José Elói Ottoni
Soprando a chama do
aquecido engenho,
Batendo as asas da razão
liberta,
Desprende o vate a
suprimida pena
Da força oculta que lhe
tolhe o rasgo.
Não teme o vento rugidor,
não teme
A nuvem grossa que trovão
despeja;
Transpondo o espaço, que
às ideias obsta,
Navega afouto sobre o
livre espaço.
Não cuides, Lília, que eu
avance ousado
Além da meta circunscrita
aos vates:
Da pátria amigo, o
cidadão respeito,
Respeito as leis, a
religião, o Estado;
Quando cheio de Apolo às
nuvens mando
Meus pobres versos, da
desgraça filhos,
O mesmo Númen, que os
inspira e move.
Bafeja e manda que
inspirados devam
Partir de um ponto, que
no centro é fixo.
Salvando o golfão que as
paixões exala,
Sem mancha, livre d’infecção,
seguro
Do bafo crestador, que a
mente empola,
Não sirvo ao prêmio da
lisonja escravo;
Arrasto os ferros que os
mortais arrastam.
Eu amo, ó Lília, e se
amor é culpa,
De ser culpado não s’exclui
quem ama.
Não zombe o sábio de me
ouvir, atenda,
Escute o sábio a voz da
natureza.
As plantas vivem porque
as plantas amam;
Ao tronco unidas, quando
os olmos brotam,
Brotam as verdes trepadeiras
heras.
Não curva os braços verdejantes,
ergue
Soberba o colo, e
demandando as nuvens
A palmeira recebe, acolhe,
afaga
Suspiros ternos que a
saudade envia
No bafo meigo do amador
distante.
Se o fido esposo que de
longe exala
O suco etéreo, que vegeta
e nutre,
Cedendo a força malfazeja
expira;
A esposa, logo que a
exalar começa
Do fluido exausto o
deprimido alento,
Sequiosa pergunta, afável
pede
Notícia ao vento, que lhe
nega e foge;
Não vive a esposa quando
o esposa acaba,
Perdendo a força
nutritiva perde
O vigor da união que
enlaça e prende:
E do esposo chorando a
perda infausta,
Convulsa treme, solitária
morre.
Reflete, ó Lília, nos
purpúreos gomos,
Fecunda prole do virgínio
fogo,
Que acende o pejo da
engraçada Flora,
Vê, como a força vegetal
rebenta.
Da florífera Vênus, do
engraçado,
Formoso Adônis, que em
consórcio unidos
Prestavam firmes os
solenes votos
Qu’exige a prole de
brincões amores.
Depois que a tocha
nupcial acende,
O purpúreo Himeneu dá
vida às flores,
Acode aos gomos, e
rebenta o germe.
Não para o fluído, os
filamentos incham,
Rebenta o cálix, e os
amantes soltam
Do peito o aroma que
perfuma os ares.
Oh santa, oh justa, oh sábia
natureza!
Como é possível
desligar-se um ente,
Que à mesma espécie do
outro ente é unido:
Os voláteis no céu, no
mar os peixes,
O pequeno réptil, o
inseto informe,
Os entes do universo...
ou nada existe,
Ou cada espécie à sua
espécie é unida.
E se um ente mais nobre
existe, o homem,
Se uma hidráulica mais
sublime o nutre,
Qu’eficaz atração, que
força ativa
Dispõe de um ente, que o
autor dos entes
Manda que impere aos
entes do universo,
Não por orgulho, sim por
excelência
De um princípio, que
move, anima e nutre!
Fonte (versos 11,12, 27-34):
Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 2. SP, Cultrix & Edusp. Poema dedicado ao
Pe. Antônio Pereira de Souza Caldas (1762-1814), então recém-falecido.