A história da humanidade se confunde com a história das guerras. Deveríamos lutar para que se confundisse apenas com a história da literatura.
31 outubro 2007
Vinte mil visitas
F. Ponce de León
No meio do expediente de ontem, terça-feira, o Poesia contra a guerra superou a marca das 20 mil visitas. Do balanço anterior – ver “Quinze mil visitas”, em 18/9 – até ontem (30/10) ocorreram em média pouco mais de 114 visitas/dia. Também alcançamos um novo recorde positivo de visitantes únicos em um só dia: 163, em 22/10.
O passarinho que bate na minha janela sabe que ele é um ela. Mas vê de um outro mundo; o mundo louco que é o dela. Está com frio e morre de tanto calor. Tem fome esse bichinho que procura o diabo do ninho. E eu? Defeito meu, desconfio, que penso que quero amor. Bobagem, passarinho. Sou eu quem voa a esmo. Mas entra de qualquer forma e minha vida reforma. Vem cantar o teu hino e muda pra sempre o meu destino. Fonte: Wolff, F. 2000. Cem poemas de amor e uma canção despreocupada. RJ, Bertrand.
O químico norte-americano Stanley Lloyd Miller (1930-2007), falecido em maio último, aos 77 anos, foi um pioneiro no estudo experimental das origens da vida. [...]
O ponto de partida para o experimento – hoje amplamente citado nos livros-texto como experimento de Miller-Urey, embora a autoria do artigo original seja apenas de Miller, como se verá a seguir – seria a construção de um microcosmo que pudesse, até certo ponto, mimetizar em laboratório as condições da Terra pré-biótica. O aparato construído era relativamente simples, sendo formado por duas esferas de vidro (uma menor, capaz de armazenar cerca de 0,5 litro de água, e a outra maior, com capacidade para 5 litros) conectadas entre si por um sistema de tubos. [...]
O aparato foi então posto para funcionar ininterruptamente durante uma semana. Ao fim desse período, o líquido acumulado na esfera menor foi examinado. Para surpresa geral, os testes revelaram a presença de mais de uma dúzia de substâncias orgânicas relativamente complexas, incluindo aminoácidos (glicina e alanina), matéria-prima para a construção de proteínas.
Química pré-biótica
O impacto e a importância desses resultados foram enormes. A razão para isso tem a ver com o seguinte: o líquido obtido não era simplesmente uma mistura aleatória de compostos químicos simples – e milhares desses compostos poderiam ter sido formados a partir da matéria-prima utilizada. O fato de que foram encontrados aminoácidos – e outras moléculas orgânicas complexas – em quantidades expressivas sustenta a hipótese de que a síntese desses compostos seria possível a partir dos gases presentes na atmosfera pré-biótica (rica supostamente em metano, amônia, hidrogênio e água, ao invés de dióxido de carbono, nitrogênio, oxigênio e água, como ocorre com a atmosfera atual), mas também levanta a suspeita de que eles seriam relativamente abundantes nos oceanos primitivos. [...]
O experimento de Miller-Urey despertou a imaginação e estimulou o trabalho de outros pesquisadores mundo afora, a ponto de ser referido hoje como um marco no estudo experimental das origens da vida. Ao longo dos anos, o experimento foi refeito inúmeras vezes, usando-se variadas combinações de gases e fontes de energia. Os resultados com freqüência incluíam a síntese de substâncias orgânicas, como aminoácidos, açúcares e bases nitrogenadas, em quantidades expressivas. Mesmo tendo recebido críticas importantes (por exemplo, ao invés de redutora, como Miller supunha, a atmosfera primitiva seria mais neutra que a atual), a principal mensagem do seu experimento ainda está de pé: moléculas orgânicas complexas podem ser obtidas a partir de condições inteiramente abióticas. [...] Fonte: Costa, F. A. P. L. 2007. Um pioneiro no estudo da Terra pré-biótica. Ciência Hoje 242: 64-65.
Eu queria tanto me chamar Margarida ser a dona querida de um cachorro bem manso.
Eu queria tanto ter irmãos para brincar mas só vinham bonecas que não sabem falar – e a imagem do santo (este então, nem pensar!).
Queria amassar o vestido engomado me sujar com a lama rolando e rolando na grama molhada do jardim murado.
Eu queria não comer frango ensopado não sentir medo do retrato emoldurado (que me olhava).
Eu queria espalhar o riso solto pegar o vento, me misturar com a pipa em vôo louco, sem linha, pra não poder voltar. Fonte: Guimarães, T. 1999. Noite vermelha. RJ, Thex.
Hey Jude, don’t make it bad. Take a sad song and make it better. Remember to let her into your heart, Then you can start to make it better.
Hey Jude, don’t be afraid. You were made to go out and get her. The minute you let her under your skin, Then you begin to make it better.
And anytime you feel the pain, hey Jude, refrain, Don’t carry the world upon your shoulders. For well you know that it’s a fool who plays it cool By making his world a little colder.
Hey Jude, don’t let me down. You have found her, now go and get her. Remember to let her into your heart, Then you can start to make it better.
So let it out and let it in, hey Jude, begin, You’re waiting for someone to perform with. And don’t you know that it’s just you, hey Jude, you’ll do, The movement you need is on your shoulder.
Hey Jude, don’t make it bad. Take a sad song and make it better. Remember to let her under your skin, Then you’ll begin to make it Better better better better better better, oh. Fonte: álbum duplo Past Masters, volumes 1 & 2 (1988), dos Beatles. Canção originalmente divulgada em 1968.
Havia uma formiga compartilhando comigo o isolamento e comendo juntos.
Estávamos iguais com duas diferenças:
Não era interrogada e por descuido podiam pisá-la.
Mas aos dois intencionalmente podiam pôr-nos de rastos mas não podiam ajoelhar-nos. Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura.
[...] Ainda que na URSS o marxismo seja, formalmente, a doutrina oficial, no decorrer nos últimos doze anos não foi publicada uma única obra marxista – tratando de economia, de sociologia, de história ou de filosofia – cuja tradução merecesse atenção. A produção marxista não sai dos limites da compilação escolástica, que nada faz além de repisar as velhas idéias aprovadas e utilizar as mesmas citações segundo as necessidades do momento.
A expensas do Estado, são publicados milhões de exemplares de livros e brochuras que não fazem falta a ninguém, fabricados à custa de goma, lisonjas e outros ingredientes pastosos. Os marxistas que poderiam dizer qualquer coisa de útil e de pessoal estão aferrolhados, ou forçados a calar-se. Isto, apesar de a revolução das formas sociais pôr a todo o momento problemas grandiosos!
A honestidade, sem a qual não há trabalho teórico, é pisada. As notas explicativas, acrescentadas aos escritos de Lenine, são retocadas de alto a baixo em cada reedição com o fim de servir os interesses pessoais do estado-maior governamental, e engrandecer os chefes, denegrindo os seus adversários e apagando certos vestígios. Os manuais de história do partido e da revolução sofrem o mesmo tratamento. Os factos são deformados, esconde-se, ou, pelo contrário, forja-se documentos, as reputações forjam-se ou destroem-se. A simples comparação das edições sucessivas de um mesmo livro em doze anos, permite seguir a degenerescência do pensamento e da consciência dos dirigentes.
O regime totalitário não é menos funesto à literatura. A luta das tendências e das escolas deu lugar à interpretação da vontade dos chefes. Todos os grupos pertencem obrigatoriamente a uma organização única, espécie de campo de concentração das letras. Escritores medíocres, mas bem pensantes como [Fyodor] Gladkov e [Alexandr] Serafimovich são proclamados clássicos. Os escritores dotados que não sabem adulterar-se [o] quanto é desejável, são acossados por matilhas de conselheiros sem escrúpulos, armados de citações. Grandes artistas suicidam-se; outros procuram assuntos para os seus trabalhos num passado longínquo, ou calam-se. Os livros honestos e que trazem a marca do talento só aparecem por acaso, como que escapados ao cerco; são uma espécie de contrabando. [...] Fonte: Trotsky, L. 1977 [1936]. A revolução traída. Lisboa. Edições Antídoto.
Apoiando na mão rugosa o queixo fino, O Pensador reflete que é carne sem defesa: Carne da cova, nua em face do destino, Carne que odeia a morte e tremeu de beleza.
E tremeu de amor, toda a primavera ardente, E hoje, no outono, afoga-se em verdade e tristeza. O “havemos de morrer” passa-lhe pela mente Quando no bronze cai a noturna escureza.
E na angústia seus músculos se fendem sofredores. Sua carne sulcada enche-se de terrores, Fende-se, como a folha de outono, ao Senhor forte.
Que o reclama nos bronzes. Não há arvore torcida Pelo sol na planície, nem leão de anca ferida, Crispados como este homem que medita na morte. Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema originalmente publicado em 1922.
Segundo a ABNT NB-8 (1970), “o formato básico do papel, designado por A0 (A zero) é o do retângulo, de lados medindo 841 mm e 1.189 mm, tendo a área de 1 m2”. É deste formato que derivam os demais.
“Do formato básico A0 deriva a série A, pela bipartição ou duplicação sucessiva, feita de acordo com as seguintes regras:
a) cada formato resulta da bipartição do imediatamente anterior, segundo uma linha paralela ao menor lado do retângulo bipartido,
b) os formatos são geometricamente semelhantes entre si,
c) os lados de qualquer formato guardam entre si a mesma razão que existe entre o lado de um quadrado e sua diagonal e
d) as áreas dos formatos derivados de A0, que é igual 1 m2, são múltiplos ou submúltiplos dessa unidade, exemplificados como segue:
A0 = 841 mm x 1.189 mm A1 = 594 mm x 841 mm A2 = 420 mm x 594 mm A3 = 297 mm x 420 mm A4 = 210 mm x 297 mm A5 = 148 mm x 210 mm A6 = 105 mm x 148 mm”
Recomenda-se o formato A4 para monografias e teses e o A5 para livros e folhetos com menos de 50 páginas. Fonte: Kotait, I. 1981. Editoração científica. SP, Ática. Sobre normas gráficas e normalização em geral, ver Associação Brasileira de Normas Técnicas.
Senhores jurados sou um poeta um multipétalo uivo um defeito e ando com uma camisa de vento ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis de armazenado espanto e por fim com a paciência dos versos espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos (curtido couro de cicatrizes) uma avaria cantante na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade o vosso enfarte serei não há cidade sem o parque do sono que vos roubei
Senhores professores que pusestes a prémio minha rara edição de raptar-me em crianças que salvo do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho de em pó volverdes sois os reis sou um poeta jogo-me aos dados ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes puro exercício de ninguém minha cobardia é esperar-vos umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e sete que medo vos pôs por ordem? que pavor fechou o leque da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais a pena na tinta da natureza não apedrejeis meu pássaro sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta de um verso onde o possa escrever ó subalimentados do sonho! a poesia é para comer. Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1970.
Penso que cultivo tensões como flores num bosque onde ninguém vai.
Cada ferida – perfeita –, fecha-se numa minúscula imperceptível pétala, causando dor.
Dor é uma flor como aquela, como esta, como aquela, como esta. Fonte: Creeley, R. 1997. A um. SP, Ateliê Editorial. Poema originalmente publicado em 1958.
És um belo céu de outono, tão clara e rosa! Mas sobe em mim a tristeza como mar largo E deixa ao refluir, nesta boca morosa, A acre recordação do lodo mais amargo.
– Passas em vão a mão por meu peito que feres; O que ela busca, amiga, é um lugar que varreram A garra e o dente atroz de todas as mulheres. Procuras coração que as bestas já comeram.
A minha alma é um palácio em que a azáfama estua; Voa o cabelo ao ar; há embriaguez e morte, – Nada o aroma em redor de sua nuca nua!...
Assim o quer, Beleza, este flagelo forte! Com teu olhar de fogo, ardente como esferas, Calcina o que escapou à crueza das feras. Fonte: Baudelaire, C. 2006. As flores do mal. SP, Martin Claret. Poema originalmente publicado em 1861.
De dentro do Casulo a Borboleta Como uma Dama à Porta Surgiu – era Verão e entardecia – E a vagar já se pôs –
Sem outro Plano que de mundo afora Sair – sem rumo certo – Em mil Explorações que um Trevo iria – Mas não eu – entender –
Sua bela Sombrinha expõe à vista Dos Homens que no Campo Faziam Feno – e uma contrária Nuvem É forçada a enfrentar
Em que outros Avejões buscando o Nada Se vão como ela própria – Inútil trupe que em Circunferências – Dos Trópicos chegou –
À Abelha – no labor compenetrada – E a Flor – ao vento aberta – Essa Platéia à toa lá de cima Atenção não lhes deu –
E a Maré do Crepúsculo espalhou-se – E os Homens que no Campo Faziam Feno – e a Tarde – e a Borboleta – Foram morrer – no Mar – Fonte: Dickinson, E. 2006. Alguns poemas. SP, Iluminuras. Poema originalmente publicado em 1924.
[...] Passo agora à primeira parte de minha conferência: a teoria geral do conhecimento.
A razão por que julgo ter de começar com alguns comentários sobre a teoria do conhecimento é que, a respeito dela, discordo de quase todos, exceto talvez Charles Darwin e Albert Einstein. (Einstein, incidentemente, explicou sua visão dessas questões em sua conferência em honra de Herbert Spencer feita em 1933.) O principal ponto em debate é a relação entre observação e teoria. Acredito quer a teoria – pelo menos alguma teoria ou expectativa rudimentar – sempre vem primeiro; que ela sempre precede a observação; e que o papel fundamental das observações e dos testes experimentais é mostrar que algumas de nossas teorias são falsas e, assim, estimular-nos a produzir outras melhores.
Conseqüentemente, afirmo que não partimos de observações, mas sempre de problemas – ou de problemas práticos ou de uma teoria que caiu em dificuldades. Uma vez que defrontemos o problema, podemos começar a trabalhar nele. Podemos fazê-lo por meio de tentativas de duas espécies: podemos prosseguir tentando primeiro supor ou conjecturar uma solução para nosso problema; e podemos depois tentar criticar nossa suposição, costumeiramente fraca. Às vezes, uma suposição ou uma conjectura podem suportar por certo tempo nossas crítica e nossos testes experimentais. Mas, via de regra, logo descobrimos que nossas conjecturas podem ser refutadas, ou que não resolvem nosso problema, ou que só o solucionam em parte; e verificamos que mesmo as melhores soluções – aquelas capazes de resistir à crítica mais severa das mentes mais brilhantes e engenhosas – logo dão origem a novas dificuldades, a novos problemas. Assim podemos dizer que o crescimento do conhecimento marcha de velhos problemas para novos problemas, por meio de conjecturas e refutações. [...]
Tudo isso pode ser expresso dizendo que o crescimento de nosso conhecimento é o resultado de um processo estreitamente semelhante ao que Darwin chamou “seleção natural”; isto é, a seleção natural de hipóteses: nosso conhecimento consiste, a cada momento, daquelas hipóteses que mostraram sua aptidão (comparativa) para sobreviver até agora em sua luta pela existência, uma luta de competição que elimina aquelas hipóteses que são incapazes.
Esta interpretação pode ser aplicada ao conhecimento animal, ao conhecimento pré-científico e ao conhecimento científico. Peculiar ao conhecimento científico é isto: a luta pela existência é tornada mais dura pela crítica sistemática e consciente de nossas teorias. Assim, enquanto o conhecimento animal e o conhecimento pré-científico crescem principalmente através da eliminação daqueles que sustentam as hipóteses incapazes, a crítica científica faz muitas vezes nossas hipóteses perecerem em lugar de nós, eliminando nossas crenças errôneas antes que essas crenças levem à nossa eliminação.
[...] Desde a ameba até Einstein, o crescimento do conhecimento é sempre o mesmo: tentamos resolver nossos problemas e obter, por um processo de eliminação, algo que se aproxime da adequação em nossas soluções experimentais. [...] Fonte: Popper, K. R. 1975. Conhecimento objetivo. BH & SP, Itatiaia & Edusp.
Nesta sexta-feira, 12/10, o Poesia contra a guerra completou um ano no ar. No final do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 17.854 visitas haviam sido registradas.
Nesses 12 meses, foram ao ar 428 postagens (incluindo esta), trazendo textos de 260 autores. Eis a lista completa de autores:
A. K. Dewdney, Adélia E. Oliveira, Adélia Prado, Ademir Antônio Bacca, Affonso Romano de Sant’Anna, Afonso Henriques Neto, Aguinaldo Gonçalves, Alan Sokal, Albano Martins, Alberto da Cunha Melo (2), Aldir Blanc, Alexandre O’Neill, Alfred W. Crosby, Allan Bloom (2), Alphonsus de Guimaraens, Alvarenga Peixoto, Álvares de Azevedo, Amaral Maia, Amparo Ochoa, Ana Terra, Antero de Quental, Antoine de Saint-Exupéry, Antônio Carlos Secchin, António Gedeão, Antônio Moura, Arnold J. Toynbee, Ascânio Lopes, Ashley Montagu, Atahualpa Yupanqui (2) e Augusto dos Anjos (2);
Bárbara Lia, Bartolomeu Campos de Queirós, Belchior (2), Betty J. Meggers, Betty Thatcher, Blue Balliett, Bob Dylan (3), Bono (3) e Bruno Tolentino;
Cacaso, Camilo Guimarães, Camilo Pessanha, Carl Sagan, Carl Sandburg, Carlos de Oliveira, Carlos Drummond de Andrade (2), Carlos Fernando, Carlos Fiolhais, Carmen L. Oliveira, Castro Alves (2), Cat Stevens (Yusuf Islam) (2), Cecília Meireles (3), Celso Pedro Luft, Cesário Verde, Charles Baudelaire, Chet Powers, Chico Buarque, Christopher Lasch, Cláudio Lucci, Cláudio Manuel da Costa (2) e Cora Coralina (2);
Daniel J. Boorstin, Daniell Rezende, Dave Pirner, David Crosby, Dewey Bunnell, Djavan, Dorival Caymmi e Douglas Messerli;
Egberto Penido, Eleanor Farjeon, Elizabeth Bishop (2), Elomar (3), Émile Nöel, Emily Dickinson (2), Eric Woolfson e Ernest Mandel;
F. Murray Abraham, Federico García Lorca (2), Felipe A. P. L. Costa, Fernando Brant (3), Fernando Pessoa (2), Ferreira Gullar (3), Florbela Espanca (2), Frances Ashcroft e Francisco Marques;
G. H. Hardy, George Gamow, George Harrison, Georges Ifrah, Geraldo Espíndola, Geraldo Falcão, Gerard Manley Hopkins, Gianni Rodari, Gildo Magalhães, Godofredo Guedes, Gonçalves Dias (2), Graham Nash, Gregório de Matos (2) e Guillaume Apollinaire;
H. F. Peters, Hannah Arendt, Harold Bloom, Heinz Dieterich, Henriqueta Lisboa (2), Henry David Thoreau e Horácio Costa;
Ian Anderson e Iêda Dias;
J. D. Salinger, Jacob Bronowski, Jaime Torres Bodet, James Taylor, Jamil Damous, Jared Diamond, Jean-Pierre Luminet, Jeffrey M. Mason, João Cabral de Melo Neto (3), João Carlos Teixeira Gomes, João Domingues Maia, João Ricardo, João Rui de Souza, John Horgan, John Lennon (2), John Milton, John Tyler Bonner, Jon Anderson, Jorge de Lima (2), Jorge de Sena, Jorge Luís Borges, Jorge Wanderley, José Nêumanne, José Régio, José Saramago, Joyce e Júlio Verne (2);
Kate Bush;
Leonard Cohen, Lothar Hoffmann-Erbrecht, Lou Andreas-Salomé, Luciano Berio, Luís de Camões, Luiz Alberto Machado, Luiz Ruffato (2) e Lynn Margulis;
Maiakóvski (2), Majela Colares, Malba Tahan, Manuel Alegre, Manuel Bandeira (3), Márcio Borges (2), Marguerite Yourcenar, Mark Twain, Mário Cesariny, Mário Chamie, Mário de Sá-Carneiro (2), Mário Quintana (2), Marshall Berman, Matt Ridley, Maurice Druon, Mauro Cappelletti, Michael Stipe, Miguel de Cervantes, Miguel de Unamuno, Miguel Hernández, Mike Rutherford, Millôr Fernandes, Milton Nascimento (2), Monteiro Lobato, Murilo Antunes (2), Murilo Mendes (3) e Murilo Rubião;
Nelson Ângelo, Noam Chomsky (2) e Noel Rosa;
Olavo Bilac, Olivia Hime, Omar Ibsen Ibrahim El-Khaiami, Orides Fontela, Oscar Wilde, Osvaldo Faria e Othon M. Garcia;
Pablo Milanés, Pablo Neruda (2), Patativa do Assaré, Paul Dirac, Paul K. Feyerabend, Paul Kantner, Paul McCartney (2), Paul Simon (2), Paula Padilha, Paulinho Pedra Azul, Paulo César Pinheiro, Paulo Mendes Campos, Paulo Teixeira, Pedro Kilkerry, Peter Gabriel (2), Peter Ward e Phil Collins;
Rainer Maria Rilke (3), Raul de Leoni, Régis Bonvicino, René Goscinny, Richard C. Lewontin, Robert Burns (2), Robert Louis Stevenson, Robert M. Pirsig, Roger Hodgson, Roger Waters (3), Rolando Alarcón, Ronaldo Bastos (3), Ronaldo Cagiano, Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, Roseana Murray, Rossana Dalmonte e Ruy Guerra;
Sandra Postel, Santiago Ramón y Cajal, Shel Silverstein, Silvia Rubião, Silvio Rodríguez (2), Simon Singh, Simone de Beauvoir, Sophia de Mello Breyner Andresen, Stefan Kunze, Stephen Hawking, Stephen Stills, Steve Hackett, Stuart Pimm e Susan McCarthy;
T. S. Eliot, Tatiana Rocha, Thereza Christina Rocque da Motta, Teresa Parodi, Thiago de Mello, Tom Jobim e Tomás Antônio Gonzaga (2);
Umberto Eco e Uwe Kraemer;
Victor Hugo, Victor Jara (2), Vimala Devi, Vinicius de Moraes, Violeta Parra (2), Virna Teixeira, Vital Farias, Vitor Ramil e Viviane Forrester;
Wallace Stevens (2), Walt Whitman (2), Walter Freitas, William Carlos Williams, William Shakespeare, Wilton Cardoso e Wolfgang J. Junk;
xenïa antunes;
Zé Ramalho e Zulmira Ribeiro Tavares.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores (59):
Albrecht Dürer, Alphonse Mucha, Amedeo Modigliani, Andrea Mantegna, Andrew Wyeth; Caravaggio, Claude Monet; Diego Rivera, Diego Velázquez; Edgar Degas, Édouard Manet, Edvard Munch, Edward Hopper, El Greco, Eugène Boudin, Eugène Delacroix; Francis Bacon, Franz Xaver Winterhalter, Frida Kahlo; George Grosz, Georges Braque, Giorgio de Chirico, Goya, Gustav Klimt; Henri Matisse, Henri Rousseau, Hieronymus Bosch, Hokusai; Jackson Pollock, James Tissot, Jan van Eyck, Jean-François Millet, Joan Miró, Johannes Vermeer, Joshua Reynolds; Kazimir Malevich; Leonardo da Vinci, Lucian Freud; Marc Chagall, Marcel Duchamp; Pablo Picasso, Paul Cézanne, Paul Gauguin, Peter Paul Rubens, Piero di Cosimo, Pierre-Auguste Renoir, Pierre Bonnard, Piet Mondrian, Pieter Bruegel; Rafael, Rembrandt, René Magritte, Roger Dean; Sandro Botticelli; Ticiano, Tintoretto; Vincent van Gogh; Wassily Kandinsky e William Blake.
Publiquei ainda textos de autores da casa e um desenho do meu filho caçula, Noé.
[...] Quando o homem de fortuna viu que a morte ia arrebatar-lhe a mulher, mergulhou num furor frio e persistente. Chamou os melhores médicos. “Tudo era inútil”, diziam.
– Senhor, salve-a! – dizia ao médico.
– Impossível, don Alejandro, impossível!
– Salve-a para mim, senhor, seja como for! Toda minha fortuna, todos meus milhões por ela, por sua vida.
– Impossível, don Alejandro, impossível!
– Minha vida, minha vida pela vida dela! Não sabe fazer a tal transfusão de sangue? Tire todo o meu e passe-o para ela. Vamos, tire!
– Impossível, don Alejandro, impossível!
– Mas, como impossível? Meu sangue, todo meu sangue por ela!
– Somente Deus pode salvá-la!
– Deus? Onde está Deus? Nunca pensei nele.
E a seguir dizia a Júlia, sua mulher, pálida, mas cada vez mais bela, bela como a beleza da iminente morte:
– Onde está Deus, Júlia?
E ela, assinalando com o olhar para o alto, ficando assim com os olhos quase brancos, lhe disse com um fio de voz:
– Aí você o tem!
Alejandro olhou para o crucifixo, que estava à cabeceira da cama de sua mulher, apanhou-o e, apertando-o na palma da mão, dizia-lhe: “Salve-a, salve-a, e peça tudo, tudo, tudo; minha fortuna toda, meu sangue todo, eu todo... todo eu”.
Júlia sorria. Aquele furor cego de seu marido estava enchendo sua alma com uma luz muito doce. Que feliz era, afinal! E chegou a duvidar de que aquele homem a amasse?
E a pobre mulher ia perdendo a vida gota a gota. Estava fria e da cor do mármore. Então o marido se deitou com ela e a abraçou fortemente, e queria dar-lhe todo seu calor, o calor que fugia da infeliz. E quis dar-lhe seu alento. Estava feito um louco. E ela sorria.
– Estou morrendo, Alejandro, estou morrendo.
– Não, não está – dizia-lhe ele –, você não pode morrer!
– Por acaso sua mulher não pode morrer?
– Não, minha mulher não pode morrer. Antes morro eu. Vamos, que venha a morte, que venha. A mim! Que ela venha a mim! Que venha!
– Ai, Alejandro, agora acho que o sofrimento todo foi merecido...! E eu que duvidava que você me amava...!
– E não, não amava, não! Isso de amar, já disse mil vezes a você, Júlia, são bobagens de livros. Não amava, não! Amor... amor! E esses miseráveis covardes, que falam de amor, deixam que suas mulheres morram. Não, não é amor... não amo você...
– Mas, então o que é? – perguntou Júlia com o mais fino fio de sua voz, voltando a ser presa de sua velha angústia.
– Não, não amo... Eu... eu... eu..., não há palavras! – explodiu em soluços secos, em soluços que pareciam um estertor, um estertor de dor e de amor selvagem.
– Alejandro!
E neste débil apelo havia todo o triste júbilo do triunfo.
– Mas não, você não vai morrer; não pode morrer; não quero que morra! Mate-me, Júlia, e viva! Vamos, mate-me, mate-me!
– Sim, estou morrendo...
– E eu com você!
– E o menino, Alejandro?
– Que morra também. Para que o quero sem você?
– Pelo amor de Deus, Alejandro, você está louco...
– Sim, eu, eu sou o louco; eu é que estive sempre louco..., louco por você, Júlia, louco por você... Eu, eu, o louco. E mate-me, leve-me com você!
– Se pudesse...
– Mas não, mate-me e viva, e seja sua...
– E você?
– Eu? Se não posso ser seu, que seja da morte!
E a apertava mais e mais, querendo retê-la.
– Bem, finalmente, diga-me, quem é você, Alejandro? – perguntou-lhe ao ouvido Júlia.
– Eu? Nada mais que seu homem..., aquele em que você me transformou!
Esse nome soou como um sussurro de além da vida, como se viesse das margens da vida, quando a barca parte para o lago tenebroso.
Pouco depois Alejandro sentiu que em seus braços de atleta tinha apenas um despojo. Em sua alma era noite fechada e fria. [...] Fonte: Unamuno, M. 1995 [1920]. Três novelas exemplares e um prólogo. SP, Nova Alexandria.
Na haste hierática e vertical pompeia. Sobe para a luz e para o alto a flor...
Ainda não.
Veio de longe Muda viajeira dentro de um plástico esquecida. Nem cuidados dei à grande e rude matriz fecundada. Apanhada num monte de entulho de lixeira.
“Cebola brava” na botânica sapiente de seu Vicente. Oitenta e alguns avos de enxada e terra. Sabedoria agra. Afilhado do Padim Cícero. Menosprezo pelas “flores”: “De que val’isso?” Displicente, exato, irredutível.
E eu, meu Deus, extasiada, vendo, sentindo e acompanhando, fremente, aquela inesperada gestação.
– Um bulbo, tubérculo, célula de vida rejeitada, levada na hora certa à maternidade da terra.
A Flor...
Ainda não. Espátula. Botão hígido, encerrado, hermético, inviolado no seu mistério. Tenro vegetal, túmido de seiva. Promessa, encantamento. Folhas longas, espalmadas. Espadins verdes montando guarda.
A expectativa, o medo. Aquele caule frágil ser quebrado no escuro da noite. O vento, a chuva, o granizo. A irreverência gosmenta de um verme rastejante. O imprevisto atentado de alheia mão consciente ou não.
Alerta. Insone. Madrugadora.
Na manhã mal nascida, toda em rendas cor-de-rosa, túrgida de luz, ao sol rascante do meio-dia. No silêncio serenado da noite eu, partejando o nascer da flor, que ali vem na clausura uterina de um botão. Rombóide.
Para a Flor...
Chamei a tantos... Indiferentes, alheios, ninguém sentiu comigo o mistério daquela liturgia floral. Encerrada na custódia do botão, ela se enfeita para os esponsais do sol. Ela se penteia, se veste nupcial para o esplendor de sua efêmera vida vegetal.
Na minha aflita vigília pergunto: – De que cor será a flor?
Chamo e conclamo de alheias distâncias alheias sensibilidades. Ninguém responde. Ninguém sente comigo aquele mistério oculto aquele sortilégio a se quebrar.
Afinal a Flor...
Do conúbio místico da terra e do sol – a eclosão. Quatro lírios semi-abertos, apontando os pontos cardeais no ápice da haste. Vara florida de castidade santa. Cetro heráldico. Emblema litúrgico de algum príncipe profeta bíblico egresso das páginas sagradas do Livro dos Reis ou do Habacuc.
E foi assim que eu vi a flor. Fonte: Coralina, C. 2004. Melhores poemas, 2ª edição. SP, Global.
É tão visível a decadência nas artes plásticas que, nas exposições, as poucas pessoas que olham os quadros com atenção estão apenas querendo que todo mundo veja que elas estão olhando os quadros com atenção. Fonte: Fernandes, M. 1986 [1973]. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr, 4ª edição. RJ, Nórdica.
Sobre um mar de rosas que arde Em ondas fulvas, distante, Erram meus olhos, diamante, Como as naus dentro da tarde.
Asas no azul, melodias, E as horas são velas fluidas Da nau em que, oh! alma, descuidas das esperanças tardias. Fonte: Moriconi, I. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema originalmente publicado em 1912.
Procuro a minha voz e não a encontro. Procuro o meu silêncio e não o tenho. Ao desencontro vem o desencontro, do maior ao menor é o meu tamanho.
No alto das esferas rolam as esferas, ermo adormecido, doida escuridão. Procuro ali a voz e não a encontro. Procuro o meu silêncio e não mo dão.
A espaços vi tão perto o meu querer, a dúvida desfeita, puro abraço, que logo pensei eu que a voz viesse ou chegasse o silêncio ao meu cansaço.
Mas não. No grande desencanto (e frio) em que na rua, gasto, me detenho, procuro a minha voz e não a encontro, procuro o meu silêncio e não tenho. Fonte: Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema originalmente publicado em 1960.
Para o nosso primeiro contato com o Universo, devemos procurar locais livres de obstáculos que nos impeçam de observar o céu em toda a sua amplitude, de uma lado ao outro do horizonte. Longe das luzes ofuscantes da cidade, o que só podemos obter nas fazendas ou acampamentos afastados dos grandes centros urbanos, nas noites límpidas, sem lua e nebulosidade, poderemos assistir a um dos espetáculos mais indescritíveis: toda a abóbada celeste estrelada. Diante deste irresistível panorama devemos inicialmente sentir um profundo sentimento de humildade, imaginando a beleza e a incomensurabilidade do Universo com a sua incontável quantidade de estrelas. [...]
Para compreender os movimentos do céu sem nenhum instrumento astronômico, convém ficar, se possível durante algumas horas – à noite –, observando os deslocamentos das estrelas. Além da esteira leitosa – a Via Láctea – que atravessa o céu, irão surgir subitamente um ou mais riscos luminosos – os meteoros – cortando o fundo azul-escuro da imensa cúpula salpicada de pontos luminosos – as estrelas. Todos esses belos e indescritíveis fenômenos não deverão perturbar nossa observação relativa ao lento deslocamento dos astros. [...]
Dessa observação a olho nu podemos constatar os seguintes fatos:
1. As estrelas aparecem do lado leste do horizonte e deslocam-se paralelamente no céu em direção ao lado oeste, onde desaparecem. [...]
2. Observando sempre num mesmo lugar, o observador verá que uma mesma estrela aparece e desaparece todos os dias em uma mesmo ponto no horizonte. [...]
Todavia, de um dia para o outro, o nosso observador irá notar que uma mesma estrela aparece e desaparece quatro minutos mais cedo. [...]
Por esse motivo, se observarmos o céu sempre à mesma hora, veremos que seu aspecto se modificará: algumas estrelas deixarão de ser vistas e outras surgirão. Num intervalo de seis meses, se observamos o céu numa mesma hora e num mesmo local, todas as constelações visíveis serão diferentes. [...] Fonte: Mourão, R. R. F. 1998. Manual do astrônomo, 3a edição. RJ, Jorge Zahar.
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; Nem posso tolerar os livros mais bizarros. Incrível! Já fumei três maços de cigarros Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos: Tanta depravação nos usos, nos costumes! Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes; Sofre de faltas de ar; morreram-lhe os parentes E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica. Lidando sempre! E deve conta na botica! Mal ganha para sopas...
O obstáculo estimula, torna-nos perversos; Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, Por causa dum jornal me rejeitar, há dias, Um folhetim de versos.
Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta No fundo da gaveta. O que produz o estudo? Mais duma redacção, das que elogiam tudo, Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa Vale um desdém solene.
Com raras excepções, merece-me o epigrama. Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo, Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas, Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas. Independente! Só por isso os jornalistas Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénuo os abandone, Se forem publicar tais coisas, tais autores. Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa, Obtém dinheiro, arranja a sua coterie; E a mim, não há questão que mais me contrarie Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimentos finos; Eu raramente falo aos nossos literatos, E apuro-me em lançar originais e exactos, Os meus alexandrinos...
E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso! Ignora que a asfixia a combustão das brasas, Não foge do estendal que lhe humedece as casas, E fina-se ao desprezo!
Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova. Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente, Oiço-a cantarolar uma canção plangente Duma opereta nova!
Perfeitamente. Vou findar sem azedume. Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas, Conseguirei reler essas antigas rimas, Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras; Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague, E esta poesia pede um editor que pague Todas as minhas obras...
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha? A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia? Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia... Que mundo! Coitadinha! Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Poema originalmente publicado em 1876.
O sol naquele dia se esparramava como um ventre Sangrando lentamente sobre o céu maternal A luz é minha mãe ó luz sangrenta As nuvens corriam como um fluxo menstrual
Na encruzilhada onde nenhuma flor a não ser a rosa Dos ventos mas sem espinho pode no inverno florescer Merlim vigiava a vida e a eterna causa Que faz morrer e depois o universo renascer
Uma velha sobre uma mula de verde coberta Veio acompanhando a margem fluvial E o antigo Merlim na planície deserta Batia no peito exclamando Rival
O meu ser gelado cujo destino me oprime Neste sol de carne que treme queres ver Minha Memória chegar e amar-me minha igual E que filho infeliz e belo eu quero ter
Seu gesto fez cair o orgulho dos cataclismas O sol dançando remexia o umbigo E de repente a primavera de amor e heroísmos Trouxe um jovem dia de abril comigo
Os caminhos que vêm do oeste eram cobertos De ossadas de ervas densas de destinos e flores De tremidos monumentos com cadáveres verdes perto Quando os ventos traziam pêlos e desgraças
Deixando a sua mula devagar chegou a amante A pequenos golpes de vento desamassava sua roupa de cor E os pálidos amantes juntaram suas mãos dementes A união de seus dedos foi o único ato de amor
Ela bailou imitando um ritmo de festança Gritando faz cem anos que espero o teu apelo Os astros da tua vida influíam na minha dança Morgana contemplava do alto do monte Gibelo
Ah! como é doce dançar quando para você se declara Uma miragem onde tudo canta e os ventos de horror Fingem ser o riso da lua clara E espantar os fantasmas com furor
Fiz gestos brancos longe das multitudes As almas dos mortos corriam os pesadelos povoar-te Minhas vertigens exprimiam as beatitudes Que são todas nada mais que puro efeito da Arte
Nunca colhi senão a flor do espinheiro Nas primaveras findas que queriam fenecer Quando as aves de rapina do natimorto cordeiro Clamavam o roubo e de crianças-deuses que vão morrer
E envelheci viste durante a tua vida danço Mas eu cansaria cedo e o espinheiro em flor Este abril teria a pobre confidência De um corpo de velha morta imitando a dor
E suas mãos subiam como um vôo de pomba Claridade sobre a qual a noite caiu feito um condor E Merlim foi para leste dizendo: Que ele tomba O filho da Memória igual ao Amor
Que suba do barro ou seja sombra de homem Ele será meu filho minha obra imortal A fronte ornada de fogo no caminho de Roma Ele andará sozinho olhando o céu de cristal
A dama que me espera se chama Viviane E venha a primavera das novas dores Deitado na tussilagem e na manjerona Me eternizarei sob os espinheiros em flores Fonte: Apollinaire. 2005. Álcoois e outros poemas. SP, Martin Claret. Poema originalmente publicado em 1912.
Acenam gratuitamente no vazio os fios finos acima destas luzes, luzes-pó-corais-rubis-minutos.
Pedaços de cristais verdes-vermelhos brancos-azuis-rosas-negritos cruzam linhas de um tecido breve formalizando o movimento, o projetar-se da borboleta entre os campos-pôr-de-sol.
Leve pousa levemente a borboleta e se lhe descem os caules alongados quebram-lhe a espinha, dilaceram-lhe o corpo, repartem suas asas, bebem-lhe a seiva e o jardim se acalma quando a noite entra. Fonte: Maia, J. D. 1996. A mulher escrita. RJ, Thex.