Se sois homem valeroso,
Dizem que sois temerário,
Se valente, espadachim,
E atrevido, se esforçado.
Se resoluto, – arrogante,
Se pacífico, sois fraco,
Se precatado, – medroso,
E se o não sois, – confiado.
Se usais justiça, um Herodes,
Se favorável, sois brando,
Se condenais, sois injusto,
Se absolveis, estais peitado.
Se vos dão, sois um covarde,
E se dais, sois desumano,
Se vos rendeis, sois traidor,
Se rendeis, – afortunado.
Se sois plebeu, sois humilde,
Soberbo, se sois fidalgo,
Se sois segundo, sois pobre,
E tolo se sois morgado.
Se galeais, sois fachada
E se não, – não sois bizarro,
Se vestis bem, sois grã-moda,
Se mal vestis, sois um trapo.
Se comeis muito, guloso,
E faminto, se sois parco,
Se comeis bem, regalão,
E se mal, nunca sois farto.
Se não sofreis, imprudente,
Se sofreis, sois um coitado,
Se perdoais, sois bom homem,
E se não sois – um tirano.
Se brioso, tendes fumos,
E se não, sois homem baixo,
Se sois sério, – descortês,
Se cortês, afidalgado.
Se defendeis, sois amigo,
Se o não fazeis, sois contrário,
Se sois amigo, suspeito,
Se o não sois, – afeiçoado.
Se obrais mal, sois ignorante,
Se bem obrais, foi acaso,
Se não servis, sois isento,
E se servis, sois criado.
Se virtuoso, – fingido,
E hipócrita se beato,
Se zeloso, – impertinente,
E se não, sois um pastrano.
Se sois sisudo, – intratável,
Se sois devoto, sois falso,
Pertinaz, se defendente,
Se argüinte, porfiado.
Se discreto, – prevenido,
E se não, sois insensato.
Se sois modesto, sois simples,
E se o não sois, sois um diabo.
Se sois gracioso, sois fátuo,
E se o não sois, um marmanjo,
Se sois agudo, – tresledes,
E se o não sois, sois um asno.
Se não compondes, sois néscio,
Se escreveis, sois censurado,
Se fazeis versos, sois louco,
Se o não fazeis, sois parvo.
Se previsto, – feiticeiro,
E se não, desmazelado,
Se verdadeiro, – bom homem,
Muito humilde, se sois lhano.
Se robusto, sois grosseiro,
Se delicado, sois brando,
Se descansado, – ocioso,
Se pára pouco, sois tranco.
Se sois gordo, sois balofo,
Sois tísico, se sois magro,
Se pequeno, sois anão,
E gigante, se sois alto.
Se sois nobre, sois pelão,
E se oficial, sois baixo,
Se solteiro, – extravagante,
Se noivo, sois namorado.
Se corado, figadal,
Descorado, se sois alvo,
Se grande nariz, – judeu,
Se trigueiro, sois mulato.
Se liberal, sois perdido,
E se o não sois, sois escasso,
Se sois pródigo, vicioso,
E avarento, se poupado.
Se não despendeis, – mesquinho,
Se despendeis, sois um largo,
Se não gastais, – miserável,
Se gastais, – esperdiçado.
Se honesto sois, não sois homem,
Impotente, se sois casto,
Se não namorais, fanchono,
Se o fazeis, sois estragado.
Se não luzis, não sois gente,
Se luzis, sois mui pregado,
Se pedis, sois pobretão,
E se não, fazeis Calvários.
Se andais devagar, – mimoso,
Se depressa, sois cavalo,
Mal encarado, se feio,
Se gentil, efeminado.
Se falais muito, palreiro,
Se falais pouco, sois tardo,
Se em pé, não tendes assento,
Preguiçoso, se assentado.
E assim não pode viver
Neste Brasil infestado,
Segundo o que vos refiro
Quem não seja reprovado.
Fonte: Spina, S. 1995. A poesia de Gregório de Matos. SP, Edusp.