30 abril 2011

Horóscopo

André Gill

Malgrado o pranto que macera
Tua mãe, rapaz destemeroso,
Tu o queres, teu braço é nervoso,
Vem combater contra a quimera!

Gasta a vida em lide severa,
Seja o entusiasmo o teu só gozo
Bebe até o fim o copo amargoso,
Encanece na ardente espera!

Luta e, isolado, sofre e pensa!
Guarda-te a sorte em recompensa,
O desdém do asno consagrado,

Um coração puro e olhos cheios
De ternura para, enlevado,
Sorrires aos filhos alheios.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. André Gill é pseudônimo de Louis-Alexandre Gosset de Guines.

28 abril 2011

Aos velhos tempos passados

Robert Burns

[Coro]
Pelos velhos tempos passados, meu amigo,
Pelos bons tempos passados,
Beberemos mais um copo em lembrança
Pelos velhos tempos passados!

1.
Deveríamos esquecer os velhos amigos,
E nunca mais os relembrar?
Deveríamos esquecer os velhos amigos
De muito tempo passado!

2.
Certamente pagarás tua rodada de cerveja
E eu pagarei a minha,
E ainda beberemos à saúde dos amigos
Pelos velhos tempos passados!

3.
Nós dois corremos pelos morros
E colhemos belas margaridas,
Mas depois andamos muitas milhas
Desde os velhos tempos passados.

4.
Nós dois atravessamos os riachos
De manhã cedo até a noitinha,
Mas entre nós se ergueram mares bravios
Desde os velhos tempos passados.

5.
E aqui está minha mão, fiel amigo,
E dá-me também a tua,
E tomaremos um belo trago
Pelos velhos tempos passados!

[Coro]
Pelos velhos tempos passados, meu amigo
Pelos bons tempos passados,
Beberemos mais um copo em lembrança
Pelos velhos tempos passados.

Fonte: Burns, R. 1994. 50 poemas. RJ, Relume-Dumará. Letra publicada em 1796.

26 abril 2011

Dissonância cognitiva

Leon Festinger

[...] Se você parte da noção de que uma pessoa tem duas crenças ou dois itens cognitivos que não se adaptam, começará a haver um processo que tenta mudar um ou outro para que se adaptem melhor. É fácil fazer a pergunta, o que acontece se as duas peças de informação que estão em relação dissonante uma com a outra forem muito resistentes à mudança? Ocorreu-nos naquela época que alguns exemplos fascinantes deste tipo de fato podem ser encontrados em movimentos históricos onde grupos de pessoas estavam predizendo o fim do mundo e a segunda vida de Cristo. Se você realmente acredita que a segunda vinda está próxima e que o mundo, como ele existe hoje, está se aproximando do fim, você não vai enfrentar a sua vida de uma maneira normal. Os bens materiais não significam nada, os negócios não são mais importantes, você apenas se prepara para a segunda vinda. Começamos olhando para estes movimentos históricos. Muitos deles prediziam um dia específico para o fim, e quando o fato não ocorre estas pessoas ficam com uma dissonância muito grande entre o seu sistema de fé e o seu comportamento de um lado, e o fato de a predição não ser verdadeira de outro. Elas têm uma evidência indiscutível de que o seu sistema de fé estava errado. Todavia, é muito difícil para elas mudar seu sistema de fé porque estão comprometidas com ele por todo o seu comportamento, o que não pode ser anulado. Um modo de reduzir a dissonância seria sair e persuadir mais pessoas de que o sistema de fé está correto – talvez apenas esta pequena predição estivesse um tanto errada – mas o sistema de fé geral é correto. Assim, estas não-confirmações do sistema de fé poderiam conduzir a esforços maiores de proselitismo. E em todos os movimentos históricos que encontramos parece que foi isso que aconteceu. Depois, achamos por acaso este pequeno artigo de jornal a respeito de um grupo que estava predizendo uma data e uma hora específica para o fim do mundo – não um grupo milenar no sentido tradicional, mas eles estavam predizendo que o mundo seria destruído por uma enchente numa data específica. Na esperança de que isso não iria ocorrer, achamos que poderíamos ter pela frente um estudo vivo e ver se havia um aumento do proselitismo depois da não-confirmação. Foi por isso que fizemos o estudo, e de fato foi isto que aconteceu.

Fonte: Evans, R. I. 1979 [1976]. Construtores da psicologia. SP, Summus & Edusp.

24 abril 2011

Tarde de agosto


Childe Hassam (1859-1935). August afternoon, Appledore. 1900.

Fonte: Wikipedia.

22 abril 2011

Viagem pelo Amazonas

Charles-Marie de La Condamine

No fim de março de 1743, depois de passar seis meses num deserto em Tarqui, perto de Cuenca, no Peru, ocupado noite e dia em lutar contra um céu pouco favorável à astronomia, recebi do sr. [Pierre] Bouguer a comunicação de que ele fizera perto de Quito, na extremidade setentrional do nosso meridiano, diversas observações de uma estrela situada entre nossos dois zênites, várias delas nas mesmas noites em que eu a observara por meu lado, na extremidade austral da mesma linha. Com essas observações simultâneas, cuja importância eu assinalara com muita insistência, havíamos adquirido a singular vantagem de poder concluir diretamente, e sem nenhuma hipótese, a verdadeira amplitude de um arco de 3º do meridiano, cujo comprimento conhecíamos geometricamente, e de tirar essa conclusão sem ter nada a temer das variações, quer ópticas, quer reais e até desconhecidas, nos movimentos da estrela, uma vez que essa amplitude fora apreendida no mesmo instante pelos dois observadores, nas duas extremidades do arco. Ao voltar à Europa alguns meses antes de mim, o sr. Bouguer participou nosso resultado na última assembléia pública. Esse resultado está de acordo com o das operações feitas no círculo polar. Não está menos de acordo com as últimas, executadas na França, e todas conspiram para fazer da Terra um esferóide achatado nos pólos. [...]

Fonte: La Condamine, C.-M. 1992 [1745]. Viagem pelo Amazonas: 1735-1745. RJ & SP, Nova Fronteira & Edusp.

20 abril 2011

When I first came to town

Nick Cave

When I first came to town
All the people gathered round
They bought me drinks
Lord, how they quickly changed their tune

When I first came to town
People took me round from end to end
Like someone may take round a friend
O how quickly they changed their tune

Suspicion and dark murmurs surround me
Everywhere I go they confound me
As though the blood on my hands
Is there for every citizen to see

O sweet Jesus
There is no turning back
There is always one more town
A little further down the track

And from my window, across the tracks
I watch the juicers burn their fires
And in that light
Their faces leer at me
How I wish they’d just let me be

When I first came to town
Their favours were for free
Now even the doors of the whores of this town
Are closed to me

I search the mirror
And I try to see
Why the people of this town
Have washed their hands of me

O sweet Jesus […]

O lord, every god-damn turn I take
I fear the noose, I fear the stake
For there is no bone
They did not break
In all the towns I’ve been before

Well those that sin against me are snuffed out
I know from every day that I live
God-damn the day that I was born
The night that forced me from the womb
And god-damn this town
For I am leaving now
But one day I will return
And the people of this town will surely see
Just how quickly the tables turn

O sweet Jesus
This really is the end
There is always one more town
A little further round the end

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Henry’s dream (1992), de Nick Cave & The Bad Seeds.

17 abril 2011

Para um novo livro de Cesário Verde

Raul de Carvalho

Eles tomam cerveja, ambrosia, licores
oleosos, sagrados como discos lunares.
Do azul da gravata ou da fímbria das ondas
retiram pensamentos ociosos e puros.

Recolhem-se de noite às oliveiras mansas
duma infância passada em louco desafio.
Ou então, nos portais, em amoroso convívio,
fingem que já não temem a noite nem o frio.

Já não têm família e mastigam, sozinhos,
um jovial jantar, colorido e minúsculo,
que haviam de comer, num domingo qualquer,
entre amigos cantando, ente mulheres amando.

Têm as caudas leves e subtis dum peixe,
têm um planeta adormecido e exangue,
têm os olhos líquidos, de asfódelo ou de cobre,
esses seres mitológicos que asfixiam a Terra.

São eles que caminham, irreais e aos tombos,
pondo nódoas de espanto por cima dos telhados.
Eles é que me deram o título deste poema:
A Cidade Está Cheia de Homens Assassinados.

Fonte: Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema originalmente publicado em 1955, com a dedicatória “Ao Sebastião Fonseca”. Para ler um poema de Cesário Verde, clique aqui.

15 abril 2011

Cresci sob uma cerejeira num recanto do quintal

José Jorge Letria

Cresci sob uma cerejeira num recanto do quintal
e as fogueiras que ateei foram as medrosas fogueiras
de quem teme a chama e o fulgor da chama, de quem receia o lume
e a cinza, que vem depois do lume. Acocorei-me à espera
que alguém viesse libertar-me, que eu estava cativo
dos mistérios da seiva e as minhas pernas eram raízes
e os meus braços ramos entrelaçados noutros ramos.
Foi ao crepúsculo que li a minha sina numa caixa
arrecadada entre folhas e frutos: seria tudo
o que quisesse, menos ditador de leis ou fazedor de pontes,
que a única e arqueada ponte que vai de mim à felicidade
ruiu arrastada pelo vento, minada pela doença da pedra.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1991.

13 abril 2011

Beleza clássica


John William Godward (1861-1922). A classical beauty. 1892.

Fonte da foto: Art Renewal Center.

12 abril 2011

Quatro anos e meio no ar

F. Ponce de León

Nesta terça-feira, 12/4, o Poesia contra a guerra completa quatro anos e meio no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 126.607 visitas haviam sido registradas nesse período.

Desde o balanço mensal anterior – Quatro anos e cinco meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Adauto, Berdell R. Funke, Brasil Pinheiro Machado, Christine L. Case, Elvis Costello, Gerard J. Tortora, Guttemberg Guarabyra, Joe Schwarcz, Luís Miguel Nava, Paul Strathern, Richard Strauss, Sidney Sheldon e Wlademir Dias-Pino. Além de outros autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Émile Friant e Frederic Leighton.

10 abril 2011

Uma fórmula para a química

Paul Strathern

[...]
A suprema importância da teoria atômica de Dalton foi rapidamente reconhecida em todo o mundo científico. Exceto por uma série de conferências públicas ministradas em seu costumeiro estilo desenxabido, Dalton continuou a viver uma simples vida quacre em Manchester, esquivando-se a honras públicas. Mas estas foram despejadas sobre ele, quer as quisesse ou não. Foi eleito para a Royal Society secretamente, contra seus desejos expressos. A filiação a instituições como essa era contrária à sua religião. As notificações que o correio trazia de sua eleição para academias prestigiosas de toda a Europa ficavam sem resposta.

Mundialmente famoso apesar de todas as suas tentativas de evitar esse infortúnio, Dalton finalmente morreu em 1844, aos 67 anos. Seu desejo de um funeral quacre simples atraiu mais de 4.000 pranteadores e uma centena de carruagens. A Grã-Bretanha ingressara na era vitoriana: a respeitabilidade, a reverência por celebridades e cerimônias pias (especialmente funerais) eram elementos centrais do etos da classe média ascendente. Além disso, durante a Revolução Industrial, Manchester deixara de ser uma cidadezinha mercantil para se tornar a segunda maior cidade da Grã-Bretanha: o centro de sua indústria manufatureira, com uma população de mais de um terço de um milhão. (Londres, na sua época a maior cidade do mundo, tinha uma população de cerca de dois milhões. Contudo, Manchester era a principal cidade em mais um sentido: foi o primeiro lugar da Terra a crescer aceleradamente, transformando-se numa enorme área urbana caoticamente espalhada, em conseqüência do rápido crescimento industrial – um fenômeno que iria se disseminar por todo o globo durante o século seguinte.)

O funeral de Dalton foi uma celebração de orgulho cívico, e também da ciência que havia tornado isso possível. Também a ciência se tornara respeitável, até meritória. Um dos desejos de Dalton, contudo, foi respeitado. Seus olhos foram preservados na esperança de que um dia seria descoberta a causa de sua cegueira para cores. Passados 150 anos da sua morte, amostras de DNA mostraram que ele não possuía os genes que produzem o pigmento sensível ao verde em olhos normais.
[...]

Fonte: Strathern, P. 2002. O sonho de Mendeleiev. RJ, Jorge Zahar.

08 abril 2011

Espanhola

Guttemberg Guarabyra

Por tantas vezes
Eu andei mentindo
Só por não poder
Te ver chorando

Te amo espanhola
Te amo espanhola
Se for chorar te amo

Sempre assim
Cai o dia e é assim
Cai a noite e é assim
Essa lua sobre mim
Essa fruta sobre o meu paladar

E nunca mais
Quero ver você me olhar
Sem me entender em mim
Eu preciso lhe falar
Eu preciso eu tenho
Que lhe contar

Te amo espanhola
Te amo espanhola
Pra que chorar te amo

Fonte: encarte que acompanho o LP do álbum Nascente (1981), de Flávio Venturini. Canção originalmente gravada em 1977.

06 abril 2011

Nada dura para sempre

Sidney Sheldon

Livro 1
1.
São Francisco
Julho de 1990
– Hunter, Kate.
– Presente.
– Taft, Betty Lou.
– Presente.
– Taylor, Paige.
– Presente.

Eram as únicas mulheres do grande grupo de residentes do primeiro ano, reunidos no auditório escuro do Hospital Público Embarcadero.

O Embarcadero era o hospital mais antigo de São Francisco e um dos mais antigos dos Estados Unidos. Durante o terremoto de 1989, Deus fizera uma brincadeira com os habitantes de São Francisco e deixara o hospital intacto. Era um complexo horrível, ocupando mais de três quarteirões, com prédios de tijolos e pedras, cinzentos da fuligem acumulada ao longo dos anos.

Logo depois da entrada do prédio principal, havia uma enorme sala de espera com bancos de madeira para pacientes e visitantes. Nas paredes, as muitas décadas de camadas de tinta descascavam, os corredores eram desgastados pela passagem de milhares de pacientes em cadeiras de rodas, muletas e macas. Todo o complexo estava coberto pela pátina cediça do tempo.
[...]

Fonte: Sheldon, S. 2010 [1994]. Nada dura para sempre, 8ª edição. RJ, BestBolso.

04 abril 2011

Noite renana

Guillaume Apollinaire

Meu copo é cheio de um vinho que treme como chama
Escutem a canção lenta do bateleiro que chama
E conta ter visto sob a lua sete mulheres até
Torcendo os cabelos verdes e longos até o pé

Levantem cantem mais alto rodando tanto
Que eu não ouça mais do bateleiro o canto
E ponham perto de mim todas as louras fadas
De olhar imóvel e tranças dobradas

O Reno o Reno é bêbado onde a vinha se mira
Todo o ouro das noites tremendo lá se admira
A voz canta sempre até que morrerão
Estas fadas de cabelos verdes que encantam o verão

Meu copo se estilhaçou como um riso

Fonte: Apollinaire. 2005. Álcoois e outros poemas. SP, Martin Claret. Poema publicado em livro em 1913.

02 abril 2011

Phoebe


Frederic Leighton (1830-1896). Phoebe. 1895.

Fonte da foto: Art Renewal Center.

01 abril 2011

Cento e vinte e cinco mil visitas

F. Ponce de León

No início do expediente desta sexta-feira, o Poesia contra a guerra ultrapassou a marca das 125 mil visitas. Do balanço numérico anterior – ver ‘Cem mil visitas’, em 10/6/2010 – até ontem (31/3) ocorreram em média pouco mais de 84 visitas/dia. O recorde positivo de visitantes únicos em um só dia permanece em 185, alcançado em 4/6/2008.

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