29 fevereiro 2016

Do livro para internet e da internet para o livro

Joelma Santana Siqueira

LEÓN, F. Ponce de. Poesia contra a guerra. Viçosa: Ed. do Autor, 2015.

O livro Poesia contra a guerra (2015) é uma antologia de 100 poemas escritos em português por 100 escritores, em comemoração aos nove anos do blogue que lhe é homônimo. O organizador do volume e criador do blogue é o biólogo Felipe A. P. L. Costa, especializado em entomologia e ecologia, colaborador regular no Observatório da Imprensa e autor do livro Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas, lançado em segunda edição em 2014. Na antologia, ele assina F. Ponce de León, codinome usado nos trabalhos dedicados à poesia e a outras artes. Essa breve introdução visa destacar que se trata de um livro de poesia organizado por uma pessoa cujos interesses de leitura transitam por diversas áreas de conhecimento. Não se trata de um livro de poesia organizado por um crítico literário, mas por um leitor atento à poesia e ao objeto livro.

O nome do blogue foi explicado por León em uma postagem de 13 de novembro de 2006, exatamente um mês depois do blogue ter ido ao ar:

é ao mesmo tempo uma alusão e uma homenagem ao movimento Poets against the war. Desde o início, porém, o objetivo era não apenas reunir poemas contra a guerra, mas sim todo e qualquer material literário (“poesia”) que pudesse ser erguido ou evocado contra a estupidez, a feiúra e a insanidade das guerras – características que parecem acompanhar a história de nossa espécie desde o passado mais remoto. Nesse sentido, caberia aqui um pedido de desculpas a todos aqueles visitantes que vêm até aqui atrás apenas de “poemas sobre guerra”, “poemas de guerra” ou assemelhados.

De fato, quem acessa o blogue depara-se com poemas, letras de música, textos reflexivos de pensadores diversos. Textos que, possivelmente, para León, distanciam o leitor do que é destruição. Na antologia, o organizador selecionou apenas 100 poemas e os dispôs em três partes de acordo com intervalos de tempo relacionados às datas de nascimento dos autores: os nascidos antes de 1501; os nascidos entre 1501 e 1800; e os nascidos após 1800. As partes são quantitativamente desiguais, há mais autores na segunda do que na primeira e muito mais na terceira do que na segunda. O poema que abre a obra, “Ora faz ost’o senhor de Navarra”, como informa León (2015, p. 7), “escrito nos primeiros anos do século 13 (talvez antes)”, “seria o poema mais antigo que se conhece no âmbito da lírica galego-portuguesa”. Como este, os poemas galegos ou portugueses arcaicos, sete ao todo, foram vertidos para o português moderno no Apêndice da obra. As notas de rodapé que acompanham cada poema apresentam informações sobre as fontes consultadas e demonstram o zelo do organizador que, a outros critérios de seleção, acrescentou esses três: “i) publicar apenas poemas originalmente escritos em português”; “ii) selecionar um poema de cada autor”; e “iii) incluir apenas autores cuja obra esteja em domínio público”.

A reunião dos poemas nas três partes acima citadas permite-nos ler em conjunto poetas cronologicamente próximos entre si. Por exemplo, na segunda parte, dedicada aos “Autores nascidos entre 1501 e 1800”, encontram-se, em sequência, os poemas “Fermoso Tejo meu, quão diferente”, de Francisco Rodrigues Lobo, e “Se queres ver do mundo um novo mapa”, de Bernardo Viera Ravasco. Muitos leitores de poesia podem lembrar-se sem dificuldade de dois outros poemas atribuídos a Gregório de Matos, “Triste Bahia” e “Neste mundo é mais rico o que mais rapa”, respectivamente. Na sequência, Gregório de Matos é o próximo poeta reunido nesta segunda parte, com o poema “Desenganos da vida humana, metaforicamente”.

No contexto da poesia seiscentista, a leitura de poemas de diferentes poetas contemporâneos entre si permite-nos perceber com mais facilidade o que João Adolfo Hansen (2004, p. 32-3) destacou sobre o que é mais estranho ao poeta desse período: “a originalidade expressiva, sendo a sua invenção antes uma arte combinatória de elementos coletivizados repostos numa forma aguda e nova que, propriamente, expressão de psicologia individual ‘original’, representação realista-naturalista do ‘contexto’, ruptura estética com a tradição etc.”. Em Sátira e engenho, um estudo de fôlego sobre Gregório de Matos e a Bahia do século XVII, cuja primeira edição é de 1989, Hansen recuperou poemas atribuídos a outros escritores contemporâneos do poeta baiano, mas não é o que se passa comumente em muitos livros que abordam a literatura produzida no Brasil colonial e destacam Gregório de Matos como autor de uma poesia original em nossas letras.

Ainda na segunda parte da antologia de León, há poemas de autores consagrados, como José de Santa Rita Durão e Cláudio Manuel da Costa, mas também de autores praticamente desconhecidos, como os brasileiros José Elói Ottoni, Tenreiro Aranha e Domingo Borges de Barros. Pode-se objetar que esses são autores “menores”, mas não se pode negar a importância do conhecimento da poesia dos autores não consagrados para o próprio desenvolvimento da historiografia literária. Nesse sentido, vale muito a leitura do poema “Ao chegar à Bahia indo de New York”, de Domingos Borges de Barros.

A terceira e mais numerosa parte da antologia inicia-se com o poema “A dança dos partidos”, do mineiro Correia de Almeida, e encerra-se com o poema “Sanatório”, do também mineiro Ascânio Lopes. Essa parte contém um número maior de poetas esquecidos, como o mineiro José Joaquim Correia de Almeida, a galega Rosália de Castro Dias, o rio-grandense-do-sul Antônio Vicente da Fontoura Xavier, o alagoano Sebastião Cícero Guimarães Passos e a norte-rio-grandense Auta de Souza etc.

Na antologia há muitos poemas de poetas conhecidos, como Camões, Bocage, Gonçalves Dias, Olavo Bilac etc. Mas, em alguns casos, nem sempre os poemas escolhidos são os mais conhecidos do grande público. O interesse do organizador da antologia por reunir poetas consagrados ao lado de outros esquecidos foi explicado, ironicamente, com a citação de um trecho de Carolina Michaëlis na contracapa do volume:

Daria por bem empregados os meus esforços, se conseguisse dois intuitos: que cada leitor, embora leia indiferente e por alto dezenas de poesias, pare comovido diante de algumas; e que pouco a pouco a opinião pública se fixe naquelas que merecem, de facto, a qualificação de obras-primas da lírica portuguesa. Até hoje o aplauso unânime dos cultos ainda não consagrou senão certos nomes de reputação universal.

De minha parte, posso dizer que a leitura dos poemas da antologia Poesia contra a guerra, agradou-me bastante. Alguns poemas mais, outros menos, mas, como já se disse por ai e eu concordei, “a poesia é a voz do dissonante, do novo e do impossível”. E a tecnologia, se bem utilizada, não nos distancia da leitura ou do livro, pelo contrário, pode nos aproximar deles.

Referência citada

HANSEN, J. A. Sátira e engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Ed. Unicamp, 2014.

Fonte: artigo originalmente publicado na revista Gláuks (v. 15, n. 2, 2015), sob o título ‘Poesia: do livro para internet e da internet para o livro’. A autora é professora de Literatura Brasileira da Universidade Federal de Viçosa.

28 fevereiro 2016

Palavras mágicas

Camara Laye

Embora meu pai não dissesse palavra em voz alta, sei muito bem que ele estava a pensar nelas, para dentro. Eu lia isso pelos lábios que não paravam de se mover enquanto ele se curvava sobre o recipiente. Ia mexendo o ouro e o carvão com um pau de madeira que acabava por arder de vez em quando e que estava sempre a ter [de] ser substituído. Que espécies de palavras eram essas que meu pai ia em silêncio pronunciando? Não sei – pelo menos não sei exatamente. Nunca nada me foi dito sobre isso. Mas que podiam elas ser senão palavras mágicas? [...]

Durante todo o processo o seu discurso tornou-se cada vez mais rápido, os ritmos mais acelerados, e, à medida que a peça de ornamentação ia tomando forma, os seus louvores e exaltações ganhavam mais veemência e transportavam aos céus a habilidade de meu pai. Numa maneira especial, quase diria imediata e efetiva, o feiticeiro participava na obra. Ele era também levado pelo prazer da criação, e em voz alta proclamava esse prazer: arrebatava as cordas com entusiasmo, inflamava-se como se ele próprio fosse o artífice, como se ele próprio fosse meu pai, como se o ornamento surgisse das suas próprias mãos.

Fonte: Horton, R. 1979. Diferenças entre culturas tradicionais e culturas de orientação científica. In: Deus, J. D., org. A crítica da ciência, 2ª edição. RJ, Zahar. Texto publicado em livro em 1954.

19 fevereiro 2016

Poema terciário

Domingos Carvalho da Silva

Cavalos já foram pombos
de asas de nuvem. Um rio
banhava o rosto da aurora.
Cavalos já foram pombos
na madrugada do outrora.

Onde há florestas havia
golfos oblongos por onde
tranquilos peixes corriam.
Uma lua alvissareira
passava à noite. E deixava
reticências de cometa
vagalumiando na relva
das margens, até à aurora
da Idade de Ouro do outrora,
quando cavalos alados
tinham estrelas nas crinas
alvas como asas de pombo.

O Verbo não existia.
Deus era incriado ainda.
Só as esponjas dormitavam
trespassadas por espadas
de água metálica, impoluta.
E as gaivotas planejavam
etapas estratosféricas
próximo as praias ibéricas.
E as montanhas desabavam
em estertores terciários,
em agonias de estrondo,
nas manhãs de sol atlântico,
quando cortavam as nuvens
– alvos, garbosos equinos –
esquadrões marciais de pombos.

Teu cabelo era ainda musgo.
Teus olhos o corpo frio
de uma ostra semiviva.
E tua alma sempre-viva
Sobrenadava o oceano
qual uma estrela perdida.

Teu coração era concha
fechada e sem pulsação.
E teu gesto – que é teu riso –
era um mineral estático
ainda não escavado
pelo mar duro e fleumático.

Cavalos já foram pombos.
E a prata que anda na garra
dos felinos, reluzia
em vibrações uterinas
no ventre da terra fria,
quando o dia era só aurora
e Deus sequer existia,
na madrugada do outrora.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema – com a dedicatória ‘a João Cabral de Melo Neto’ – publicado em livro em 1952.

18 fevereiro 2016

O gênero Sabethes

Rotraut A. G. B. Consoli & Ricardo Lourenço de Oliveira

Os Sabethes são, indubitavelmente, os mais belos mosquitos. São dotados de colorido variado e de reflexos cintilantes. Seu escudo, pleura e abdome intensamente recobertos por escamas que emprestam ao mosquito um aspecto metálico.
[...]

São mosquitos muito ‘tímidos’, que sobrevoam muitas vezes a vítima antes de pousar, o que frequentemente fazem sobre o rosto, particularmente no nariz. Voam lentamente, com as pernas posteriores voltadas para frente, em arco acima do tórax, e, quando ameaçados, afastam-se do hospedeiro voando de costas, de ré.

São exclusivamente diurnos, silvestres, frequentemente acrodendrófilos e criam-se em recipientes naturais, quase sempre em buracos de árvore, internódios de bambu e axilas de folhas.
[...]

Fonte: Consoli, R. A. G. B. & Oliveira, R. L. 1994. Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil. RJ, Editora Fiocruz.

16 fevereiro 2016

O fantasma do latifúndio

Bueno de Rivera

As mãos sustendo as árvores, a cabeça
como um barco nas nuvens,
o olhar morto como um sol gelado
no oceano sem portos e distâncias.
É o rei do descampado,
dormindo sobre as ervas milenárias
rosas selvagens, sapos, pirilampos.

Rompe o pranto nas ruas alagadas,
é o suor dos milhões em desespero.
Os dedos aflitos brotam como espigas.
Lábios frios,
agonias proletárias, música de ódio
e um berço afogado.

Sonho de estâncias, ninhos e varandas,
mangueiras, sítios brancos, rosas tímidas,
colonos, canto de galo, as madrugadas
murcham no outono das cidades,
nos prédios como túmulos.

Mas o espectro secular habita o tempo,
os quilômetros, os rios e os desejos.
É o espantalho das pombas, solitário
sem ânsias, sem limites e problemas.
Os pés medindo o espaço, olho parado,
a cabeça serena como a lua.
Dorme como um boi na eternidade.

Fonte: Rivera, B. 2003. Melhores poemas de Bueno de Rivera. SP, Global. Poema publicado em livro em 1944.

14 fevereiro 2016

Os ombros suportam o mundo

Carlos Drummond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Fonte (primeira estrofe): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em livro em 1940.

13 fevereiro 2016

Cento e doze meses no ar

F. Ponce de León

Nessa sexta-feira, 12/2, o Poesia contra a guerra completou 112 meses no ar. Ao longo desse período, e até o fim do expediente de quinta-feira, o contador instalado no blogue registrou 287.019 visitas.

Desde o balanço anterior – Cento e onze meses no ar – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Goulart de Andrade, José Lino Grünewald, Luiz Alfredo Milleco, Paulinho da Viola, Rupert Brooke, Wander Piroli, Willie Bueno e Zuenir Ventura. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Armand Laroche, James Ensor e Louis-Frédéric Schützenberger.

10 fevereiro 2016

Autorretrato com máscaras


James Ensor (1860-1949). Ensor aux masques. 1899.

Fonte da foto: The Athenaeum.

08 fevereiro 2016

Forte abandonado

Goulart de Andrade

De pé, no promontório, encravado na bronca
Penedia, onde o mar atropelado ronca,
Ribomba, estoura, estruge, espoca, estronda, esbarra,
Abandonado avulta o vigia da barra!
Ó naus, podeis entrar! Podeis vir, exilados,
Peixes, que íeis buscar abrigo em outros lados,
Quando o bruto estridor dos canhões sacudia
O fraguedo; e a fumaça o almo esplendor do dia
No firmamento azul, empanava de chofre,
Saturando todo o ar de salitre e de enxofre!
Pássaros, volitai! Nada aqui vos aterra:
As máquinas de morte estendem-se por terra,
Frias, mudas, sem mais aquele brilho antigo
Que era para a pupila um ríspido castigo!
No muro, em cada frincha, a grama brota inculta,
Cobre as trincheiras, enche as guaritas, oculta
As arestas, contorna as ameias, procura
Tapar a barbacã com a trama verde-escura!
Agora o rubro aqui, aparece ridente,
Não em funda ferida estuando um sangue ardente
E impetuoso de heróis varados nas batalhas,
Mas em flores gentis desbrochando nas talhas
Do molhe de granito! Os rumores de passos
E toques de clarins não enchem os espaços
Agora! E que contraste: estes ruídos, maninhos,
Mortíferos canhões, guardam ninhos e ninhos,
Paz e Amor!... Pode a abelha as melífluas colmeias
Fabricar sem temor, ao longo das ameias!
Pode aqui vicejar a tímida violeta!
Pode adejar a iriante e inquieta borboleta!
Sempre azul seja o céu! A liana filiforme
Medre e floresça! A brisa em fruto a flor transforme!
Venha o rijo Aquilão soprar a pulmão pleno!
Venha a Lua banhar de luz o terrapleno!
Venha aqui dentro o Sol e esta terra fecunde!
Venha o musgo crescendo e a muralha circunde!
Venha gemer o mar, que espumarento, esbarra
No rochedo em que dorme o vigia da barra!

Fonte: Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 5. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1907.

07 fevereiro 2016

Mortos-vivos na paisagem tropical

Felipe A. P. L. Costa

Ao longo das últimas décadas, a destruição e a fragmentação de hábitats promovidas pela nossa espécie aceleraram em muito as taxas naturais de extinção – tanto o desaparecimento de populações locais como a extinção global de espécies. No atual ritmo de destruição, em breve a paisagem tropical será formada por umas poucas ilhas de vegetação nativa mergulhadas em uma matriz de áreas empobrecidas ou degradadas – e.g., pequenos remanescentes florestais cercados por extensas áreas de pastagens.

De modo semelhante ao que acontece com as ilhas oceânicas, o tamanho e o grau de isolamento desses fragmentos afetam em cheio a biodiversidade e o tempo de persistência das espécies que sobrevivem dentro deles. O pior dos mundos para uma ilha de vegetação é ela ser pequena e estar longe de outras áreas semelhantes, pois a perda de espécies é mais rápida e fácil em fragmentos pequenos e isolados, ao mesmo tempo em que a recolonização se torna mais lenta e difícil [...].

Todavia, se por um lado a destruição física de hábitats tem um impacto mais ou menos imediato sobre populações e comunidades ecológicas, as consequências negativas da fragmentação nem sempre são óbvias e, portanto, nem sempre são percebidas com facilidade e rapidez [...]. Grandes vertebrados terrestres, por exemplo, podem desaparecer logo após a fragmentação de seu hábitat; em outros casos, porém, os efeitos demoram a surgir, dando a falsa e perigosa impressão de que muitas espécies conseguirão persistir, mais do que de fato termina ocorrendo. Equívocos desse tipo devem ser mais comuns com populações de organismos longevos, como árvores de grande porte.

Uma análise populacional com base apenas na presença de árvores adultas, por exemplo, pode ser enganosa. O exame de certos atributos (sistema reprodutivo, grau de tolerância ao endocruzamento etc.) das espécies presentes e das novas circunstâncias ecológicas (ausência de polinizadores ou de dispersores, elevação na taxa de mortalidade etc.) pode revelar que o fragmento remanescente é, apesar de uma boa aparência geral, habitado por inúmeros ‘mortos-vivos’: árvores adultas, vivas e fisiologicamente sadias, mas que não conseguem mais produzir seus próprios descendentes. Assim, as árvores não conseguem florescer; se florescem, não conseguem frutificar; se frutificam, suas sementes não são espalhadas; se são espalhadas, as sementes não mais encontram locais propícios para germinar e se estabelecer...
[...]

Fonte: Costa, F. A. P. L. 2014. Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas, 2ª edição. Viçosa, Edição do Autor.

05 fevereiro 2016

The soldier

Rupert Brooke

If I should die, think only this of me:
   That there’s some corner of a foreign field
That is for ever England. There shall be
   In that rich earth a richer dust concealed;
A dust whom England bore, shaped, made aware,
   Gave, once, her flowers to love, her ways to roam;
A body of England’s, breathing English air,
   Washed by the rivers, blest by suns of home.

And think, this heart, all evil shed away,
   A pulse in the eternal mind, no less
      Gives somewhere back the thoughts by England given;
Her sights and sounds; dreams happy as her day;
   And laughter, learnt of friends; and gentleness,
      In hearts at peace, under an English heaven.

Fonte (versos 1, 2, 3 [parte] e 14): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 4. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro em 1915.

04 fevereiro 2016

Ligações de hidrogênio

Willie Bueno

Inúmeras propriedades da matéria nos fazem crer que ela é constituída de pequenas partículas denominadas átomos. Os átomos, segundo suas características, podem se agrupar de diversas maneiras para formar outra unidade da matéria: a molécula. As forças que mantêm os átomos agregados são de natureza complexa e são chamadas de ligações químicas. Para destruir uma ligação química é necessário uma energia, cujo valor geralmente se encontra no intervalo de 30 a 200 kcal por mol. Por exemplo, na decomposição da molécula de água (no estado líquido) há uma absorção de 69 kcal por mol. [...]

Quando se tem um grupo de moléculas num espaço confinado surgem, entre essas, interações atrativas das quais se destacam as chamadas forças de Van der Waals. Estas forças são, comparativamente, muito mais fracas que as ligações químicas e, juntamente com outras forças, são responsáveis pela existência dos três estados ordinários da matéria (o estão sólido, o estado líquido e o estado gasoso). A passagem de um estado físico a outro, isto é, o rompimento ou a formação de ligações entre as moléculas (ligações intermoleculares ou interações intermoleculares) envolve sempre uma troca de energia, geralmente térmica, compreendida aproximadamente entre 1 e 20 kcal x mol–1. Por exemplo, na vaporização da água há uma absorção de 9,7 kcal x mol–1. [...]

Seria desnecessário demonstrar o grande interesse que tem a Física, a Química e a Biologia pelas interações intermoleculares. Basta dizer que as propriedades e a estrutura dos líquidos e sólidos são determinadas por essas interações, dadas quantitativamente pelas forças intermoleculares. A energia para romper tais forças é mais fraca que as das ligações químicas e envolvem, geralmente, energias de 1 a 20 quilocalorias por mol. [...]

Quando o átomo de hidrogênio está ligado covalentemente a um átomo altamente eletronegativo, tal como o oxigênio, o nitrogênio etc., a ligação tem um certo caráter iônico. O hidrogênio é parcialmente positivo, de tal modo que podem existir forças de atração entre este hidrogênio e regiões negativas de outras moléculas. [...]

Uma definição simples de ligação de hidrogênio é muito difícil de ser enunciada. Em termos operacionais, Pimentel e McClellan, definem-na da seguinte maneira: “a ligação de hidrogênio existe entre um grupo funcional A–H e um átomo, ou grupo de átomos, B, da mesma ou de diferentes moléculas, quando há evidência da existência de uma ligação entre A–H e B que envolve especificamente o átomo de hidrogênio já ligado a A”. Wood a define como sendo “uma interação atrativa entre duas moléculas, ou entre duas partes da mesma molécula, que requer especificamente a presença do átomo de hidrogênio entre elas”.

Fonte: Bueno, W. A. 1978. Ligação de hidrogênio. SP, McGraw-Hill.

02 fevereiro 2016

As pessoas sensíveis

Sophia de Mello Breyner Andresen

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”
Assim nos foi imposto
E não:
“Com o suor dos outros ganharás o pão”

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoais–lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1962.

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