31 maio 2013

Soneto à berinjela

Jorge Tufic

Vi-te semente, vi-te escurecida
pela terra ociosa antes do inverno;
nas mãos de minha mãe vi-te ferida
para o recheio branco o arroz eterno.

De vinho tinto sempre travestida
roubando à sombra o seu luzir interno,
vejo-te ainda pendurando a vida
dos quintais numa folha de caderno.

És a pasta do luar, o aroma assado,
e ao gergelim e ao alho esse passado
me traz de volta os pêssegos e o mosto.

Vegetativa musa sobre a mesa
sacias com este pão, dás a certeza
de que tens cheiro lágrimas e rosto.

Fonte: Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 2005.

29 maio 2013

Como a anestesia silencia a dor?

Bruce Fellman

No dia 16 de outubro de 1846, Gilbert Abbott dormia durante o momento em que entrou para a história da medicina. Ele havia dado entrada no Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, para extirpar um tumor do pescoço, e a cirurgia atraiu uma multidão de médicos incrédulos. Não deram a Abbott a proverbial bala para morder, nem tampouco o encheram de uísque para matar a dor. Foi-lhe simplesmente dito – por um dos primeiros anestesistas do mundo, um dentista de nome William T. G. Morton – que respirasse fundo.

Depois que o paciente mergulhou na inconsciência, “todos que ali estavam esperavam ouvir, a qualquer instante, um grito de agonia quando a faca tocasse nos nervos sensíveis”, a mulher de Morton relatou mais tarde. “Mas a faca entrou e nenhum grito foi ouvido.” Quando a operação terminou, o cirurgião se voltou para a platéia e disse: “Cavalheiros, isto não foi nenhuma tapeação”. O que ele não disse foi como a anestesia funcionava.
[...]

Keith Miller, farmacologista de Harvard, explica que, a despeito das metáforas, sono e estado anestésico não são muito semelhantes. “Quando você está dormindo, a maioria de seus reflexos permanece intata e você ainda pode reagir a muitos estímulos”, observa. “Se você cutucar um camundongo quando ele estiver dormindo, irá acordá-lo.” Um camundongo sob anestesia, entretanto, não acordará. Tampouco um paciente.
[...]

Fonte: Leigh, J. & Savold, D., orgs. 1991 [1988]. O dia em que o raio correu atrás da dona-de-casa... e outros mistérios da ciência. SP, Nobel.

27 maio 2013

Gasômetros


Paul Signac (1863-1935). Les gasomètres, Clichy. 1886.

Fonte da foto: Web Gallery of Art.

25 maio 2013

Poema truncado

Alceu Wamosy

Volto do teu amor, como quem volta de uma
terra tristíssima e distante,
onde passam, na sombra, anjos de mãos de pluma
tangendo harpas de luz, numa ronda constante.

Trago nos olhos meus, desertos de alegria,
emoldurando a imagem tua,
saudades de rosais que pisei, nostalgia
de loureiros dormindo à luz clara da Lua;

Anda na minha voz, como um eco apagado
feito de lágrimas e mágoas,
reminiscência de outra voz, que, no passado,
escutei, de uma fonte, a dizer rezas de águas;

nos meus gestos, que são dolentes e profundos,
gestos de adeus, tristes e vagos,
há a calada expressão dos cisnes moribundos
sob o beijo da tarde, à flor azul dos lagos...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep. Poema publicado em livro em 1923.

23 maio 2013

A matemática e a chuva

Paul L. Meyer

A maioria de nós está intuitivamente a par deste fenômeno de estabilização, muito embora nunca possa tê-la verificado. Fazê-lo exige considerável porção de tempo e de paciência, porque encerra um grande número de repetições de um experimento. Contudo, algumas vezes, poderemos ser ingênuos observadores deste fenômeno, como o ilustra o seguinte exemplo.

Admitamos que estejamos postados na calçada e fixemos nossa atenção em dois blocos de meio-fio adjacentes. Suponha-se que comece a chover de tal maneira que sejamos realmente capazes de distinguir pingos isolados de chuva e registrar se esses pingos caem num meio-fio ou noutro. Ficamos a observar os pingos e anotar seu ponto de impacto. Denotando o i-ésimo pingo por Xi, onde Xi = 1 se o pingo cair no primeiro meio-fio, e igual a 0 se cair no outro, poderemos observar uma seqüência, como por exemplo, 1, 1, 0, 1, 0, 0, 0, 1, 0, 0, 1. É evidente que não seremos capazes de prever onde um particular pingo irá cair. [...] Se calcularmos a freqüência relativa do evento A = {o pingo cai no meio-fio 1}, então, a seqüência de resultados acima dará origem as seguintes freqüências relativas (baseadas na observação de 1, 2, 3,... pingos): 1, 1, 2/3, 3/4, 3/5, 3/6, 3/7, 4/8, 4/9, 4/10, 5/11,... Esses números evidenciam um elevado grau de variação, especialmente no início. É intuitivamente evidente que, se o experimento acima continuasse indefinidamente, essas freqüências relativas iriam se estabilizar próximas do valor 1/2. Conseqüentemente teríamos toda razão em acreditar que, depois de algum tempo decorrido, os dois meios-fios estariam igualmente molhados.

Esta propriedade de estabilidade da freqüência relativa é, por enquanto, uma noção inteiramente intuitiva, porém mais tarde estaremos aptos a torná-la matematicamente precisa. A essência desta propriedade é que, se um experimento for executado um grande número de vezes, a freqüência relativa da ocorrência de algum evento A tenderá a variar cada vez menos à medida que o número de repetições for aumentada. Esta característica é também conhecida como regularidade estatística.

Fonte: Meyer, P. L. 1977 [1965]. Probabilidade: aplicações à estatística. RJ, LTC.

21 maio 2013

Se queres ver do mundo um novo mapa

Bernardo Vieira Ravasco

Se queres ver do mundo um novo mapa,
Oitenta anos, atenta nesta cepa,
Por onde em ramos a cobiça trepa
E emaranhada faz do tronco lapa.

Morde com dentes, que não tem cá papa,
Com a língua fere, com as mãos decepa
Soldado oposto, livre da carepa
Que de tarde e manhã raivoso rapa.

Os olhos d’água, as faces de tulipa
E cada um dos pés de pau garlopa
A boca grande, o corpo de chalupa.

O bofe muito e muito pouca tripa.
E a minha musa, porque a tudo topa,
É apa, epa, ipa, opa, upa!

Fonte: Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 1. SP, Cultrix & Edusp. Poema do final do século 17. O autor era irmão de Pe. António Vieira.

19 maio 2013

A Maria dos povos, sua futura esposa


Discreta e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos e boca o Sol e o dia:

Enquanto com gentil descortesia,
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança brilhadora
Quando vem passear-te pela fria...

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trata a toda a ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Ó não guardes, que a madura idade,
Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Fonte: Spina, S. 1995. A poesia de Gregório de Matos. SP, Edusp.

17 maio 2013

O pecado


Franz von Stuck (1863-1928). Die Sünde. 1893.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 maio 2013

Aquarela


O corpo no cavalete
é um pássaro que agoniza
exausto do próprio grito.
As vísceras vasculhadas
principiam a contagem
regressiva.
No assoalho o sangue
se decompõe em matizes
que a brisa beija e balança:
o verde – de nossas matas
o amarelo – de nosso ouro
o azul – de nosso céu
o branco o negro o negro

Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª edição. RJ, Aeroplano. Poema publicado em livro em 1974. ‘Cacaso’ é pseudônimo de Antônio Carlos de Brito.

13 maio 2013

Pará

Alfred Russel Wallace

Foi na manhã do dia 26 de maio de 1848 que, depois de uma rápida viagem de 29 dias, tendo partido de Liverpool, ancoramos defronte à barra meridional do Amazonas e tivemos nossa primeira visão das terras sul-americanas. À tarde, veio um piloto a bordo, e, na manhã seguinte, navegamos rio acima com o vento de feição. Por cerca de 50 milhas não se podia distinguir se aquelas águas tranqüilas e descoloridas seriam do rio ou do oceano, pois não se enxergava a margem setentrional, enquanto que a meridional se achava a uma distância de 10 ou 12 milhas. Ancoramos novamente no dia 28, pela madrugada, e quando o sol nasceu num céu sem nuvens, divisamos a cidade do Pará [Belém], rodeada pela densa floresta. Destacavam-se, acima de todas, as copas das palmeiras e bananeiras. Nossos olhos alegravam-se duplamente com a bela visão dessas plantas em seu estado natural, elas que tantas vezes admiramos nas estufas de Kew e de Chatsworth. As canoas que passavam com sua variegada tripulação composta de negros e índios, os urubus que pairavam acima de nossa cabeças ou que caminhavam preguiçosamente pela praia, os bandos de andorinhas que pousavam sobre os telhados das igrejas e casas, tudo servia para ocupar nossa atenção. Por fim, vieram os funcionários da Alfândega e tivemos permissão de descer em terra.
[...]

Fonte: Wallace, A. R. 1979 [1889]. Viagens pelos rios Amazonas e Negro, 2ª edição. Belo Horizonte & São Paulo, Itatiaia & Edusp.

12 maio 2013

Seis anos e sete meses no ar

F. Ponce de León

Neste domingo, 12/5, o Poesia contra a guerra completa seis anos e sete meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 206.335 visitas foram registradas ao longo desse período.

Desde o balanço mensal anterior – Seis anos e meio no ar – foram aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: Detlev von Liliencron, François Villon, H. Dobal, Imre Lakatos, Maynard Solomon, Nicolas Witkowski, Nigel Harris, Pedro Dantas e Pethion de Villar. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Hans Thoma, Lucas Cranach, o Velho, e Wilhelm Leibl.

10 maio 2013

Sobre estas duras, cavernosas fragas


Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n’alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas:

Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas:

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co’a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo:

Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.

Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Poema publicado em livro em 1853.

09 maio 2013

Do nada ao todo

Nicolas Witkowski

Um simples nome basta para fazer empalidecer os adeptos do positivismo, ameaçar de apoplexia os paladinos de um progresso científico linear e engasgar os partidários do sacrossanto ‘método científico’: Johannes Kepler (1571-1630). Já considerado em vida criatura inclassificável, tornou-se, na história das ciências, um ícone que resume toda a dificuldade de pensar os primórdios da ciência moderna. Kepler foi objeto de vários trabalhos de pesquisa, e são incontáveis, depois de Arthur Koestler, os biógrafos desse personagem de romance. Que tal indivíduo, depositário dos trabalhos do dinamarquês Tycho Brahe, apaixonado pela astrologia e a mística, terçando armas (a pluma) tanto com o físico italiano Galileu como com o astrólogo inglês Robert Fludd, tenha conseguido, pioneiramente, compreender o movimento dos planetas permanece um enigma significativo no âmbito do que hoje chamamos de ciência.

Kepler não mostrava de fato nenhum dos traços distintivos do ‘cientista’ futuro. Nem matemático excepcional, como seria Newton, nem deliberadamente racionalista, como se tornaria Descartes, permaneceu um homem do Renascimento atípico perdido no século 17, um desses eruditos barrocos, curiosos por tudo e profundamente religiosos, que viam por trás de cada fenômeno de natural a mão de um Deus onisciente. Mas o olhar de Kepler era de uma excepcional acuidade, e de um modernismo perturbador. Enquanto Galileu observava os planetas com a luneta, era Kepler quem explicava o funcionamento desse aparelho – atitude decisiva numa época que hesitava em qualificar como ilusórias as visões instrumentalizadas dos astrônomos. Enquanto a revolução copernicana insistia na circularidade dos orbes planetários, Kepler era o primeiro a falar em órbitas elípticas (1609), e a definir sua forma com notável precisão. Ora, o que reconhecemos atualmente como etapas essenciais no caminho da Razão científica não passava, para Kepler, do resultado de um jogo intelectual do qual a intuição e as considerações estéticas nunca estavam ausentes.
[...]

Fonte: Witkowski, N. 2004. Uma história sentimental das ciências. RJ, Jorge Zahar.

07 maio 2013

A cachorra

Pedro Dantas

Veio uma angústia de cima
Pelos ombros me agarrou
No mais fundo do meu peito
Sua lâmina cravou
Depois que no chão desfeito
O meu corpo estrebuchou
Pelos cabelos a fera
Sobre pedras me arrastou.
Meu corpo se espedaçou.
Mas ainda não satisfeita
Nova vida me insuflou:
Para mostrar poderio
Com a sua mão direita
Uma cidade arrasou
Na esquerda tomou um rio
Fogo nas águas soprou
As águas todas do rio
Com seu hálito secou
Levou-me aos cimos mais altos
No ar me imobilizou
Depois em súbitos saltos
A garra adunca fincando
No meu coração, lá do alto
Soltou um grito nefando
E sobre o mar me atirou.
Ah! nas águas do mar alto
Meu corpo logo afundou.
Veio buscar-me de novo:
Angina-pectoris, polvo,
Meu coração sufocou
E tais surras de chicote
Me deu, que a cada lambada
Minh’alma mortificada
Minh’alma perto da morte
Só a morte desejou;
Meu rosto esfregou na lama
As faces me babujou
E quando, à atroz azáfama,
O meu olhar se turvou
Vencido entregue arquejante
– Perdido o sangue das veias –
Na praia sobre as areias
Meu corpo exausto rodou.
Ah! pobre corpo do amante
Que até o fim se humilhou!
Então um riso infamante
As fauces lhe escancarou
Zombou da minha tolice
“Eu sou a Cachorra”, disse,
“Tu me chamaste: aqui estou.”

A essa voz dissiparam-se as sombras
E enquanto ela me mastigava os últimos restos da memória
Senti que da sua boca nasciam rosas
E vi que o céu se rasgava para a maravilhosa aparição.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1946. ‘Pedro Dantas’ é pseudônimo de Prudente de Morais Neto.

05 maio 2013

Adão e Eva


Lucas Cranach, o Velho (1472-1553). Adam und Eva. 1526.

Fonte da foto: Web Gallery of Art. Há diversas outras obras do autor com o mesmo título.

03 maio 2013

Isostasia

Nigel Harris

Considere um bloco de madeira flutuando na água [...]. Observe que, quanto mais grosso for o bloco, maior será a espessura da madeira que emerge acima da água. O mesmo ocorre com um iceberg: quanto maior ele for, mais dele poderá ser visto acima da superfície do mar. A tendência da litosfera da Terra em comportar-se de maneira semelhante em relação à astenosfera subjacente é conhecida como isostasia.

A crosta continental (isto é, a parte superior da litosfera continental) tem composição principalmente granítica. Sua espessura média é de aproximadamente 40 km, mas sob as cadeias de montanhas pode chegar a 90 km de espessura. A crosta oceânica tem composição principalmente basáltica, com uma espessura média de aproximadamente 7 a 8 km, e é mais densa do que a crosta continental. Pela analogia com os blocos de madeira e icebergs, em equilíbrio isostático, a litosfera continental ‘passeia’ ou ‘flutua’ mais alto na astenosfera subjacente do que a litosfera oceânica, razão pela qual os assoalhos oceânicos estão abaixo do nível do mar.
[...]

Fonte: Harris, N. 2011 [2008]. Tectônica global, clima e vida. In: Cockell, C., org. Sistema Terra-vida: Uma introdução. SP. Oficina de Textos.

01 maio 2013

A cachoeira


Mas súbito da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas...
Titubantes – no álveo do rio –
Tremem as lapas dos titães coevas!...
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?...
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!...

Quando no lado fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra sucr’ruiuba o cheiro imundo...
Mas já tarde... silvando o monstro voa...
E o novilho preado os ares troa!

Então doido de dor, sânie babando,
Com a serpente no dorso parte o touro...
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro...
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro...
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.

Assim dir-se-ia que a caudal gigante
– Larga sucuruiuba do infinito –
Co’as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!...
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito...
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!...

Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto...
Atropela-se, empina, espuma o bando...
E em massa rui no precipício aberto...
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto...
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas...

A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parceis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Agüentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai no ombro.

Grupo enorme do fero Laocoonte
Vira a Grécia acolá e a luta estranha!...
Do sacerdote o punho e a roxa fronte...
E as serpentes de Tênedos em sanha!...
Por hidra – um rio! Por áugure – um monte!
Por aras de Minerva – uma montanha!
E em torno ao pedestal laçados, tredos,
Como filhos – chorando-lhe – os penedos!!!...

Fonte: Alves, C. 1990. Poemas, 8ª edição. RJ, Agir. Poema publicado em livro em 1876.

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