31 outubro 2015

Poema

Geraldo Pinto Rodrigues

Pássaro perdido em maresia, te quero,
com teus seios de nêsperas e teu colo de safira.
Assim prenhe de rosas, te quero,
assim estranha e múltipla, não consentida,
assim tranqüila, dispersa em sonho,
fantástica e só.

E mais que por isso te quero,
ave de asa tonta,
corpo e forma do meu canto.

Boneca da infância esquecida,
eis que te quero.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1951.

29 outubro 2015

Vila à beira d’água


Władysław Podkowiński (1866-1895). Mokra wies. 1892.

Fonte da foto: Wikipedia.

27 outubro 2015

Corre mais que uma vela...

Emiliano Perneta

Corre mais que uma vela, mais depressa,
Ainda mais depressa do que o vento,
Corre como se fosse a treva espessa
Do tenebroso véu do esquecimento.

Eu não sei de corrida igual a essa:
São anos e parece que é um momento;
Corre, não cessa de correr, não cessa,
Corre mais do que a luz e o pensamento...

É uma corrida doida essa corrida,
Mais furiosa do que a própria vida,
Mais veloz que as notícias infernais...

Corre mais fatalmente do que a sorte,
Corre para a desgraça e para a morte...
Mas eu queria que corresse mais!

Fonte: Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª edição. SP, Cultrix. Poema publicado em livro em 1911.

26 outubro 2015

Comunicação sonora

Adrian M. Wenner

Poderemos, algum dia, compreender profundamente como se comunicam entre si os membros de uma outra espécie? A questão ganhou novas dimensões pelas recentes hipóteses de que estaríamos recebendo mensagens de planetas de outras galáxias. Quer cheguemos ou não a detectar tais mensagens, podemos investigar a questão aqui mesmo, na Terra. Sabemos, agora, de muitas formas de comunicação em outras espécies. Nenhuma é mais sutil nem mais interessante do que a ‘linguagem’ das abelhas.
[...]

Para testar essa possibilidade, fiz gravações dos sons produzidos por abelhas dançarinas, após visitarem pratos de xarope açucarado, colocados a distâncias variáveis da colmeia. Haveria alguma relação entre a distância percorrida e o tipo de som? Em outras palavras, usaria a abelha forrageadora uma linguagem sonora para informar suas companheiras sobre a distância?
[...]

Fonte: Wenner, A. M. 1975 [1967]. A comunicação sonora em abelhas. In: Scientific American, Psicobiologia: as bases biológicas do comportamento. RJ, LTC. Artigo originalmente publicado em 1964.

24 outubro 2015

Ora faz ost’o senhor de Navarra

João Soares de Paiva

Ora faz ost’o senhor de Navarra,
pois en Proenç’est el rey d’Aragon!
Non lh’a(n) medo de pico nen de marra
Tarraçona, pero vezinhos son;
nen an medo de lhis põer bozon
e riir-s’-an muit’én Dura e Darra.
Mais se Deus traj’o senhor de Monçon,
ben mi cuid’eu que a cunca lhis varra!

Se lh’o bon rey varrê’-la escudela
que de Pamp’lona oïstes nomar,
mal ficará aquest’outr’en Todela
que al non á [a] que olhos alçar;
ca verrá i o bon rey sojornar
e destruir á o burgo d’Estela,
e veredes Navarros [l]azerar
e o senhor que os todus caudela.

Quand’el rey sal de Todela, estra
el essa ost’e tod’o seu poder:
ben soffren i de travalh’e de pa,
ca van a furt’e torna[n]-s’en correr.
Guarda-s’el rey, come de bom-saber,
que o non filhe luz en terra alha,
e onde sal, i s’ar torna jazer...
ao jantar, ou se non, aa ca.

Fonte: Vasconcelos, CM. 2004 [1904]. Glosas marginais ao cancioneiro medieval português de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis. Poema datado de meados do século 13.

22 outubro 2015

Campo santo

Guerra Junqueiro

Ai ao relento, ai ao relento, sonham cavadores!...
Sono d’arminho... colchão de terra... lençol de flores!...

                                Caí dormentes,
                    Caí exânimes, trementes,
         Pálidos silêncios do luar dorido!
         Litanias fluídas do luar dorido!
         Misereres brancos do luar dorido!
         Bálsamos, piedades, orações dolentes
                                Do luar dorido!...

Ai ao relento, ai ao relento sonham pegureiros!...
Cama tão fresca!... cobertor branco, de jasmineiros...

                                Caí maviosas,
                    Caí sonâmbulas, piedosas,
         Côncavas tristezas do luar magoado!
         Ressonâncias d’órgão do luar magoado!
         Extrema-unções profundas do luar magoado!
         Síncopes, oblívios, quietações chorosas
                                Do luar magoado!...

Ai ao relento, ai ao relento sonha a boieirinha!...
Cama de violetas!... que lhe fez a Virgem, sua madrinha...

                                Caí radiantes,
                                Angelizantes,
         Esfolhados lírios do luar divino!
         Musselina argêntea do luar divino!
         Hálitos de leite do luar divino!
         Pérolas, opalas, beijos e diamantes
                                Do luar divino!...

Ai ao relento, ai ao relento as bisavós dormindo!...
Cama de rosas, sobrecéu d’astros!... que sonho lindo!...

                                Caí cantando,
                    Caí mas brando, muito brando,
         Místicas nevadas do luar de prata!
         Linho da candura do luar de prata!
         Ângelus da ermida do luar de prata!
         Êxtases boiando, sagrações ondeando
                                No luar de prata!...

Dormi, dormi!... que belas camas!... ai, que bons lençóis!...
Na travesseira, que bem que cheira! cantam rouxinóis!...

Dorme de costas, cavador, ao luar, ao luar de neve!...
Ai, como a terra era pesada, e se fez leve, leve!...

Dorme, pastor, ao luar de junho, dorme sem cuidado!...
Que anda a Senhora dos Montes-Ermos a guardar-te o gado...

Durmam velhinhas! durmam crianças! durmam donzelas!
Quando acordarem já têm os anjos à espera d’elas...

  Há-de acordar tudo lá nos céus doirados...
  Há-de haver banquetes, há-de haver noivados...

  Põe a mesa a Virgem para os pobrezinhos...
  Ai, que lindos fructos!... ai, que ricos vinhos!...

  Vinhos d’um vinhedo, fructos d’um pomar,
  Que no céu os anjos regam com luar...

  Ordenhando ovelhas andam serafins,
  Cantarinhos d’oiro, leite de jasmins.

  Outros nas arribas crestam as colmeias,
  Grandes favos brancos como luas cheias.
  Ai, que bom almoço, feito n’um vergel,
  Pomos cor de aurora, leite, vinho e mel!...

  Para as avozinhas tem lá Deus bastantes
  Fusos d’esmeraldas, rocas de diamantes...

  Como vós, ó moças, lá no céu casais,
  Elas darão teias para os enxovais...

  Já no sete-estrelo dançam nos terreiros,
  Tamboris e violas, frautas e pandeiros...

  Já lá vejo os noivos, com S. João à espera,
  N’uma ermida branca revestida d’hera...

  Ai, dormi, donzelas, ai dormi ao luar,
  Que no céu com anjos vós ireis casar...

  Ai, dormi, crianças! que no azul divino
  Brincareis alegres com o Deus-menino...

  Partirá convosco, porque é vosso irmão,
  A laranja, – o mundo, que lá tem na mão...

                    Dormi, dormi, sem dor, sem penas...
                                Dormi, dormi!...
                    E em vossos leitos florescentes,
                    De rosas brancas e açucenas,
                                Caiam dormentes,
                    Caiam exânimes, trementes,
         Graças do baptismo do luar alvíssimo!
         Beijos do noivado do luar puríssimo!
         Lágrimas da morte do luar tristíssimo!
         Cânticos d’exéquias, orações dolentes
                                Do luar santissimo!...

Fonte (versos 49 e 50): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em livro em 1892.

20 outubro 2015

Nutrientes essenciais

Cleveland P. Hickman Jr., Larry S. Roberts & Allan Larson

A descoberta, anos atrás, de que muitas doenças dos seres humanos e dos animais domésticos eram causadas, ou associadas, a deficiências na alimentação levou os biólogos a procurarem por nutrientes específicos que preveniriam tais doenças. Essas pesquisas produziram, eventualmente, uma lista de nutrientes essenciais para os seres humanos e para as outras espécies de animais estudadas. Os nutrientes essenciais são aqueles necessários para o crescimento normal e para a manutenção e que devem fazer parte da dieta. Em outras palavras, é ‘essencial’ que esses nutrientes estejam incluídos na alimentação porque o animal é incapaz de sintetizá-los a partir de outras substâncias ingeridas. Perto de 30 substâncias orgânicas (aminoácidos e vitaminas) e 21 elementos químicos são essenciais aos seres humanos. (...). As células animais possuem um poder extraordinário de síntese, tornando-as capazes de fabricar substâncias de uma variedade e complexidade enormes a partir de materiais brutos pertencentes a um pequeno e seleto grupo. [...]

Fonte: Hickman, C. P., Jr.; Roberts, L. S. & Larson, A. 2004. Princípios integrados de zoologia, 11ª edição. RJ, Guanabara Koogan.

18 outubro 2015

Ó noites infernais da minha vida!

Ó noites infernais da minha vida!
– Desespero e descrença os céus e a terra!
Lá não ouço uma voz que diga – esp’rança;
Não vejo aqui sorrir que diga – amor!

Uma lua cansada sempre e morta
Dormindo pelos cumes das montanhas;
Uma hipérbole bruta, uns pirilampos
Na abóbada celeste pendurados –

Áridos mudos campos misteriosos,
Não vejo a aurora mais do que um semblante
D’escarnio à humanidade, e o feio ocaso
Que os olhos a fechar só lembra a morte!

A terra faz-se em homens – vivos sonhos
Do cérebro dormente: algumas horas
O espectro zumbe; e vai-se desfazendo,
Sonho qual é, que não viveu – sonhava.

Passou-se tudo! os sonhos mais felizes
Todos me abandonaram! Os céus abertos,
Ouvi – eu te amo! – Foi mentira. O inferno
Hoje m’envolve, me envolvendo o amor!

De esperança em esperança corre a vida –
Existir é esperar: porque eu morri
Desde que as velas d’alma erguendo a acaso
O meu canto entoei desta desgraça!

Mar sem praias! – seus ventos me diziam:
Não vês lá no horizonte os verdes cumes
Juntos ao céu? – Andei! fagueiro e ledo:
E tão cansado, e sem chegar mais nunca,

Vi caindo a verdade! Eis porque eu morro:
Vive quem dorme e sonha. À dor me uivando
Eu quis aniquilar minha existência,
Que era fantasma o ser, mentira a vida!

E os ecos delirantes retumbaram
Nest’alma às próprias chamas consumida,
Em vão!... Quero viver – vem, vem, ó noite,
Banhar-me do teu sono! Eu durmo, eu vivo.

Demônio da alma, ceticismo horrendo,
Filosofia cega, oh, vai-te! vaite!
Das opressoras escarnadas garras
Solta-me – aos vabes da obscura crença –

Esquece-te de mim; fechem-se as asas
Sinistras de sombrio noitibó!
Eu quero amar a Deus e amar os homens:
Vai-te, deixa-me em paz – feliz eu sou!

Consumiste minha alma enegrecida;
Tu disseste, que um Deus não me acompanha;
Que é vã fumaça esta alma, que o meu corpo
Em cinzas perderá, passando o vento.

Negaste-me um repouso na amizade;
E nem pude mais crer no amor da virgem:
E murcho e frio me recolho às sombras
Da minha vida a me abraçar co’a morte.

Olhei... os dias meus do sol caindo;
Escutei... os meus lábios estalando
Em maldições ao ser desta existência,
E ao Ser que sobre o sol conta os meus dias!

E eu, que me assentava ao pé da serra,
Vendo as estrelas como ninfas d’oiro
Subindo lá do fundo da corrente,
Começando-se a noite a encher de sombras;

Esperando que a lua atravessasse
No vale, por saudá-la dos dois nomes
“De Ana e de minha mãe” – achei só túmulos:
Pálido o amor, pálida a amizade!

Achei a minha vida ser tão longa
Como o passar da eternidade! Em tanto
Dormia as horas... e nas dores de hoje
Meus dias de depois eu descontei.

Fonte (versos 53-56): Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 1857.

16 outubro 2015

Cemitério nas montanhas


Wojciech Gerson (1831-1901). Cmentarz w górach. 1894.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 outubro 2015

Busquemos a terra sem mal

Miguelángel Meza

A J. A. Rauskin

Vamos!
            O dia já está feio,
            vamos procurar a origem do sol.

Vamos!
            Que ao nosso passo
            rolem os lagos.

Vamos!
            Dizem que existe uma terra
            que sangra leite e mel
            e frutas.

Vamos!
            Que se amedronte a selva
            aos nosso passos.
            (Busquemos o que não morre.)

Vamos!
            Dizem que há uma terra
            sem mal,
            repleta de espumoso leite.

Vamos!
            O dia já está feio,
            vamos procurar a origem do sol.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM.

13 outubro 2015

Ao novo invento de andar pelos ares

Tomás Pinto Brandão

            Esta maroma escondida,
que abala a toda a Cidade;
esta mentida verdade,
ou esta dúvida crida;
esta exalação nascida
no Português Firmamento;
este nunca visto invento
do Padre Bartolomeu,
assim fora santo eu,
como ele é cousa de vento.

            Esta fera Passarola,
que leva, porque mais brame,
trezentos mil réis de arame,
somente para a gaiola;
esta urdida paviola,
ou este tecido enredo;
esta das mulheres medo,
e enfim dos homens espanto,
assim eu fora cedo santo,
como se há-de acabar cedo.

Fonte: Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 1. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1732. O padre referido no verso 8 era Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724), o ‘padre voador’.

12 outubro 2015

Aniversário de nove anos

F. Ponce de León

Nesta segunda-feira, 12/10, o Poesia contra a guerra completa nove anos no ar (2006-2015). Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que (ao menos) 278.410 visitas foram registradas nesse período.

Ao longo dos últimos 12 meses, foram ao ar textos de 116 novos autores, além de outros que já haviam sido publicados antes – ver ‘Aniversário de oito anos’ e balanços anteriores. Eis a lista de estreantes:

A. A. Dias Correia, Aécio Pereira Chagas, Afonso Carlos Marques dos Santos, Afonso X, Alain Manier, Alan R. Gemmell, Albert L. Lehninger, Alfred Norton Whitehead, Almeida Garrett, Alphonsus de Guimaraens Filho, Amadeu Amaral, André Bourguignon, André Trocmé e Augusto Gil;

Barão de Itararé, Basílio Miranda, Bertrand Jordan, Braulio Tavares, Brian Charlesworth, Brian W. P. Wells, Bruce Springsteen, Bruno Walter, Bryan Ferry e Bryan J. F. Manly;

Carlos Pena Filho, Carlos Toledo Rizzini, Charles Bunn, Charles Cockell, Charlotte W. Pratt, Chico Flávio Rodrigues, Correia de Almeida e Correia Garção;

Daisaku Ikeda, Deborah Charlesworth, Domingos Borges de Barros, Donald Voet e Dorion Sagan;

Elvi Sinervo, Eric Berne, Esther Raab e Eugénio de Castro;

Fagundes Varela, Fernando Fortes, Fernando Mitre, Francisca Júlia, Francisco Xavier da Silva, Françoise Dolto e Friedrich Engels;

G. B. van Albada, Garth Chapman, Gary J. Brusca, Georg von Békésy, Giacomo Leopardi, Glenn D. Everett e Gyula Juhász;

Henfil e Herbert Marcuse;

Itálico Marcon;

J. Durral Mulholland, Jaime Cortesão, James Arthur Ramsay, James M. Tanner, Jay Burreson, John A. Bryant, John B. Messenger, John L. Jinks, Jonathan Weiner, Jorge Roux, José Paulo Moreira da Fonseca, Juan Luis Segundo e Judith G. Voet;

Kátia Bento, Kenneth Mather e Kuri;

Louis Not, Luis Cernuda e Luís Delfino;

M. J. C. Surrey, Manuel Antônio de Almeida, Maria Eugênia Carvalho do Amaral, Martin Rees, Martinus Nijhoff, Michael P. Walsh, Miguel de Guevara, Mihai Eminescu, Moacir Werneck de Castro e Morton Beckner;

Nehas Sopaj, Neil Edwards e Nina Mello;

Othon Henry Leonardos;

Paul B. Sears, Paul Chwat, Paula Yurkanis Bruice, Paulo Freire, Pedro Calderón de la Barca e Penny Le Couteur;

Raymond Smullyan, Richard C. Brusca, Richard Keynes, Robert A. Wallace, Robert Avé-Lallemant, Robert Herrick, Robert N. Boyd, Robert T. Morrison, Ronald de Carvalho e Roterdam Salomão;

Sancho I, Sean B. Carroll, Sebastião Nunes e Stefan Zweig;

Tatiana Roque;

Valentim Magalhães e Viktor Leinz; e

Waly Salomão e William Charles Wells.

Cabe ainda registrar que, no mesmo período, foram aqui reproduzidas imagens de quadros de 31 pintores, a saber: Anna Bilińska-Bohdanowiczowa e Anna Palm de Rosa; Diogène Maillart; Ford Madox Brown, François Boucher, Franz Defregger e Franz von Lenbach; Gabriel von Max e George Whiting Flagg; Hans Makart e Hyacinthe Rigaud; Jacob Jordaens, Jean-Pierre Franque, Jérôme-Martin Langlois, John Atkinson Grimshaw, John Brett e Juan Bautista Martínez del Mazo; Ker-Xavier Roussel; Marie-Guillemine Benoist, Maurice Denis, Max Liebermann, Max Slevogt, Mestre Ataíde e Michael Ancher; P. S. Krøyer, Paolo Veronese, Philippe de Champaigne e Pierre Peyron; Thomas Couture; Viggo Johansen; e Washington Allston.

10 outubro 2015

Adolescência

Raul de Leoni

Eu era uma alma fácil e macia,
Claro e sereno espelho matinal
Que a paisagem das cousas refletia,
Com a lucidez cantante do cristal.

Tendo os instintos por filosofia,
Era um ser mansamente natural,
Em cuja meiga ingenuidade havia
Uma alegre intuição universal.

Entretinham-me as ricas tessituras
Das lendas de ouro, cheias de horizontes
E de imaginações maravilhosas.

E eu passava entre as cousas e as criaturas,
Simples como a água lírica das fontes
E puro como o espírito das rosas...

Fonte: Leoni, R. 1998. Luz mediterrânea. BH, Garnier. Poema publicado em livro em 1922.

09 outubro 2015

Torpe excitação dos sentidos

Friedrich Nietzsche

O esforço na busca da torpe excitação dos sentidos da assim chamada beleza escangalhou com os nervos dos italianos: permaneçamos alemães! Até mesmo a relação de Mozart com a música – Wagner nos disse essa palavra de conforto – era, no fundo, frívola.

06 outubro 2015

Poesia temporã

Chico Flávio Rodrigues

Tanto tempo faz que não escrevo
que nem penso e nem vivo
e me torno surdo àquela conversa franca
comigo mesmo
enquanto as contas e as obrigações
vão devorando os meus poemas
e a retinopatia covardemente
impedindo
quaisquer possibilidades de prosa

Ler – para os meus olhos de hoje –
está tão difícil quanto encontrar a paz

É preciso pois reunir todas as forças
mesmo esses parcos pensamentos inexatos
e compor um urgente texto que me resgate
do prematuro silêncio
pois ainda
existe a música

Fonte: Kuri et al. 2004. AdVersos. RJ, Atlântica Editora.

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