[...] Se você parte da noção de que uma pessoa tem duas crenças ou dois itens cognitivos que não se adaptam, começará a haver um processo que tenta mudar um ou outro para que se adaptem melhor. É fácil fazer a pergunta, o que acontece se as duas peças de informação que estão em relação dissonante uma com a outra forem muito resistentes à mudança? Ocorreu-nos naquela época que alguns exemplos fascinantes deste tipo de fato podem ser encontrados em movimentos históricos onde grupos de pessoas estavam predizendo o fim do mundo e a segunda vida de Cristo. Se você realmente acredita que a segunda vinda está próxima e que o mundo, como ele existe hoje, está se aproximando do fim, você não vai enfrentar a sua vida de uma maneira normal. Os bens materiais não significam nada, os negócios não são mais importantes, você apenas se prepara para a segunda vinda. Começamos olhando para estes movimentos históricos. Muitos deles prediziam um dia específico para o fim, e quando o fato não ocorre estas pessoas ficam com uma dissonância muito grande entre o seu sistema de fé e o seu comportamento de um lado, e o fato de a predição não ser verdadeira de outro. Elas têm uma evidência indiscutível de que o seu sistema de fé estava errado. Todavia, é muito difícil para elas mudar seu sistema de fé porque estão comprometidas com ele por todo o seu comportamento, o que não pode ser anulado. Um modo de reduzir a dissonância seria sair e persuadir mais pessoas de que o sistema de fé está correto – talvez apenas esta pequena predição estivesse um tanto errada – mas o sistema de fé geral é correto. Assim, estas não-confirmações do sistema de fé poderiam conduzir a esforços maiores de proselitismo. E em todos os movimentos históricos que encontramos parece que foi isso que aconteceu. Depois, achamos por acaso este pequeno artigo de jornal a respeito de um grupo que estava predizendo uma data e uma hora específica para o fim do mundo – não um grupo milenar no sentido tradicional, mas eles estavam predizendo que o mundo seria destruído por uma enchente numa data específica. Na esperança de que isso não iria ocorrer, achamos que poderíamos ter pela frente um estudo vivo e ver se havia um aumento do proselitismo depois da não-confirmação. Foi por isso que fizemos o estudo, e de fato foi isto que aconteceu.
No fim de março de 1743, depois de passar seis meses num deserto em Tarqui, perto de Cuenca, no Peru, ocupado noite e dia em lutar contra um céu pouco favorável à astronomia, recebi do sr. [Pierre] Bouguer a comunicação de que ele fizera perto de Quito, na extremidade setentrional do nosso meridiano, diversas observações de uma estrela situada entre nossos dois zênites, várias delas nas mesmas noites em que eu a observara por meu lado, na extremidade austral da mesma linha. Com essas observações simultâneas, cuja importância eu assinalara com muita insistência, havíamos adquirido a singular vantagem de poder concluir diretamente, e sem nenhuma hipótese, a verdadeira amplitude de um arco de 3º do meridiano, cujo comprimento conhecíamos geometricamente, e de tirar essa conclusão sem ter nada a temer das variações, quer ópticas, quer reais e até desconhecidas, nos movimentos da estrela, uma vez que essa amplitude fora apreendida no mesmo instante pelos dois observadores, nas duas extremidades do arco. Ao voltar à Europa alguns meses antes de mim, o sr. Bouguer participou nosso resultado na última assembléia pública. Esse resultado está de acordo com o das operações feitas no círculo polar. Não está menos de acordo com as últimas, executadas na França, e todas conspiram para fazer da Terra um esferóide achatado nos pólos. [...]
Fonte: La Condamine, C.-M. 1992 [1745]. Viagem pelo Amazonas: 1735-1745. RJ & SP, Nova Fronteira & Edusp.
When I first came to town All the people gathered round They bought me drinks Lord, how they quickly changed their tune
When I first came to town People took me round from end to end Like someone may take round a friend O how quickly they changed their tune
Suspicion and dark murmurs surround me Everywhere I go they confound me As though the blood on my hands Is there for every citizen to see
O sweet Jesus There is no turning back There is always one more town A little further down the track
And from my window, across the tracks I watch the juicers burn their fires And in that light Their faces leer at me How I wish they’d just let me be
When I first came to town Their favours were for free Now even the doors of the whores of this town Are closed to me
I search the mirror And I try to see Why the people of this town Have washed their hands of me
O sweet Jesus […]
O lord, every god-damn turn I take I fear the noose, I fear the stake For there is no bone They did not break In all the towns I’ve been before
Well those that sin against me are snuffed out I know from every day that I live God-damn the day that I was born The night that forced me from the womb And god-damn this town For I am leaving now But one day I will return And the people of this town will surely see Just how quickly the tables turn
O sweet Jesus This really is the end There is always one more town A little further round the end
Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Henry’s dream (1992), de Nick Cave & The Bad Seeds.
Eles tomam cerveja, ambrosia, licores oleosos, sagrados como discos lunares. Do azul da gravata ou da fímbria das ondas retiram pensamentos ociosos e puros.
Recolhem-se de noite às oliveiras mansas duma infância passada em louco desafio. Ou então, nos portais, em amoroso convívio, fingem que já não temem a noite nem o frio.
Já não têm família e mastigam, sozinhos, um jovial jantar, colorido e minúsculo, que haviam de comer, num domingo qualquer, entre amigos cantando, ente mulheres amando.
Têm as caudas leves e subtis dum peixe, têm um planeta adormecido e exangue, têm os olhos líquidos, de asfódelo ou de cobre, esses seres mitológicos que asfixiam a Terra.
São eles que caminham, irreais e aos tombos, pondo nódoas de espanto por cima dos telhados. Eles é que me deram o título deste poema: A Cidade Está Cheia de Homens Assassinados.
Fonte: Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema originalmente publicado em 1955, com a dedicatória “Ao Sebastião Fonseca”. Para ler um poema de Cesário Verde, clique aqui.
Cresci sob uma cerejeira num recanto do quintal e as fogueiras que ateei foram as medrosas fogueiras de quem teme a chama e o fulgor da chama, de quem receia o lume e a cinza, que vem depois do lume. Acocorei-me à espera que alguém viesse libertar-me, que eu estava cativo dos mistérios da seiva e as minhas pernas eram raízes e os meus braços ramos entrelaçados noutros ramos. Foi ao crepúsculo que li a minha sina numa caixa arrecadada entre folhas e frutos: seria tudo o que quisesse, menos ditador de leis ou fazedor de pontes, que a única e arqueada ponte que vai de mim à felicidade ruiu arrastada pelo vento, minada pela doença da pedra.
Nesta terça-feira, 12/4, o Poesia contra a guerra completa quatro anos e meio no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 126.607 visitas haviam sido registradas nesse período.
Desde o balanço mensal anterior – Quatro anos e cinco meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Adauto, Berdell R. Funke, Brasil Pinheiro Machado, Christine L. Case, Elvis Costello, Gerard J. Tortora, Guttemberg Guarabyra, Joe Schwarcz, Luís Miguel Nava, Paul Strathern, Richard Strauss, Sidney Sheldon e Wlademir Dias-Pino. Além de outros autores que já haviam sido publicados antes.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Émile Friant e Frederic Leighton.
[...] A suprema importância da teoria atômica de Dalton foi rapidamente reconhecida em todo o mundo científico. Exceto por uma série de conferências públicas ministradas em seu costumeiro estilo desenxabido, Dalton continuou a viver uma simples vida quacre em Manchester, esquivando-se a honras públicas. Mas estas foram despejadas sobre ele, quer as quisesse ou não. Foi eleito para a Royal Society secretamente, contra seus desejos expressos. A filiação a instituições como essa era contrária à sua religião. As notificações que o correio trazia de sua eleição para academias prestigiosas de toda a Europa ficavam sem resposta.
Mundialmente famoso apesar de todas as suas tentativas de evitar esse infortúnio, Dalton finalmente morreu em 1844, aos 67 anos. Seu desejo de um funeral quacre simples atraiu mais de 4.000 pranteadores e uma centena de carruagens. A Grã-Bretanha ingressara na era vitoriana: a respeitabilidade, a reverência por celebridades e cerimônias pias (especialmente funerais) eram elementos centrais do etos da classe média ascendente. Além disso, durante a Revolução Industrial, Manchester deixara de ser uma cidadezinha mercantil para se tornar a segunda maior cidade da Grã-Bretanha: o centro de sua indústria manufatureira, com uma população de mais de um terço de um milhão. (Londres, na sua época a maior cidade do mundo, tinha uma população de cerca de dois milhões. Contudo, Manchester era a principal cidade em mais um sentido: foi o primeiro lugar da Terra a crescer aceleradamente, transformando-se numa enorme área urbana caoticamente espalhada, em conseqüência do rápido crescimento industrial – um fenômeno que iria se disseminar por todo o globo durante o século seguinte.)
O funeral de Dalton foi uma celebração de orgulho cívico, e também da ciência que havia tornado isso possível. Também a ciência se tornara respeitável, até meritória. Um dos desejos de Dalton, contudo, foi respeitado. Seus olhos foram preservados na esperança de que um dia seria descoberta a causa de sua cegueira para cores. Passados 150 anos da sua morte, amostras de DNA mostraram que ele não possuía os genes que produzem o pigmento sensível ao verde em olhos normais. [...]
Fonte: Strathern, P. 2002. O sonho de Mendeleiev. RJ, Jorge Zahar.
Eram as únicas mulheres do grande grupo de residentes do primeiro ano, reunidos no auditório escuro do Hospital Público Embarcadero.
O Embarcadero era o hospital mais antigo de São Francisco e um dos mais antigos dos Estados Unidos. Durante o terremoto de 1989, Deus fizera uma brincadeira com os habitantes de São Francisco e deixara o hospital intacto. Era um complexo horrível, ocupando mais de três quarteirões, com prédios de tijolos e pedras, cinzentos da fuligem acumulada ao longo dos anos.
Logo depois da entrada do prédio principal, havia uma enorme sala de espera com bancos de madeira para pacientes e visitantes. Nas paredes, as muitas décadas de camadas de tinta descascavam, os corredores eram desgastados pela passagem de milhares de pacientes em cadeiras de rodas, muletas e macas. Todo o complexo estava coberto pela pátina cediça do tempo. [...]
Fonte: Sheldon, S. 2010 [1994]. Nada dura para sempre, 8ª edição. RJ, BestBolso.
Meu copo é cheio de um vinho que treme como chama Escutem a canção lenta do bateleiro que chama E conta ter visto sob a lua sete mulheres até Torcendo os cabelos verdes e longos até o pé
Levantem cantem mais alto rodando tanto Que eu não ouça mais do bateleiro o canto E ponham perto de mim todas as louras fadas De olhar imóvel e tranças dobradas
O Reno o Reno é bêbado onde a vinha se mira Todo o ouro das noites tremendo lá se admira A voz canta sempre até que morrerão Estas fadas de cabelos verdes que encantam o verão
Meu copo se estilhaçou como um riso
Fonte: Apollinaire. 2005. Álcoois e outros poemas. SP, Martin Claret. Poema publicado em livro em 1913.
No início do expediente desta sexta-feira, o Poesia contra a guerra ultrapassou a marca das 125 mil visitas. Do balanço numérico anterior – ver ‘Cem mil visitas’, em 10/6/2010 – até ontem (31/3) ocorreram em média pouco mais de 84 visitas/dia. O recorde positivo de visitantes únicos em um só dia permanece em 185, alcançado em 4/6/2008.