29 setembro 2016

Despedida de João Alphonsus

Emílio Moura

Los que se van para siempre
poco a poco nos arrastran.
E. Frugoni

Alguém te chama, Alphonsus.
Alguém que está presente e, no entanto, é a Ausência.

O chamado é tão grave, não comporta lágrimas;
o caminho é tão longo, não chegarias nunca.

Alguém te chama, Alphonsus.

Que grande sorriso
sorris, de repente.

Pensei que tombavas
na noite, mas noite
só esta.

Fonte (versos 2 e 3 ): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em livro em 1949.

27 setembro 2016

Don Giovanni

Brigid Brophy

Ao condenar Don Giovanni ao inferno, Mozart estava punindo seu eu infantil e inconsciente por desejos parricidas contra Leopold Mozart, e seu eu esclarecido por desejos parricidas contra a ordem estabelecida.

Fonte: Solman, J. 1991. Mozartiana: Dois séculos de notas, citações e anedotas sobre Wolfgang Amadeus Mozart. RJ, Nova Fronteira.

25 setembro 2016

Luxo de peixe

Cassiano Ricardo

1.
Dia bruxuleante, já.
O sol, último feixe
   de luz.
Entre a enxárcia e o
velame, o debuxo
         esdrúxulo
   (em anil-móbile)
   de pescador.

2.
Nunca tanto sol
      (de escama)
que saltou da pauta
   ou da flauta.

Nunca tanto salmão.
   Nunca tanto sol
         na mão.
Nunca um mar tão
      irmão.

Nunca tanto xaréu,
hipocampo, pampo,
enxameando, piscando
   na xilogravura
      da rede.

   (Por
   São Peixe Cristo)

   Diante de tanto
cardume imprevisto
como haver quem se
         queixe?

Nem um bruxo
      explicará tanto
         luxo
      de peixe.

3.
(Nunca Jean Marie
pescou tanta flor)

Fonte: Ricardo, C. 2003. Melhores poemas de Cassiano Ricardo. SP, Global. Poema publicado em livro em 1971.

23 setembro 2016

The hill

Edgar Lee Masters

Where are Elmer, Herman, Bert, Tom and Charley,
The weak of will, the strong of arm, the clown, the boozer, the fighter?
All, all, are sleeping on the hill.

One passed in a fever,
One was burned in a mine,
One was killed in a brawl,
One died in a jail,
One fell from a bridge toiling for children and wife –
All, all are sleeping, sleeping, sleeping on the hill.

Where are Ella, Kate, Mag, Lizzie and Edith,
The tender heart, the simple soul, the loud, the proud, the happy one? –
All, all, are sleeping on the hill.

One died in shameful child-birth,
One of a thwarted love,
One at the hands of a brute in a brothel,
One of a broken pride, in the search for heart’s desire,
One after life in far-away London and Paris
Was brought to her little space by Ella and Kate and Mag –
All, all are sleeping, sleeping, sleeping on the hill.

Where are Uncle Isaac and Aunt Emily,
And old Towny Kincaid and Sevigne Houghton,
And Major Walker who had talked
With venerable men of the revolution? –
All, all, are sleeping on the hill.

They brought them dead sons from the war,
And daughters whom life had crushed,
And their children fatherless, crying –
All, all are sleeping, sleeping, sleeping on the hill.

Where is Old Fiddler Jones
Who played with life all his ninety years,
Braving the sleet with bared breast,
Drinking, rioting, thinking neither of wife nor kin,
Nor gold, nor love, nor heaven?
Lo! he babbles of the fish-frys of long ago,
Of the horse-races of long ago at Clary’s Grove,
Of what Abe Lincoln said
One time at Springfield.

Fonte (terceira estrofe): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 4. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro em 1915.

21 setembro 2016

Afiando uma caneta de pena


Gerrit Dou (1613-1675). Geleerde die zijn pen snijdt. 1630-5.

Fonte da foto: Wikipedia.

19 setembro 2016

Quatro maneiras de olhar para um estorninho

John R. Krebs & N. B. Davies

Niko Tinbergen, um dos fundadores da etologia, enfatizou que havia muitas maneiras diferentes de responder à questão ‘Por quê?’ em biologia. Estas passaram a ser reconhecidas como as quatro perguntas de Tinbergen (Tinbergen, 1963). Por exemplo, se perguntarmos por que os estorninhos cantam na primavera, nós poderíamos responder da seguinte maneira:

1. Em termos de valor de sobrevivência ou função. Os estorninhos cantam para atrair parceiros para o acasalamento.

2. Em termos de causalidade. Porque o aumento no comprimento do dia desencadeia mudanças nos níveis hormonais, ou pela maneira [como] o ar flui através da siringe e provoca vibrações na membrana. Estas são respostas sobre os fatores externos e internos que levam os estorninhos a [cantar].

3. Em termos de desenvolvimento. Os estorninhos cantam porque eles aprenderam os cantos de seus pais e vizinhos.

4. Em termos de história evolutiva. Esta resposta seria sobre como o canto evoluiu nos estorninhos a partir de seus ancestrais. [As aves viventes] mais primitivas emitem sons muito simples, portanto é razoável supor que o canto complexo dos estorninhos e de outras [aves] tenha evoluído a partir de chamados ancestrais mais simples.
[...]

Fonte: Krebs, J. R. & Davies, N. B. 1996. Introdução à ecologia comportamental, 3ª ed. SP, Atheneu.

17 setembro 2016

Pensamentos noturnos

Li Pai

Frente ao meu leito há um brilho singular.
Será que já começou a gear?
Levanto-me para olhar, vejo que é o luar.
Baixo a cabeça, sinto saudades da terra natal.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM. Poema datado de meados do século 8. O nome do autor é grafado também como Li Po.

16 setembro 2016

Ceteris paribus

Pascal Boyer

O pensamento de qualidade requer estilo intelectual. O estilo consiste principalmente em evitar alguns erros cruciais, os quais, infelizmente, são tão difundidos quanto prejudiciais. Pensar requer o uso de instrumentos adequados, e o instrumento sobre o qual quero lhe falar é, talvez, o mais modesto de todos. Uma ferramenta tão discreta em algumas teorias que algumas pessoas nem notam sua existência. Ainda assim, esse instrumento é usado; e não apenas isso, se ele não for usado você não pode ‘fazer’ ciência. E, sob o meu ponto de vista, você nem ao menos pode pensar sobre qualquer problema, científico ou não, de um modo que realmente faça sentido. Deixe-me ir ainda mais adiante. Existe uma diferença entre aqueles que usam esse instrumento e aqueles que não o fazem. A comunicação entre os dois grupos de pessoas é sempre difícil. O instrumento tem um nome em latim que o torna respeitável e misterioso, ceteris paribus, e uma tradução em português que é, de fato, mais enganosa por ser tão simples: tudo o mais (ou outra coisas) sendo invariável. Se você despender algum tempo pensando sobre o que essa frase significa realmente, e como pode ser usada, logo perceberá alguns aspectos importantes do estilo intelectual.
[...]

Fonte: Brockman, J. & Matson, K., orgs. 1997. As coisas são assim. SP, Companhia das Letras.

13 setembro 2016

Partida ou fuga?

Pável Bassínski

Na noite de 27 para 28 de outubro [8 para 9 de novembro] de 1910, no pequeno município de Krapívenski, na província de Tula, aconteceu um fato incrível, extraordinário, mesmo para um lugar tão incomum, como Iássnaia Poliana, propriedade do mundialmente famoso escritor e pensador russo Lev Nikoláievitch Tolstói. O conde, de 82 anos de idade, fugiu às escondidas de sua casa, tomando rumo desconhecido, acompanhado de Makovítski, seu médico particular.
[...]

Tolstói foi-se embora para morrer. Foi um ato de libertação do titã espiritual de seu cativeiro material. “Libertação de Tolstói”... Como soa bonito! Uma variante atenuada: assim como um animal bravio abandona o grupo, sentindo a aproximação da morte, Tolstói, ao sentir a aproximação do fim inevitável, fugiu de Iássnaia Poliana. Essa é também uma bonita versão pagã, publicada por Aleksandr Kuprin nos primeiros dias após a partida.

Mas o comportamento de Tolstói não foi o de um titã que resolveu fazer um grandioso gesto simbólico. E muito menos o retiro de uma fera velha, porém forte. Foi o ato de um velho fraco e doente, que sonhou ir embora durante 25 anos. Não se havia permitido, contudo, enquanto ainda tinha forças, porque considerava isso cruel em relação à mulher. Mas, quando as forças se esgotaram e as discórdias familiares chegaram ao ponto mais alto de efervescência, ele não viu outra saída nem para si nem para os que o cercavam. Foi-se embora no momento em que, fisicamente, não estava nem um pouco preparado para isso. Quando lá fora era fim de outubro. Quando nada estava pronto e até mesmo os mais fervorosos adeptos de sua partida, como Sacha, não se davam conta do que significava um velho ficar perdido nesse mundo. Justamente então, quando sua partida quase inevitavelmente significava morte certa. Tolstói já não tinha mais forças para permanecer em Iássnaia Poliana.
[...]

Fonte: Bassínski, P. 2013 [2010]. Tolstói: A fuga do paraíso. SP, Leya.

12 setembro 2016

Nove anos e onze meses no ar

F. Ponce de León

Nesta segunda-feira, 12/9, o Poesia contra a guerra completa nove anos e onze meses no ar. Ao longo desse período, e até o fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue registrou 301.354 visitas.

Desde o balanço anterior – Nove anos e dez meses no ar – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Barbara Leaming, Constantine P. Cavafy, Eduardo Colli, Jürgen Weineck, Salvador Espriu, Setembrino Petri, Theo Mayer-Kuckuk, Vicente José Fúlfaro e Walter Larcher. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Frank Buchser, Rudolf Koller e Theodor Hildebrandt.

11 setembro 2016

O beijo


Frank Buchser (1828-1890). Der Kuss. 1878.

Fonte da foto: Wikipedia.

09 setembro 2016

Harmonias de uma noite de verão

Raimundo Correia

a noite, a cair

Poeta! Ao longe entre as sangrentas pompas
Do crepúsculo tomba o sol. Das flores
Exala-se a alma em tépidos vapores...
Ouve-se além um sino, soam trompas
De caça, latem cães... Esta sublime
Tristeza funda, indefinita e vaga,
       Que o coração te esmaga,
Todos a sentem, mas ninguém a exprime!
Ninguém, poeta, exprime esta saudade,
       Que o ambiente satura
       E a terra e os céus domina;
Esta, de fel mesclada e de doçura,
Melancolia augusta e vespertina,
Que, com a sombra, avulta, cresce, invade
E enche de luto a natureza inteira...
Esse outro bardo, o sabiá, não trina
Nos galhos da cheirosa laranjeira;
E, ao silêncio e ao torpor cedendo, cerra
O dia os olhos no Ocidente absortos;
      E fuma um negro incenso,
      Que envolve toda a Terra
– Sepultura comum, túmulo imenso,
      Dos vivos e dos mortos...
E eu do trono das névoas, do cimério
Sólio de ébano, aos pés do qual, na altura,
Toda essa poeira cósmica fulgura,
Vou já descendo; e, aos poucos, lentamente,
      Arrasto, desdobrada
      Sobre este amplo hemisfério,
A minha solta clâmide tamanha,
Negra, como o remorso, e a que somente,
Da lua crescentígera e chanfrada
Aponta da unha luminosa arranha...

o poeta

Em vão de trevas todo o espaço inundas!
Povoam-no lucíferos insetos;
São terrestres estrelas vagabundas;
São pequeninas lâmpadas errantes;
São de um roto colar de fogo, iriantes
Àscuas soltas; são vividos e inquietos
      Carbúnculos alados;
São acesas safiras; são diamantes
Da grinalda dos sóis desengastados...
      Basta à minha pupila
O fanal dessas almas luminosas;
E eu, nas tuas entranhas tenebrosas,
Como uma sonda, os olhos aprofundo,
      Ó tétrica e tranquila
Noite! – e sinto em cada átomo invisível
Latejar novo, ardente e oculto mundo;
      E o idioma confuso,
O hino sem eco, o hosana intraduzível
Do ser, o mais rudimentar, traduzo,
Neste de trevas pavoroso oceano,
      Onde o espírito imerso,
Se debate arquejante, escuto, ansioso,
Toda a orquestra das vozes do Universo;
Desde as dos astros músicas supernas,
Até o salmo obscuro e misterioso,
Que escapa, como um monstro diluviano,
Pela estúpida boca das cavernas...

a noite

Entre as paredes lôbregas e frias
Do meu cárcere brônzeo e negro – furna
De lívidos espectros povoada
E pesadelos e visões sombrias –
      Tua alma enferma e taciturna
         Jaz encerrada.
      Em vão anseias, desta escura
Masmorra, anseias, neste instante, em vão,
Ver a maciça abóbada arrombada
         Por um trovão;
      Em vão anseias, nesta funda
Lapa, ver, como a luz da redenção,
Brilhar o fulvo e esplêndido montante
De um relâmpago enorme e rutilante,
Que te ilumine as trevas da loucura,
      Onde vasqueja, moribunda,
         Tua razão!

o poeta

Em vão sobre mim te elevas
E a luz da razão me espancas,
Ó noite! — e minha alma trancas
Neste túmulo de trevas!

Neste túmulo, onde jaz
Meu espírito indeciso,
Brilha às vezes um sorriso,
Treme um lampejo fugaz;

E então, do teu antro horrendo
Vão-se os monstros, que produzes;
Vão-se, uma por uma, as luzes
Da fantasia acendendo;

E, às intensas vibrações
Do sol, todo embandeirado,
Fulge, resplende o encantado
Palácio das ilusões...

Mas dura tudo um momento;
De novo em trevas me abismas,
Ó noite! e em mais fundas cismas
Recai o meu pensamento.

Vão-se a esperança e o sorrir,
– Vagas deste mar infindo,
Praias de ouro descobrindo,
Que tornam logo a cobrir...

Assim sobre as cinzas corre
Um sopro, e, efemeramente,
Faísca a brasa latente,
Arde, arqueja e, afinal, morre...

uma brisa da noite

   Se a tua fronte a febre escalda,
Vêm refrescá-la minhas asas. Estas
Asas as mesmas são, com que, as florestas
Atravessando, trêmula de amor,
Despertar, em seu ninho de esmeralda,
   As flores vou, distribuindo
   Um doce beijo a cada flor.
   Com estas asas o ar ferindo,
   O ar silencioso, rasgo no ar
   Uma torrente perfumada,
Onde bilhões de insetos, fosforeando,
As tênues asas de ouro vêm lavar...
É meu sopro, que, núncio da alvorada,
Vem refrescar teu cérebro incendido,
Brando e sutil, como é sutil e brando.
O anélito de um anjo adormecido.

o poeta

Intangível ideal! Cruel desejo
Insaciável! Essa, que além vejo,
      Ilusão fugitiva,
Brilha tão longe, tão além, que apenas
O olhar a atinge, e muito mal a atinge;
– Ave encantada, cujas ricas penas,
Cujas trêmulas asas, em cambiantes,
De uma longínqua aurora, a intensa e viva
Luz irisada, acatasola e tinge
      De cores flamejantes...
      Desejo insaciável!
      Inacessível sonho!
Julgo alcançá-la muitas vezes... Trago-a
Presa na mão; exulto a rir; suponho
Já possuí-la; apalpo-a... e ei-la, que voa,
E me escapa e me foge... Ei-la impalpável!
      É como o fluido, ou a água,
Por entre os dedos, que a retêm, se escoa...

uma ilusão

Alma jamais contente! Alma de poeta!
Atrás da pluma furta-cor, da inquieta
Asa de uma ilusão, eis-te a voar...
Estranhos climas e regiões estranhas
Atravessas com ela, afoutamente;
Desces aos vales, sobes às montanhas
E afrontas todos os tumultos do ar...
Alma de poeta! Alma jamais contente!
Se ela suspende o voo, o voo suspendes;
Abre ela as velas, e eis-te a todo o pano,
      Eis-te a subir com ela,
Tão alto... Abaixo a referver o oceano
      Serras d’água encapela...
E sobes mais.... com ela ao ninho ascendes
Das estrelas. No sol a fronte abrasas,
Como o condor. Nas nuvens e nos ventos
Bates as duras e possantes asas,
Rompendo o bojo dos bulcões violentos...
Por onde, em suma, ela, inconstante e vária,
Passou, tu sempre, ousada e temerária,
      Seu rastro ardente segues;
Mas, quando exausta cais, ela é já tua...
Pertence-te, apanhaste-a, é tua...
            Embora!
Já do encanto, que tinha, a vês tão nua!
Já, de perto, parece diferente
Da que vias de longe, essa ilusão!
Trás dela ias ansioso; e, alfim, consegues
Tê-la presa na mão... Mas eis, que agora
Já te aborreces, quando a tens na mão!
Alma de poeta! Alma jamais contente!
Em vão lutaste, combateste em vão!

o poeta

Cada ilusão é como uma esperança
De um bem, que tarde e que, afinal, se alcança,
De um bem, que, um dia, há de afinal chegar;
Enquanto este não chega e dura aquela,
      Goza-se mais com ela,
Do que depois, co’o bem, se há de gozar.

a esperança

Vem a meus braços, vem! Já, sobre o berço de ouro
De teus sonhos, soltar o perfumado, louro
E fúlgido lençol de meus cabelos vim;
Crava os olhos nos meus! Que horizontes sem fim
Neles descobrirás! Que abóbada infinita,
Onde, plena e perpétua, a Primavera habita!
Que céu de nuvens limpo e amplo, de norte a sul,
Eternamente belo, eternamente azul!

uma estrela funesta

Mente a Esperança! Mente a dádiva ilusória
Do Futuro! A radiante aparição da Glória
Mente! Empós desta, em vão, peregrinando vais
A agra região da dor! Longe é o alto! Jamais
Da Glória estrepitante a onda espumosa e brava
Virá rojar-te aos pés – branca e submissa escrava;
Para o diadema real, que sonhas, não produz
Diamantes Bisnagár, nem pérolas Ormuz.
Cingirás de irrisão e opróbrio uma coroa.
Tens acaso um amigo? O amigo te atraiçoa.
A mulher culto dás? Desdenha-te a mulher.
Não te será fiel teu próprio cão, sequer.
Bates de porta em porta, e vais de tenda em tenda,
Em vão! Nunca acharás uma alma, que te entenda!
Com quem teu negro pão compartas! que na dor
Seja a tua consocia! Uma só nívea flor,
Entre as pedras, jamais, brota do teu caminho...
E, andrajos arrastando, irás, roto e mesquinho,
Pela escura existência afora, sem ninguém,
Mudo e fitos no chão os olhos, como quem
Já descrente, afinal, na terra só procura
Um lugar, que lhe seja, ao menos, sepultura;
Mísero e vil, chegando até a recear
Que isso mesmo, também, lhe possa ela negar!...

uma alma compassiva

Poeta! Eu te reservo, alma que anseia e sofre,
A mais rara e melhor das jóias dó meu cofre;
Cristalizou-a a dor, e o seu vivaz clarão
Enche, como uma aurora, a tua escuridão;
Brilha mais do que um astro e mais do que um diamante.
Vou chorá-la em teu seio ardente e palpitante;
Recebe-a; sinto-a já, trêmula a reluzir:
Subiu do coração, dos olhos vai cair...

Fonte (parte da primeira estrofes): Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª ed. SP, Cultrix. Poema – com a dedicatória ‘A Arthur Azevedo’ – publicado em livro em 1891.

08 setembro 2016

O metabolismo do carbono

Walter Larcher

Nos primeiros períodos geológicos, uma membrana com atividade fotossintética se desenvolveu em procariontes primitivos (arqueobactéria, bactérias sulfurosas, cianobactérias) quando o ambiente era fortemente anóxico. A atmosfera primitiva era fortemente redutora e a hidrosfera também continha pouco oxigênio livre. Por meio da atividade fotossintética dos organismos autotróficos foi criada a base material e energética para a evolução da vida na Terra [...]. Ambos os produtos finais da fotossíntese, o oxigênio e o carbono assimilado, são igualmente importantes para todos os organismos vivos. O oxigênio tornou-se condição prévia para a respiração, a forma eficiente de oxidação biológica como fonte de energia para o metabolismo e de constituintes estruturais da célula. Os carboidratos tornaram-se substratos universais para a respiração e o ponto de partida para diferentes biossínteses. Com a progressiva evolução até a elevada diferenciação em plantas vasculares terrestres, a produção vegetal também aumentou. As comunidades vegetais constituem, graças ao trabalho fotossintético, uma fonte imensuravelmente grande, constante e renovável de biomassa e, portanto, de bioenergia.
[...]

Fonte: Larcher, W. 2000. Ecofisiologia vegetal. São Carlos, RiMa.

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