30 novembro 2023

Leningrado

Osip Mandelstam

Eis-me de volta à minha cidade. São estas as minhas velhas lágrimas,
minhas pequenas veias, as glândulas inchadas da infância.

Então estás de volta. Clara amplidão. Aspira
o óleo de peixe das lâmpadas ribeirinhas de Leningrado.

Abre os olhos. Conheces esse dia de dezembro,
gema de ovo com o breu terrível batido em si?

Petersburgo! Não quero morrer ainda!
tens o número de meu telefone.

Petersburgo! Guardo ainda os endereços;
posso consultar a vozes desaparecidas.

Vivo clandestinamente e o sino,
que arranca os nervos e todo o resto, reboa em minhas têmporas.

Espero até amanhã por convidados que amo
e faço retinir as correntes da porta.

Fonte: Berman, M. 1986. Tudo que é sólido desmancha no ar. SP, Companhia das Letras. Poema datado de 1930.

28 novembro 2023

O elogio da árvore

Vergílio Alberto Vieira
A R. M. R.

Eles cintilam os anjos
Para morrer contra a folhagem dúbia
A luz suportam Então esfriam
Sortílega força
Cerca na fronte a estrela do desastre
Sob incidência fixam na água
O surto das imagens
A espada austera O brilho
Dessa existência finitas sombras são
Assim chorado Linos
Soube pela morte o que é ser
Da solidão

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1990.

27 novembro 2023

Hemicordados

Roberto Munehisa Shimizu

Os hemicordados são animais exclusivamente marinhos, encontrados desde a região litorânea até os fundos oceânicos. Os adultos são bentônicos, sendo que as formas solitárias (classe Enteropneusta) vivem em galerias escavadas no sedimento, em espaços sob pedra, entre talos de algas, ou ainda, sobre o substrato, no caso de espécies de profundezas. As espécies coloniais ou gregárias (classe Pterobranchia) habitam tubos de material secretado pelos zooides, aderidas a superfícies consolidadas.

Fonte: Shimizu, R. M. 2016. In: Fransozo, A. & Negreiros-Fransozo, M. L., orgs. Zoologia dos invertebrados. RJ, Roca.

25 novembro 2023

Matemáticas e experiências

Juan Carlos García Borrón

A distinção entre matemáticas e ciências empíricas (‘de factos’, ou ‘reais’), a distinção entre os seus objectos (qualquer que seja a interpretação que a estes se dê), os seus métodos e os seus critérios de verdade constituem hoje um lugar comum. Verdadeiro quer dizer, em matemática, ‘de acordo com os axiomas’, integrado num sistema dedutivo coerente; nas ciências empíricas, ‘de acordo com os factos’. [...]

Borrón, J. C. G. 1988 [1987]. A filosofia e as ciências. Lisboa, Teorema.

23 novembro 2023

A casa cor de rosa


João Timóteo da Costa (1879-1932). A casa cor de rosa. 1921.

Fonte da foto: Wikipedia.

21 novembro 2023

O transporte urbano

John W. Dyckman

Os problemas de transporte urbano não são fenômenos [oriundos do] mundo moderno. No século I AD, o Governo municipal de Roma foi forçado a aliviar o congestionamento de suas vias restringindo o tráfego de veículos (com exceção dos veículos do Estado) a um horário noturno. Roma era então a única verdadeiramente ‘grande’ cidade do mundo ocidental; e por muitos séculos seu problema de transportes foi a exceção e não a regra. Foi apenas quando o processo de industrialização já ia adiantado no século XIX que o tráfego de veículos começou a apresentar um problema sério para as cidades. Atualmente, as descrições das condições de transporte nas cidades expressam o alarme do observador com palavras como ‘sufocação’ e ‘estrangulamento’. Não apenas existem atualmente mais cidades grandes; algumas delas estão tendendo a consolidar-se em uma gigantesca malha megalopolitana com problemas muito mais complexos dos que as dificuldades comparativamente pequenas enfrentadas pelos romanos.

Fonte: Dyckman, J. W. 1977 [1967]. In: Vários. Cidades: A urbanização da humanidade. RJ, Zahar.

19 novembro 2023

The platform of the deep ecology movement: A formulation

Arne Naess

1. “The flourishing of human and nonhuman life on Earth has inherent value. The value of nonhuman life forms is independent of the usefulness of the nonhuman world for human purposes.” The great majority indicated their agreement.

2. “Abundance and diversity of life forms are values in themselves and contribute to the flourishing of human and nonhuman life on Earth.” The great majority agree.

3. “Humans have no right to reduce this abundance and diversity except to satisfy vital needs.” The great majority tend to agree. Many comment on the term “vital”.

4. “The flourishing of human life and cultures is compatible with a substantially decrease in the human population, and the flourishing of nonhuman life requires such a decrease. The great majority agree.

5. “Present human interference with the nonhuman world is excessive, and the situation is rapidly worsening.” The great majority agree.

6. “Policies must therefore be changed. These changes in policies affect basic economic, technological, and ideological structures. The resulting state of affairs would be deeply different from the present and would make possible a more joyful experience of the connectedness of all things.” The great majority tend to agree. Some find the last sentence rhetorical and doubtful.

7. “The ideological change is mainly that of appreciating life quality rather than adhering to an increasingly higher standard of living. There will be a profound awareness of the difference between big and great.” The great majority tend to agree.

8. “Those who subscribe to the foregoing points have an obligation, directly or indirectly, to participate in the attempt to implement the necessary changes.” The great majority agree.

Fonte: Naess, A. 1986. In: Soulé, ME, org. Conservation biology. Sunderland, Sinauer.

17 novembro 2023

On death

Michael Casey

school children walk by
some stare
some keep walking
some adults stare too
with handkerchiefs
over their nose
a woman
sits on the pavement
beside
wails
and pounds her fists
on pavement
flies all over
it like made of wax
no jaw
intestines poured
out of the stomach
the penis in the air
it won’t matter then to me but now
I don’t want in death to be a
public obscenity like this

Fonte (v. 13-21; em port.): Lifton, RJ. 1989 [1987]. O futuro da imortalidade. SP, Trajetória Cultural. Poema publicado em livro em 1972.

15 novembro 2023

Fuja do equilíbrio! – Uma dica contraintuitiva para combater o desconforto térmico


Felipe A P L Costa [*].

A temperatura média do planeta – historicamente em torno dos 15 ºC – está a escalar. Em 2022, por exemplo, a média anual bateu na casa dos 16 ºC, o valor mais alto já registrado desde que se começou a falar seriamente em séries históricas e em médias mundiais (ainda no século 19). Em 2023, a tendência de alta prossegue – já foram registrados picos superiores aos 17 ºC. Ainda que fique abaixo dos 17 ºC, a média de 2023 deverá ficar acima da de 2022.

Médias anuais de temperatura e pluviosidade são elementos que caracterizam o clima de um lugar, de um país ou de todo o planeta. Quando falamos em médias anuais de temperatura ou pluviosidade, estamos a abraçar um ponto de vista climatológico da crise climática. Há ainda o ponto de vista meteorológico. E é aí que entram as chuvas de verão mais intensas, as secas de inverno mais prolongadas e o calor extremo fora de época. Como a onda de calor que muitos brasileiros estão a enfrentar desde o último fim de semana (11-12/11).

TRIVIAL E EFETIVO, MAS POUCO USADO.

No que segue, apresento e discuto uma sugestão que visa combater o desconforto térmico dentro de casa. Embora o procedimento sugerido seja efetivo, gratuito e absurdamente trivial, trata-se de um procedimento pouco ou nada utilizado pelos brasileiros. Vamos lá...

Minha sugestão prática consta tão somente do seguinte: Mantenha as janelas de casa fechadas. Evite que a luz solar (direta ou indireta) penetre no interior da sua casa, sobretudo nas horas mais quentes do dia. (É uma ideia contraintuitiva, o que ajuda a explicar o fato de o procedimento não ser adotado por tanta gente [1].)

LUZ É CALOR.

Qual seria o objetivo dessa medida? O propósito último é tão somente sombrear o interior da casa.

E por que seria importante sombrear o interior das casas? Para responder a esta pergunta, devemos recorrer a alguns capítulos dos manuais de física do ensino médio.

Para os propósitos deste artigo, bastaria saber que (i) luz e calor são tipos de energia; (ii) luz transmite calor; e (iii) a transferência de calor entre dois (ou mais) corpos pode se dar por mais de uma via, mas sempre se dá no mesmo sentido, a saber: do corpo mais quente (com maior quantidade de calor) para o corpo mais frio (com menos calor); disso resulta um estado de equilíbrio (quando todos os corpos envolvidos atingem a mesma temperatura).

Reduzir a entrada de luz em uma casa significaria, portanto, reduzir a entrada de calor. (A diferença de temperatura, a depender de as janelas estarem abertas ou fechadas, é notável e é facilmente percebida pela pele humana. Na dúvida, porém, arranje um termômetro, faça medições e compare os resultados.)

JANELAS E CORTINAS.

As janelas das casas costumam ser opacas (janelas de madeira ou de metal) ou transparentes (janelas de vidro). No caso das de madeira, mantê-las fechadas já seria o suficiente. As janelas de metal, no entanto, absorvem (e transmitem) muita energia calorífica. Para os propósitos deste artigo, portanto, talvez fosse melhor tratá-las como se elas fossem transparentes.

No caso das janelas transparentes (ou semitransparentes), o que nos cabe fazer é bloquear a entrada de luz. Para tanto, podemos usar uma cortina de pano. (Tecidos de pano são maus condutores de calor, o que implica dizer que eles são bons isolantes térmicos.) O ideal é que o tecido seja claro, opaco e grosso.

CORTINAS FUNCIONAM O ANO INTEIRO.

Se o tecido é claro (creme ou bege, por exemplo), uma parcela significativa da luz que atravessa o vidro será prontamente refletida de volta. Na hipótese de que o tecido também seja opaco e grosso, outros fenômenos favoráveis (além da reflexão) serão intensificados. No cômputo final, uma cortina de tecido claro, opaco e grosso tende a funcionar bem porque (i) bloqueia a entrada de luz, e (ii) dificulta a transferência de calor de fora para dentro da casa.

A rigor, cortinas de pano protegem o ano inteiro: além de proteger contra o calor do verão (bloqueando a entrada de luz), elas também protegem contra o frio do inverno. Como? De modo parecido, mas agora freando um fluxo que se dá em sentido contrário – a perda de calor de dentro para fora de casa.

CODA.

A diferença de temperatura entre o interior e o exterior de uma casa varia de acordo com a época do ano e o turno do dia (Tab. 1). No verão, durante o dia, a temperatura é mais alta (ou muito mais alta) do lado de fora. No entanto, se as janelas são mantidas abertas – uma medida que normalmente é tomada na ilusão de que se vai conseguir “refrescar o interior da casa” (tolice ainda maior seria abrir a janela e ligar o ventilador [2]) –, a transferência de calor de fora para dentro é acelerada.

Com as janelas escancaradas para ‘refrescar’, o que de fato ocorre é que a temperatura do interior da casa se aproxima muito da temperatura do lado de fora – isto é, dentro e fora de casa, as temperaturas ficam igualmente elevadas. Desse modo, se as janelas são mantidas abertas, a diferença (+/–) que vemos na Tab. 1 (retângulo vermelho) tende a se aproximar do equilíbrio (+/+).

Em termos puramente físicos, sombrear o interior de uma casa (melhorando assim o conforto térmico de quem está lá dentro) é tão somente um modo de impedir que seja alcançado o equilíbrio térmico entre o interior e o exterior. Em suma, para evitar o desconforto em dias de calor extremo, devemos permanecer na sombra, devemos fugir do equilíbrio.

*

NOTAS.

[*] Sobre a aquisição dos livros do autor, ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para conhecer outros artigos e obter amostras dos livros, ver aqui.

[1] Para um artigo anterior contendo uma dica de culinária que também contraria o senso comum, ver Receita do Fogo Fantasma.

[2] O resultado prático dessa combinação indigesta pode ser perigoso e costuma resultar em problemas respiratórios. Eu mesmo, na única vez que dormi com um ventilador ligado perto de mim (Recife, verão de 1978), acordei me sentindo muito mal e terminei adoecendo.

* * *

13 novembro 2023

Sabará


Hipólito [Boaventura] Caron (1862-1892). Paisagem de Sabará. 1891.

Fonte da foto: Wikipedia.

12 novembro 2023

17 anos e um mês no ar

F. Ponce de León

Neste domingo, 12/11, o Poesia Contra a Guerra completa 17 anos e um mês no ar.

Desde o balanço anterior – ‘Aniversário de 17 anos’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Herbert Otto Roger Shubart, Joseph Haberer, Nirmal Kumar Bose, Robert Wallace e William Cullen Bryant. Além de material de autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes artistas: Domingo Garcia y Vásquez, João Batista Castagneto e Thomas Georg Driendl.

10 novembro 2023

As coisas já sabem de ti?

Poh Pih Chin

As paredes dos edifícios –
tão altos –,
as ruas e o trânsito,
árvores e telhados.

Tudo o que vejo e
o que viste.
As coisas já sabem de ti?
E guardarão teu nome?

E reverenciarão até o fim
a tua memória?
E saberão enfim alegrar
os teus olhos?

08 novembro 2023

Com +4 mil crianças mortas em Gaza, a emissora do ‘Criança Esperança’ defende ataques a ambulâncias

Felipe A P L Costa [*].

Um.

O sionismo é uma ideologia inerentemente racista e beligerante. E cínica, profundamente cínica [1]. Razão pela qual há quem diga, após 75 anos de pilhagens e beligerância [2], que o sionismo tem vaga assegurada na lista de atrocidades promovidas pelos estados modernos ao longo dos últimos cinco séculos.

Dois.

Veja o que se passa na Faixa de Gaza. Considere seriamente o que o estado de Israel está a fazer neste momento contra a população palestina. Nas últimas quatro semanas, os achaques, as torturas e os assassinatos corriqueiros ganharam escala industrial [3]. Os crimes, claro, são autorizados pelo governo. Os soldados são obedientes e a barbárie está a varrer a Faixa de Gaza. Os civis não têm para onde fugir; não têm onde se esconder, a não ser, talvez, no subsolo, ao lado de Dostoiévski [4].

Três.

A julgar apenas pelo discurso do governo israelense, o que está em curso seria tão somente o direito de defesa – leia-se: uma resposta legítima aos ataques promovidos pelo Hamas, em 7/10 [5]. Na prática, porém, a história não é bem essa. A rigor, o Hamas não parece ser o alvo. Para ficar apenas no plano material, basta ver que os ataques estão a destruir toda a infraestrutura de Gaza, incluindo os hospitais [6]. Neste último caso, aliás, a justificativa dada é uma lorota velha e das mais cínicas: os hospitais bombardeados estavam a ser usados como abrigo por grupos terroristas.

Quatro.

Um parêntesis. Mesmo se houvesse interesse, a grande imprensa brasileira não tem cacife suficiente para cobrir de perto e de modo independente o que se passa em qualquer conflito militar mundo afora. Razão pela qual os apresentadores dos noticiários se veem com frequência em uma saia justa: ler textos fantasiosos, criados a partir de informes vindos de longe, notadamente o material de propaganda que é rotineiramente distribuído pelas forças militares envolvidas em combates. Assim, no que diz respeito ao noticiário de guerra, em vez de notícias sérias e fidedignas, a imprensa brasileira costuma reproduzir tão somente fantasias e propaganda.

Cinco.

No caso da ‘Guerra da Ucrânia’, por exemplo, o tipo de informe reproduzido nos programas noticiosos (e.g., Jornal Nacional e congêneres) visava, sobretudo, lustrar o país invadido e embaçar o país invasor. Já no caso da ‘Guerra de Gaza’, o tom se inverteu. O propósito agora é lustrar o país invasor e detratar o lugar invadido.

Foi um giro de 180 graus, quase que do dia para a noite. Mas nada que leve à perda de audiência. Afinal, os profissionais que gerenciam os departamentos de jornalismo estão bastante familiarizados com as técnicas mais modernas de propaganda e marketing. Manipular e controlar são especialidades desse pessoal. Resultado: em dois ou três dias, boa parte da audiência é convencida de que os habitantes de Gaza não são humanos. As convenções de Genebra, portanto, não se aplicam a essa gentalha.

Seis.

“Vamos acabar logo com esses animais” – frases desse tipo, ditas à luz do dia por integrantes ou ex-integrantes do governo israelense, ecoam na nossa imprensa. Em vez de crítica e repulsa, no entanto, toda e qualquer declaração oriunda de autoridades israelenses, por mais absurda que seja (e quase todas são absurdas), tem sido acolhida, inclusive por parte de profissionais da imprensa. Dias atrás, por exemplo, um veterano jornalista da Rede Globo cometeu um crime no ar (ver aqui). E não parece que tenha sido repreendido ou sequer advertido pelos colegas. (Alguém talvez o repreendesse se ele tivesse dito alguma trivialidade sobre gênero ou cor de pele.) Reincidente em falas criminosas, o sujeito dessa vez defendeu que Israel poderia bombardear até mesmo as ambulâncias palestinas. Para tanto, evocou o direito (sagrado?) de defesa do estado sionista.

Isso sim é esgoto a céu aberto.

Sete.

Antes de encerrar, gostaria de ilustrar o grau de cinismo da nossa mídia com dois casos bem curiosos.

Primeiro. Em 2017, por uma fala bem menos grave (dita em off), o jornalista William Waack (CNN), então no comando do Jornal da Globo, foi mandado embora da emissora (ver aqui).

Segundo. A empresa de comunicação que ora defende a tese racista e criminosa de que Israel tem todo o direito de bombardear palestinos, mesmo quando os palestinos estão no interior de ambulâncias, é a mesma que promove anualmente a campanha Criança Esperança [7].

Tem alguma coisa errada aí: a campanha, a emissora ou as falas que defendem a morte, inclusive de crianças.

*

NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Sionismo, semitismo e antissemitismo são coisas muito diferentes – para uma caracterização, ver o artigo anterior.

[2] Lembrando que o estado de Israel foi estabelecido em 1948.

[3] O xis da questão aqui é: Quantos palestinos já foram mortos pelo exército israelense desde o dia 7 de outubro? Vejamos algumas estatísticas. Em 23/10, 16 dias após o início dos ataques de Israel, o número de cidadãos palestinos mortos já era superior aos cinco mil (5.087, para ser mais preciso). 62% dessas vítimas eram mulheres ou crianças pequenas (ver aqui). Ontem, 5/11, o número de palestinos mortos pelo exército israelense já estava em 9.770, 4.008 dos quais (41% do total) eram crianças pequenas (meninos e meninas) (ver aqui). As notícias de hoje, 6/11, dão conta de que o número de palestinos mortos pelo exército israelense é superior a 9 mil (aqui) e talvez já tenha ultrapassado a barreira dos 10 mil (aqui).

[4] Estou a pensar no escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), autor de Memórias do subsolo (1864).

[5] Os ataques de militantes do Hamas em território israelense teriam resultado em ~1.350 israelenses mortos (ver aqui), incluindo militares, colonos armados e civis desarmados.

[6] As convenções (I-IV) de Genebra (1949) são tratados internacionais que visam limitar as barbáries da guerra. Os termos desses acordos protegem, entre outras coisas, quem não participa (e.g., civis e equipes de saúde) ou quem deixou de participar (e.g., feridos e prisioneiros) dos embates (ver aqui). Ataques a instalações hospitalares, por exemplo, são classificados como crimes de guerra.

[7] A lista de crimes tolerados ou promovidos pela empresa parece não ter fim: tortura, assassinatos, jogo do bicho, tráfico de cocaína, prostituição, plágio, assédio (moral, sexual), sonegação, evasão fiscal, ocupação de APP, desflorestamento, golpe de estado etc. Sobre a campanha Criança Esperança. Dizem as boas línguas que a Unicef interrompeu a parceira com a Globo (1986-2003) por conta do mau cheiro. Desde 2004, a parceira é com a Unesco (ver aqui).

* * *

06 novembro 2023

Segunda canção do peregrino

Guilherme de Almeida

Vencido, exausto, quase morto,
cortei um galho do teu horto
e dele fiz o meu bordão.

Foi minha vista e foi meu tato:
constantemente foi o pacto
que fez comigo a escuridão.

Pois nem fantasmas, nem torrentes,
nem salteadores, nem serpentes
prevaleceram no meu chão.

Somente os homens que me viam
passar sozinho, riam, riam,
riam, não sei por que razão.

Mas, certa vez, parei um pouco,
e ouvi gritar: “Aí vem o louco
que leva uma árvore na mão!”

E, erguendo o olhar, vi folhas, flores,
pássaros, frutos, luzes, cores...
Tinha florido o meu bordão.

Fonte (estrofe 3): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª ed. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em livro em 1947.

04 novembro 2023

A socialização da reprodução

Christopher Lasch

A socialização da reprodução completou o processo iniciado pela socialização da própria produção, isto é, pela industrialização. Depois de ter expropriado os trabalhadores de suas ferramentas e concentrado a produção na fábrica, os industriais, durante as primeiras décadas do século XX, passaram a expropriar também os conhecimentos técnicos do operário. Através da ‘direção científica’ parcelaram o processo de produção, atribuíram uma função específica a cada operário na linha de montagem e guardaram para si próprios o conhecimento do processo produtivo como um todo. A fim de administrar esse conhecimento, criaram um gigantesco aparato gerencial – um exército de engenheiros, técnicos, gerentes de pessoal e psicólogos do trabalho – retirados do mesmo grupo de especialistas técnicos que, ao mesmo tempo, supria as ‘profissões assistenciais’. O conhecimento converteu-se numa indústria em si mesmo, enquanto o operário, destituído do saber do ofício através do qual havia conservado o controle prático da produção mesmo depois da introdução do sistema de fábrica, mergulhou numa dependência passiva. [...] A socialização da produção – sob o controle da indústria privada – proletarizou a força de trabalho da mesma maneira que a socialização da reprodução proletarizou a paternidade, tornando as pessoas incapazes de prover suas próprias necessidades sem a supervisão de especialistas profissionais.

Fonte: Lasch, C. 1991 [1977]. Refúgio num mundo sem coração. RJ, Paz & Terra.

02 novembro 2023

Thanatopsis

William Cullen Bryant

  To him who in the love of nature holds
Communion with her visible forms, she speaks
A various language; for his gayer hours
She has a voice of gladness, and a smile
And eloquence of beauty, and she glides
Into his darker musings, with a mild
And healing sympathy, that steals away
Their sharpness, ere he is aware. When thoughts
Of the last bitter hour come like a blight
Over thy spirit, and sad images
Of the stern agony, and shroud, and pall,
And breathless darkness, and the narrow house,
Make thee to shudder, and grow sick at heart; –
Go forth, under the open sky, and list
To Nature’s teachings, while from all around –
Earth and her waters, and the depths of air, –
Comes a still voice – Yet a few days, and thee
The all-beholding sun shall see no more
In all his course; nor yet in the cold ground,
Where thy pale form was laid, with many tears,
Nor in the embrace of ocean, shall exist
Thy image. Earth, that nourished thee, shall claim
Thy growth, to be resolved to earth again,
And, lost each human trace, surrendering up
Thine individual being, shalt thou go
To mix forever with the elements,
To be a brother to the insensible rock
And to the sluggish clod, which the rude swain
Turns with his share, and treads upon. The oak
Shall send his roots abroad, and pierce thy mould.
Yet not to thine eternal resting-place
Shalt thou retire alone – nor couldst thou wish
Couch more magnificent. Thou shalt lie down
With patriarchs of the infant world – with kings,
The powerful of the earth – the wise, the good,
Fair forms, and hoary seers of ages past,
All in one mighty sepulchre. – The hills
Rock-ribbed and ancient as the sun, – the vales
Stretching in pensive quietness between;
The venerable woods – rivers that move
In majesty, and the complaining brooks
That make the meadows green; and, poured round all,
Old Ocean’s gray and melancholy waste, –
Are but the solemn decorations all
Of the great tomb of man. The golden sun,
The planets, all the infinite host of heaven,
Are shining on the sad abodes of death,
Through the still lapse of ages. All that tread
The globe are but a handful to the tribes
That slumber in its bosom. – Take the wings
Of morning – and the Barcan desert pierce,
Or lose thyself in the continuous woods
Where rolls the Oregon, and hears no sound,
Save his own dashings – yet – the dead are there;
And millions in those solitudes, since first
The flight of years began, have laid them down
In their last sleep – the dead reign there alone.
So shalt thou rest – and what if thou withdraw
Unheeded by the living – and no friend
Take note of thy departure? All that breathe
Will share thy destiny. The gay will laugh
When thou art gone, the solemn brood of care
Plod on, and each one as before will chase
His favorite phantom; yet all these shall leave
Their mirth and their employments, and shall come,
And make their bed with thee. As the long train
Of ages glide away, the sons of men,
The youth in life’s green spring, and he who goes
In the full strength of years, matron, and maid,
And the sweet babe, and the gray-headed man, –
Shall one by one be gathered to thy side,
By those, who in their turn shall follow them.

So live, that when thy summons comes to join
The innumerable caravan, that moves
To that mysterious realm, where each shall take
His chamber in the silent halls of death,
Thou go not, like the quarry-slave at night,
Scourged to his dungeon, but, sustained and soothed
By an unfaltering trust, approach thy grave,
Like one who wraps the drapery of his couch
About him, and lies down to pleasant dreams.

Fonte (nove derradeiros versos): Nuland, S. B. 1995. Como morremos. RJ, Rocco. Poema publicado em livro em 1817.

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