APRESENTAÇÃO. – O incesto, o aborto e o filicídio são fenômenos naturais. São também problemas que atormentam e assombram mentes e corações. Tormentos e assombros esses que costumam ser explorados por gente oportunista. São explorados também por organizações criminosas, sobretudo seitas obscurantistas e partidos políticos de extrema direita. Em todos esses casos, o tripé tolerar o incesto, criminalizar o aborto e ignorar o filicídio é benquisto, seja como ideário pessoal, seja como agenda política. Este artigo adota a premissa de que o incesto, o aborto e o filicídio são problemas graves e sensíveis, diante dos quais todo e qualquer observador deve manter uma postura séria e crítica. O artigo tem dois objetivos: (i) expor algumas conexões (efetivas ou suspeitas) entre os problemas abordados; e (ii) chamar a atenção para certas inconsistências ou incongruências argumentativas que povoam o debate público sobre o aborto, mesmo quando o debate conta com a participação de renomados especialistas (e.g., médicos, psicólogos, juristas e autoridades religiosas). Para fins de publicação, o artigo foi dividido em dois. Esta é a parte I. O filicídio, entendido como o ato de alguém matar os próprios filhos, será o tema da parte II.
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I. Eu sorvo o haxixe do estio... E evolve um cheiro, bestial, Ao solo quente, como o cio De um chacal.
Distensas, rebrilham sobre Um verdor, flamâncias de asa... Circula um vapor de cobre Os montes – de cinza e brasa.
Sombras de voz hei no ouvido – De amores ruivos, protervos – E anda no céu, sacudido, Um pó vibrante de nervos.
O mar faz medo... que espanca A redondez sensual Da praia, como uma anca De animal.
II. O Sol, de bárbaro, estangue, Olho, em volúpia de cisma, Por uma cor só do prisma, Veleiras, as naus – de sangue...
III. Tão longe levadas, pelas Mãos de fluido ou braços de ar! Cinge uma flora solar – Grandes Rainhas – as velas.
Onda por onda ébria, erguida, As ondas – povo do mar – Tremem, nest’hora a sangrar, Morrem – desejos da Vida!
IV. Nem ondas de sangue... e sangue Nem de uma nau – Morre a cisma. Doiram-me as faces do prisma Mulheres – flores – num mangue... Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep. Poema publicado em livro póstumo em 1971.
A primeira promessa da era atômica é que ela pode fazer com que alguns de nossos pesadelos se tornem realidade. A capacidade dolorosamente adquirida pelos homens comuns de discernir entre o sono, a ilusão, a alucinação e a realidade objetiva da vida, foi, pela primeira vez na história da humanidade, seriamente abalada. Fonte: Lifton, RJ. 1989 [1987]. O futuro da imortalidade. SP, Trajetória Cultural. Excerto de livro originalmente publicado em 1946.
Meu desejo? era ser a luva branca Que essa tua gentil mãozinha aperta: A camélia que murcha no teu seio, O anjo que por te ver do céu deserta...
Meu desejo? era ser o sapatinho Que teu mimoso pé no baile encerra... A esperança que sonhas no futuro, As saudades que tens aqui na terra...
Meu desejo? era ser o cortinado Que não conta os mistérios do teu leito; Era de teu colar de negra seda Ser a cruz com que dormes sobre o peito.
Meu desejo? era ser o teu espelho Que mais bela te vê quando deslaças Do baile as roupas de escomilha e flores E mira-te amoroso as nuas graças!
Meu desejo? era ser desse teu leito De cambraia o lençol, o travesseiro Com que velas o seio, onde repousas, Solto o cabelo, o rosto feiticeiro...
Meu desejo? era ser a voz da terra Que da estrela do céu ouvisse amor! Ser o amante que sonhas, que desejas Nas cismas encantadas de languor! Fonte: Azevedo, A. 2006. Lira dos vinte anos. SP, Martin Claret. Poema publicado em livro em 1853.
A poliploidia refere-se, de um modo geral, a todas as variações naturais ou induzidas no número de cromossomos. As variações surgem no número de genomas (conjuntos cromossômicos) e no número de cromossomos individuais, fenômenos comuns entre espécies vegetais e animais.
A evolução das plantas superiores deve muito ao aumento do número de cromossomos decorrentes da poliploidia, pois ela está espalhada entre musgos, samambaias e plantas superiores. Aproximadamente a metade das plantas cultivadas importantes é poliplóide; muitas destas são euplóides (tetraplóides, hexaplóides, etc.), possuindo número de cromossomso múltiplos do conjunto básico. Os novos poliplóides criados pelos geneticistas e melhoristas assumiram importância crescente na agricultura.
Em contraste com as plantas, nenhum dos animais comercialmente importantes são totalmente poliplóides, embora, esporadicamente, possam ser encontrados células e tecidos dessa natureza em todos os animais. Fonte: Azevedo, J. L. & Costa, S. O. P., orgs. 1973. Exercícios práticos de genética. SP, Nacional & Edusp.
O tempo nunca deve ser imaginado como preexistente em qualquer sentido; ele é uma quantidade inventada. Fonte: Davies, P. 1999. O enigma do tempo. RJ, Ediouro.
Na Amazônia, as terras tribais são importantes, pela extensão, qualidade ou localização. São numerosos os grupos tribais existentes na Amazônia; mais concentrados aqui, mais dispersos ali. Coletores, caçadores, agricultores, pescadores, sedentários, nômades. Espalham-se por muitas terras, matas, rios, igarapés. Vivem e trabalham a natureza como se ela fosse sua e dos seus deuses, nos seus trabalhos e dias. É verdade que alguns ou muitos grupos indígenas [se acham] em extinção; outros [se encontram] em contato permanente com a ‘comunhão nacional’ ou a ‘sociedade nacional’; outros, ainda, estão em contato intermitente com essa sociedade; e, outros, por fim, acham-se isolados, arredios ou hostis. Há índios que ainda guardam o seu modo de ser índio porque também guardam o seu modo de trabalhar a natureza; guardam o seu hábitat mais ou menos intacto, a seu modo. Mas a maioria já se acha em contato om a ‘comunhão’ ou ‘sociedade nacional’. Isto é, já se acha em um estágio preliminar, ou avançado, do processo de expropriação pelos ‘nacionais’, brasileiros e estrangeiros. A maioria está sendo expropriada da sua terra, força de trabalho, cultura. São muitos os índios que estão sendo proletarizados, acamponesados, lumpenizados ou pura e simplesmente dizimados. Em todos os casos, no entanto, o que está em causa é uma progressiva ou drástica expropriação das suas terras; do modo pelo qual trabalham a terra, as coisas, a sua existência e o próprio trabalho. Fonte: Ianni, O. 1979. Ditadura e agricultura. RJ, Civilização.
Sem pensar no que fazia, ele bebeu mais um gole de conhaque. Quando o líquido lhe tocou a língua lembrou-se da filha, entrando com a luz às suas costas: o rosto embirrado, triste, inteligente. Exclamou: “Meu Deus, ajude-a. Condene-me, eu mereço, mas deixe-a viver para sempre.” Este era o amor que deveria ter sentido por todas as criaturas do mundo: todo o amor e o desejo de salvar concentrados injustamente naquela única criança. Começou a chorar; era como se tivesse que observá-la da praia se afogando lentamente porque ele se esquecera como nadar. Pensou: Isto é o que eu deveria sentir todo o tempo por todo o mundo... Fonte: Wright, R. 1996 [1994]. O animal moral. RJ, Campus. Excerto de livro publicado em 1940.