Fernando Pessoa
Não: não quero nada.
Já disse que não quero
nada.
Não me venham com
conclusões!
A única conclusão é
morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a
metafísica!
Não me apregoem sistemas
completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das
ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes,
da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses
todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho
técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com
todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a
sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de
Deus!
Queriam-me casado, fútil,
quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário
disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa,
fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham
paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho
para o diabo!
Para que havemos de ir
juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem
no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem
que eu seja de companhia!
Ó céu azul – o mesmo da
minha infância –
Eterna verdade vazia e
perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e
mudo,
Pequena verdade onde o
céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada,
Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me
tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não
tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo
e o Silêncio quero estar sozinho!
Fonte: Melo e Castro, E.
M. 1973. O próprio poético. SP,
Quíron. Poema publicado – sob o heterônimo de Álvaro de Campos – em 1923.