., as taxas de crescimento nos números de casos e de mortes seguem a escalar. Mas a imprensa brasileira, a manter o seu comportamento habitual, só deverá noticiar o problema na próxima terça-feira (8), quando chegarem os alertas vindos de fora.

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O Ministério da Saúde acaba de divulgar as estatísticas deste domingo (6/12): 26.363 novos casos e 313 mortes. Teríamos assim chegado a um total de 6.603.540 casos e 176.941 mortes.

As taxas de crescimento (casos e mortes) seguem a escalar [1].

É uma péssima notícia [2].

Para a semana encerrada hoje (30/11-6/12), as médias semanais estão agora em 0,64% (casos) e 0,34% (mortes) [3].

As projeções que apresentei em artigo anterior (ver Até o Natal, o país irá contabilizar ao menos mais 16 mil mortes, 4 mil delas no estado de São Paulo) ficaram defasadas. Pois foram feitas com base em médias bem inferiores (0,43% e 0,3%, respectivamente).

Levando em conta as médias da semana encerrada hoje, os números esperados para 25 de dezembro serão ainda piores. Até lá, caso nada seja feito para reverter a situação, o país irá contabilizar ao menos 7.455.759 casos (e não os 7.009.027 previstos anteriormente) e 188.590 mortes (e não as 186.662 previstas anteriormente).

*

Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Para detalhes metodológicos, ver qualquer um dos quatro volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui e aqui).

[2] Da qual a imprensa brasileira só se dará conta na próxima terça-feira (8/12), quando e se o Imperial College de Londres (Inglaterra) vier a soltar um novo boletim sobre a situação brasileira (i.e., sobre o comportamento de R0 – lê-se “erre zero”).

[3] Entre 25/10 e 6/12, as médias semanais exibiram as seguintes trajetórias: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11) e 0,64% (30-6/12); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11) e 0,34% (30-6/12).

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05 dezembro 2020

Em oito dias desceu mais um corpo


Em oito dias desceu mais um corpo
à terra, este já quieto de memórias
e ferindo a nossa sujeição a uma lógica.
Não previ em seus olhos alegria
mas a acusação de factos mínimos
no quotidiano da casa partilhada
tinha eu doze anos. Agora que as madeiras
rangem nas cordas recordo a injustiça
possível que as palavras não podem
reparar. A avó morreu, já muito vivera,
digo aos mais novos a pé no cemitério.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1989.

03 dezembro 2020

Até o Natal, o país irá contabilizar ao menos mais 16 mil mortes, 4 mil delas no estado de São Paulo

Felipe A. P. L. Costa [*].

Em artigo anterior (ver No ritmo atual, o país irá contabilizar ao menos 5,9 milhões de casos e 166 mil mortes até o fim de novembro), publicado no Jornal GGN, em 26/10, apresentei duas projeções para as estatísticas da pandemia em todo o país até o último domingo de novembro.

Estamos nos aproximando do fim do mês e, lamentavelmente, as estatísticas divulgadas pelo governo federal – em meio a um aparente festival de trapalhadas, erros e manipulações – estão a se alinhar com uma das projeções (a pessimista) que apresentei 1 mês atrás: 6.263.273 casos e 174.324 mortes até 29/11.

Para obter tais números, presumi que as médias semanais das taxas de crescimento (casos e mortes) [1] permaneceriam estagnadas no patamar em que estavam, em 0,43% e 0,3%, respectivamente. Lembrando que estes percentuais correspondem aos valores médios para a última semana de outubro (19-25/10), a semana imediatamente anterior ao da publicação do referido artigo (ver aqui).

Nada é tão ruim que não possa piorar.

Ontem (25/11), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados mais 47.898 casos e 654 mortes em todo o país. Teríamos chegado assim a um total de 6.166.606 casos e 170.769 mortes.

Presumindo que as médias semanais das taxas de crescimento permaneçam estagnadas em torno de 0,43% (casos) e 0,3% (mortes) [2], os números esperados para o dia de Natal seriam os seguintes: 7.009.027 casos e 186.662 mortes.

Até 25/12, portanto, seriam esperados em todo o país mais 842.421 casos e 15.892 mortes. (Só no estado de São Paulo, por exemplo, seriam mais 168.190 casos e 3.919 mortes.) [3]

Eis aí os frutos mais recentes de um matrimônio festejado por governantes incompetentes e empresários malandros. (Frutos estes, evidentemente, temperados pelo comportamento desleixado de muitos brasileiros.)

*

Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Para detalhes metodológicos, ver qualquer um dos três volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui e aqui).

[2] Entre 25/10 e 22/11, as médias semanais exibiram as seguintes trajetórias: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11) e 0,5% (16-22/11); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11) e 0,29% (16-22/11).

[3] Em 25/10, 20% dos casos e 25% das mortes registrados no país estavam concentrados no estado de São Paulo.

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01 dezembro 2020

Nel paese di mia madre

Ada Negri

Nel paese di mia madre v’è un campo quadrato, cinto di gelsi.
Di là da quel campo altri campi quadrati, cinti di gelsi.
Roggie scorrenti vi sono, fra alti argini, dritte, e non si sa dove vanno a finire.
La terra s’allarga a misura del cielo, e non si sa dove vada a finire.

Nel paese di mia madre v’han ponti di nebbia, che il vento solleva da placidi fiumi:
varca il sogno quei ponti di nebbia, mentre le rive si stellan di lumi.
Pioppi e betulle di tremula fronda accompagnan de l’acque il fluire:
quando nè rami s’impigliano gli astri, in quella pace vorrei morire.

Nel paese di mia madre un basso tugurio sonnecchia sul limite della risaia,
e ronzano mosche lucenti, ghiotte, intorno a un ammasso di concio.
Possanza di morte, possanza di vita, nell’odore del concio: ne gode
la terra dall’humus profondo, sotto la vampa d’agosto che immobile sta.

Nel paese di mia madre, quando il tramonto s’insaguina obliquio sui prati,
vien da presso, vien da lontano una canzone di lunga via:
la disser gli alari alle cune, gli aratri alle marre, le biche all’aie fiorite di lucciole,
vecchia canzone di gente lombarda: “La Violetta la vaaa la vaaaa...”

Fonte (v. 13): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 4. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro em 1925.

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