A história da humanidade se confunde com a história das guerras. Deveríamos lutar para que se confundisse apenas com a história da literatura.
27 fevereiro 2009
Ciência e guerra
John Ziman
Por diversas vezes temos falado da ciência servindo para responder às necessidades da sociedade. A demanda mais permanente é a destinada às Forças Armadas. Seja o que for que pensemos a respeito disso, partindo de um ponto de vista ético, o fato é que não podemos negar que os preparativos para a guerra, e a própria guerra em si, constituem partes integrantes da vida humana moderna.
A sociologia da guerra entre os estados nacionais raramente é discutida, salvo sob o enfoque do historiador político. O papel da ciência e da tecnologia na guerra moderna é por demais evidente, e boa parte da repulsa contra a guerra por parte das pessoas civilizadas tem sido transferida para a própria ciência, sem que se faça um estudo mais profundo das causas verdadeiramente fundamentais. Trata-se de um tema muito extenso para que se possa discuti-lo aqui na íntegra. Podemos examinar esse fenômeno tão funesto e horrendo apenas na medida em que ele afeta a ciência ‘pura’ e a comunidade científica. [...] Fonte: Ziman, J. 1981 [1976]. A força do conhecimento. BH & SP, Itatiaia & Edusp.
Rasgo na noite haste o assombro em que me lera e em sombras de contraste gritos de mel sem cera.
Manso refúgio foge sem um ramo primavera chora meu sangue hoje rito que um crime me dera.
Chama de roxo pedra este rosto em que me mudo lágrima vidro se quebra na morte que veste tudo. Fonte: Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema originalmente publicado em 1957.
Bate outra vez Com esperanças o meu coração Pois já vai terminando o verão, Enfim
Volto ao jardim Com a certeza que devo chorar Pois bem sei que não queres voltar Para mim
Queixo-me às rosas, Mas que bobagem As rosas não falam Simplesmente as rosas exalam O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir Para ver os meus olhos tristonhos E, quem sabe, sonhavas meus sonhos Por fim Fonte: capa do álbum Eu canto – Quem viver chorará (1978), de Fagner. Canção gravada pela primeira vez em 1976.
1. Eu penso em você, minha filha. Aqui lágrimas fracas, dores mínimas, chuvas outonais apenas esboçando a majestade de um choro de viúva, águas mentirosas fecundando campos de melancolia,
tudo isso de repente iluminou minha memória quando cruzei a ponte sobre o Sena. A velha Paris já terminou. As cidades mudam mas meu coração está perdido, e é apenas em delírio que vejo
campos de batalha, museus abandonados, barricadas, avenida ocupada por bandeiras, muros com a palavra, palavras de ordem desgarradas; apenas em delírio vejo
Anaïs de capa negra bebendo como Henry no café, Jean à la garçonne cruzando com Jean Paul nos Elysées, Gene dançando à meia luz com Leslie fazendo de francesa, e Charles que flana e desespera e volta para casa com frio da manhã e pensa na Força de trabalho que desperta,
na fuga da gaiola, na sede no deserto, na dor que toma conta, lama dura, pó, poeira, calor inesperado na cidade, garganta ressecada,
talvez bichos que falam, ou exilados com sede que num instante esquecem que esqueceram e escapam do mito estranho e fatal da terra amada, onde há tempestades, e olham de viés
o céu gelado, e passam sem reproches, ainda sem poderem dizer que voltar é impreciso, desejo inacabado, ficar, deixar, cruzar a ponte sobre o rio.
2. Paris muda! mas minha melancolia não se move. Beaubourg, Forum des Halles, metrô profundo, ponte impossível sobre o rio, tudo vira alegoria: minha paixão pesa como pedra.
Diante da catedral vazia a dor de sempre me alimenta. Penso no meu Charles, com seus gestos loucos e nos profissionais do não retorno, que desejam Paris sublime para sempre, sem trégua, e penso em você,
minha filha viúva para sempre, prostituta, travesti, bagagem do disk jockey que te acorda no meio da manhã, e não paga adiantado, e desperta teus sonhos de noiva protegida, e penso em você,
amante sedutora, mãe de todos nós perdidos em Paris, atravessando pontes, espalhando o medo de voltar para as luzes trêmulas dos trópicos, o fim dos sonhos deste exílio, as aves que aqui gorjeiam, e penso enfim, do nevoeiro,
em alguém que perdeu o jogo para sempre, e para sempre procura as tetas da Dor que amamenta a nossa fome e embala a orfandade esquecida nesta ilha, neste parque
onde me perco e me exilo na memória; e penso em Paris que enfim me rende, na bandeira branca desfraldada, navegantes esquecidos numa balsa, cativos, vencidos, afogados... e em outros mais ainda! Fonte: Moriconi, I., org. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema originalmente publicado em 1985.
1. Embarquei em Liverpool no dia 26 de abril de 1848 num pequeno navio mercante, em companhia do Sr. Wallace, e depois de uma rápida viagem desde o Canal da Irlanda até o equador chegamos no dia 26 de maio a Salinas. Trata-se de uma escala obrigatória para todas as embarcações que se destinam ao Pará, sendo o único porto que dá acesso à vasta região banhada pelo rio Amazonas. Salinas é um pequeno povoado que teve sua origem numa missão jesuítica e fica situado alguns quilômetros a leste do rio Pará. Nosso navio lançou âncoras em alto mar, a uma distância de nove quilômetros da costa, pois a pouca profundidade da água na foz do grande rio não permitia uma aproximação maior. Em seguida foi hasteado o sinal convencional pedindo um piloto. Foi com um profundo interesse que meu companheiro e eu – ambos ávidos para apreciar as belezas de um país tropical – contemplamos a terra onde pelo menos eu iria passar onze dos melhores anos de minha vida. Na direção do leste as terras nada apresentavam de notável, mostrando-se apenas levemente onduladas, com dunas de areia e árvores esparsas; para o oeste, porém, podíamos ver com a ajuda da luneta do capitão, e estendendo-se na direção da embocadura do rio, uma longa linha de vegetação elevando-se praticamente da água, formada por uma densa massa de altas árvores, que se iam repartindo em grupos e finalmente se transformavam em árvores isoladas à medida que se perdiam na distância. Nessa direção ficavam os limites da grande floresta primitiva, característica da região, que contém tantas maravilhas em seu seio e cobre a superfície do país numa extensão de três mil quilômetros , a partir daquele ponto até o sopé dos Andes. [...] Fonte: Bates, H. W. 1979 [1863]. Um naturalista no rio Amazonas. BH & SP, Itatiaia & Edusp.
Nesta quinta-feira, 12/2, o Poesia contra a guerra completa dois anos e quatro meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 58.501 visitas haviam sido registradas.
Desde o balanço mensal anterior – Vinte e sete meses no ar – foram ao ar textos dos seguintes autores: C. H. Waddington, Cristovam Pavia, Gerhardt Hauptmann, Isabel Câmara, João Roiz de Castelo-Branco, Joel Silveira, Robert K. Merton, Thomas More e William James. Além de outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes pintores: Grant Wood e Thomas Cole.
Aos domingos se vai ao longe... Lavam-se panos brancos e os denominamos roupa de cama: Roupas de baixo Roupas de cima – Coisas da Casa Aos domingos todos se cansam cedo: há enlaces matutinos e muitos hinos. Aos domingos há missa, música entreveros. Há quem chore nalguma hora e há também possibilidades novas: Há pares, bares, porres. Aos domingos semeiam as lavadeiras seus azuis/brancos lençóis lúcidos dos dias de semana. Para elas lençóis Prata da Casa Lençóis louça de Porcelana Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª edição. RJ, Aeroplano. Poema publicado com a dedicatória: “Para Esther, da Clínica V. Silva”.
Pascal tinha com ele um abismo em movimento – Com ele, tudo é abismo – ação, palavra, zelo, Querer! Pela extensão do eriçado cabelo Do Medo muitas vezes sinto passar o vento.
No alto, em baixo, por tudo, o precipício, o apelo Do silêncio e o horror do imenso firmamento, E as unhas deste Deus todo discernimento Desenha um multiforme e eterno pesadelo.
Tenho medo do sono e medo da caverna, Que não sabe ninguém por que mundos se interna; Da janela eu só vejo o infinito a crescer,
E a minha alma que sempre a vertigem invade, Só inveja no Nada a insensibilidade. – Ah! não sair jamais do Número e do Ser! Fonte: Baudelaire, C. 2006. As flores do mal. SP, Martin Claret. Poema publicado na edição póstuma de 1868.
Uma cosmovisão comum é a de que o mundo consiste essencialmente de coisas, e que quaisquer alterações que notamos são realmente secundárias, provindo da maneira como as coisas interagem entre si. A sua alternativa é que o mundo consiste de processos, e que as coisas que discernimos não passam de quadros isolados de um filme. Estas alternativas remontam aos mais antigos filósofos gregos, que viveram antes de Sócrates (cerca de 500-600 AC).
A representação por ‘coisas’ é geralmente associada ao nome de Demócrito, que de fato usou o nome de ‘átomo’ para designar as coisas básicas – coisinhas invisíveis, mínimas, imutáveis e invariáveis de algo que se poderia chamar matéria, embora não fossem exatamente aquilo que um químico ou físico atual chamaria de átomo.
O porta-voz clássico do outro ponto de vista era Heráclito, que afirmava ser a característica essencial das coisas elas estarem sempre em processo de mudança, tal qual uma chama, à qual aflui o combustível, aí queima, e da qual saem os gases quentes. Nunca podes pisar no mesmo rio por duas vezes, disse Heráclito, porquanto a água flui; quando nele entrares amanhã, não será a mesma água de hoje. [...] Fonte: Waddington, C. H. 1979 [1977]. Instrumental para o pensamento. BH & SP, Itatiaia & Edusp.
Senhora, partem tam tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tam tristes vistes outros nenhuns por ninguém.
Tam tristes, tam saudosos, tam doentes da partida, tam cansados, tam chorosos da morte mais desejosos cem mil vezes que da vida. Partem tam tristes os tristes, tam fora d’esperar bem, que nunca tam tristes vistes outros nenhuns por ninguém. Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Poema – datado talvez do século 15 – publicado em livro em 1516.
Thomas Cole (1801-1848). View from Mount Holyoke, Northampton, Massachusetts, after a Thunderstorm [The Oxbow]. 1836. Fonte da foto: Art Renewal Center.
[...] [P]ara que a cidade não seja despovoada nem cresça acima da medida, é feita provisão para que nenhuma casa tenha menos de dez nem mais de dezesseis adultos; existem seis mil casas assim em cada cidade, além do território circunvizinho. Não se pode, naturalmente, fixar o número de crianças menores. Observa-se facilmente esse número transferindo aqueles que excedem o número nas famílias maiores para as que tenham menos que o número prescrito. Sempre que todas as famílias de uma cidade atinjam toda a sua cota, os adultos em excesso àquele número ajudarão a completar a população deficitária de outras cidades. [...] Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Companhia Editora Nacional & Edusp. Texto originalmente publicado em 1516.