31 outubro 2019

Conceito moderno de adolescência

Merval Rosa

Etimologicamente, a palavra adolescência vem do verbo latino adolescere, que significa crescer ou desenvolver-se até a maturidade.

Por muitos séculos o termo adolescência foi definido, quase que exclusivamente, em função dos seus aspectos biológicos. E, como veremos a seguir, adolescência e puberdade eram [usadas] como palavras sinônimas. Modernamente, entretanto, adolescência deixou de ser um conceito puramente biológico e passou a ter, sobretudo, uma conotação psicossocial. [...]

Cronologicamente, a adolescência, ao menos nas culturas ocidentais, é o período da vida humana que vai dos doze ou treze anos até mais ou menos aos vinte e dois ou vinte e quatro anos de idade, admitindo-se, evidentemente, consideráveis variações tanto de ordem individual e, sobretudo, de ordem cultural.

Fonte: Rosa, M. 1982. Psicologia evoluviva, v. 3 – Psicologia da adolescência. Petrópolis, Vozes.

29 outubro 2019

Dislexia

Mark Selikowitz

A dificuldade na leitura foi a primeira forma de dificuldade específica de aprendizagem a ser descrita. Em 1878, um médico alemão, Dr. [Adolph] Kussmaul, descreveu um homem que era incapaz de aprender a ler. O homem possuía inteligência normal e havia recebido uma educação adequada. Dr. Kussmaul denominou este problema de cegueira da leitura. Nove anos depois, Dr. [Rudolf] Berlin, outro médico alemão, criou o termo dyslexia (do grego, ‘dificuldade com as palavras’) para esta condição.

Fonte: Selikowitz, M. 2001. Dislexia e outras dificuldades de aprendizagem. RJ, Revinter.

27 outubro 2019

Lição de geografia


Eleuterio Pagliano (1826-1903). La lezione di geografia1880.

Fonte da foto: Wikipedia.

25 outubro 2019

Soneto dos símbolos efêmeros

Waldemar Lopes

Os símbolos efêmeros: memento
da vida breve: música secreta
– do tempo, a se esvair na asa do vento,
– do sonho, a esmaecer a chama inquieta.

Cresça no céu de pedra o véu nevoento;
junto à nuvens se perca a doida seta
rumo ao não e ao talvez: o sentimento
atrela-se a uma estrela, e essa incompleta

visão apaziguante é misteriosa
luz transcendência: rútila persiste,
seiva do ser, essência poderosa,

pois se foi dito o quanto a carne é triste,
arde em perfume o espírito da rosa
e é mais belo o que só no sonho existe.

Fonte: Horta, A. B. 2003. Sob o signo da poesia. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1981.

23 outubro 2019

E o Nobel da Paz?


De todas as categorias, o Nobel da Paz é seguramente a mais enxovalhada e, por isso mesmo, a mais questionável. E não é difícil entender o motivo: a categoria se presta muito bem ao gaiatismo e à politicagem!

Mas a situação tem lá as suas sutilezas...

Por um lado, os responsáveis pela premiação já devem ter reconhecido que a falta de um nobelista brasileiro é algo verdadeiramente espantoso – para não dizer escandaloso. A ponto de comprometer a imagem de “imparcialidade e grandeza” que é comumente associada ao Nobel.

Por sua vez, a nossa comunidade acadêmica deixa muito a desejar... De tal modo e a tal ponto que são bastante remotas as chances de um brasileiro (especialmente alguém que esteja a trabalhar no país) vir a ser agraciado com um Nobel nas áreas mais duras (Física, Química e Fisiologia/Medicina) ou mesmo em Economia. Ao menos no médio prazo.

Nosso consolo poderia vir das categorias mais frouxas, Literatura e Paz. E é aí que se encaixariam hoje as candidaturas de Lula e Raoni. Este último contaria com uma vantagem adicional: trata-se de um autêntico nativo americano, o que lhe daria certa aura de pureza.

Mas algo parecido ocorreria também com a candidatura da adolescente sueca Greta Thunberg. Estou a me refer aqui ao seguinte: Mais do que o mero ativismo ecopolítico, suspeito que o nome de Greta tenha ganhado destaque em decorrência de ela ter sido diagnoticada como portadora de certos distúrbios comportamentais. Assim como no caso de Raoni, isso conferiria uma aura especial ao seu nome e à sua candidatura.

Em termos jornalísticos, o xis da questão é o de sempre: Nos últimos meses, a nossa imprensa (grande ou pequena) pouco ou nada investigou a respeito do assunto – i.e., prós e contras de alguns nomes cujas candidaturas vieram a público. Não é de estranhar que o público brasileiro tenha chegado ao dia do anúncio do Nobel da Paz (11/10) mais ou menos do mesmo jeito como costuma se portar diante de quase tudo: pouco ou nada esclarecido, mas “torcendo muito”...

*

PS. O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali (nascido em 1976), foi o agraciado com o Nobel da Paz 2019.

21 outubro 2019

Fecundidade e prosperidade

Han Fei-Tzu

Nos tempos antigos, o povo era pouco numeroso, mas rico e sem luta. O povo, no presente, pensa que cinco filhos não é muito, e cada filho também tem cinco filhos e antes da morte do avô já existem 25 descendentes. Portanto, o povo aumenta e a riqueza diminui; trabalha muito e recebe pouco. A vida de uma nação depende de o povo ter alimento suficiente, não do número de pessoas.

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Nacional & Edusp. O autor viveu entre 280 e 233 aC.

19 outubro 2019

Somos todos macacos africanos


Alguns autores acreditam que os seres humanos modernos surgiram na África, na Ásia e na Europa, independentemente. É a chamada hipótese Multirregional. Muitos outros, no entanto, defendem uma origem exclusivamente africana – é a hipótese Oriundos da África.

A segunda é a mais aceita, atualmente: os seres humanos modernos teriam surgido na África; colonizando em seguida a Ásia e a Europa, onde conviveram e terminaram substituindo os povos indígenas que viviam naquelas regiões.

A história poderia ser resumida da seguinte maneira: há cerca de 300 mil anos, nossos ancestrais africanos teriam se dividido em duas linhagens, a primeira permaneceu na África, enquanto a outra (os neandertais – Homo neanderthalensis ou H. sapiens neanderthalensis) saiu do continente africano, indo colonizar a Ásia e a Europa, onde prosperaram e viveram até cerca de 40 mil anos atrás, quando foram extintos. A linhagem que permaneceu na África deu origem aos humanos modernos (H. s. sapiens), alguns dos quais migraram depois para o Oriente Médio, a Europa e a Ásia; em seguida, para a Austrália e ilhas próximas; e, por fim, há uns 15-30 mil anos, para as Américas (do Norte, Central e do Sul). Os humanos modernos e os neandertais teriam convivido por milhares de anos em diversas regiões, principalmente na Europa e na Ásia.

Evidências moleculares

A noção de que a espécie humana veio da África é antiga. Wallace não acreditava nisso, imaginando que o berço fosse a Ásia. Mas Darwin acreditava e argumentou a favor de tal hipótese – na época, vale notar, ainda não havia sido identificado qualquer fóssil de hominídeo extinto [1].

Desde então, as pesquisas sobre as origens da espécie humana tem se guiado muito pelos achados fósseis. O mesmo vale para o estudo da colonização dos continentes ou das migrações regionais. Todavia, após o advento e a disseminação de técnicas moleculares, tem sido possível reconstituir capítulos importantes da nossa história evolutiva com base em marcadores genéticos presentes em populações contemporâneas. Um desses capítulos diz respeito à controvérsia em torno da saída do H. sapiens da África. Outro tem a ver com a questão da colonização das Américas, os últimos continentes a serem ocupados por seres humanos.

A opinião tradicional, com base principalmente no exame de artefatos (e.g., pontas de projéteis) e vestígios (e.g., carvão atribuído a fogueiras) sustenta que os primeiros colonizadores chegaram a pé, vindos da Ásia, atravessando uma conexão terrestre entre a Sibéria e o Alasca. A partir daí, eles teriam colonizado a América do Norte, a América Central e ilhas próximas e, por fim, a América do Sul. Mais recentemente, porém, evidências moleculares – obtidas a partir do estudo de certos marcadores genéticos de populações viventes – serviram de base para uma hipótese radicalmente diferente. De acordo com esse novo ponto de vista, os primeiros colonizadores teriam chegado primeiro à América do Sul (atravessando o oceano, vindos da África) e só depois teriam colonizado as Américas Central e do Norte. Ainda mais recentemente, uma nova reviravolta tornou a favorecer a opinião tradicional, só que agora recuando o calendário da colonização para até 50 mil anos atrás.

Coda

Evidências fragmentárias dão origem a opiniões divergentes. Mais pesquisas de campo devem ser conduzidas antes que se possa equacionar e eventualmente resolver as divergências. Só então será possível elaborar um quadro mais detalhado e completo do que se passou nas Américas com os nossos antepassados.

Acima de todas as controvérsias, no entanto, uma coisa parece certa: todos nós – americanos, asiáticos, europeus etc. – descendentes de um mesmo ramo ancestral. É por isso que somos tão parecidos [2].

No fim das contas, viemos todos do mesmo lugar.

Somos todos macacos africanos [3].

*

Notas

[*] Artigo extraído e adaptado do livro O que é darwinismo (2019). (A versão impressa contém referências bibliográficas.) Para detalhes e informações adicionais sobre o livro, inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato com o autor pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Os primeiros Australopitechus foram encontrados em 1924, na África do Sul, enquanto A. afarensis (Lucy) só foi descrito na década de 1970.

[2] O genoma humano foi mapeado pelo Projeto Genoma Humano (1990-2003). Até então, imaginava-se que os 24 (22 + X e Y) cromossomos humanos transportassem ~100 mil genes codificadores de proteínas. Em 2003, os resultados indicaram 35 mil; em 2004, o total foi rebaixado para 20-25 mil. (Há ainda genes que não codificam proteínas.) Eles são formados de ~3,08 bilhões de pares de bases. Estima-se que dois seres humanos difiram em média em 0,01% de suas bases. Significaria dizer que cada um de nós compartilha 99,99% do genoma com os demais seres humanos.

[3] Devo ressaltar que aqui e nos dois artigos anteriores (‘Nós, os primatas’, I e II), eu adotei uma abordagem parcial: como teria sido a história evolutiva do H. sapiens, sem discutir os porquês – i.e., que fatores poderiam ter moldado essa história?

* * *

17 outubro 2019

Song of the Shirt

Thomas Hood

With fingers weary and worn,
   With eyelids heavy and red,
A woman sat in unwomanly rags,
   Plying her needle and thread –
      Stitch! stitch! stitch!
In poverty, hunger, and dirt,
   And still with a voice of dolorous pitch
She sang the “Song of the Shirt.”

   “Work! work! work!
While the cock is crowing aloof!
   And work – work – work,
Till the stars shine through the roof!
It’s O! to be a slave
   Along with the barbarous Turk,
Where woman has never a soul to save,
   If this is Christian work!

   “Work – work – work,
Till the brain begins to swim;
   Work – work – work,
Till the eyes are heavy and dim!
Seam, and gusset, and band,
   Band, and gusset, and seam,
Till over the buttons I fall asleep,
   And sew them on in a dream!

   “O, men, with sisters dear!
   O, men, with mothers and wives!
It is not linen you’re wearing out,
   But human creatures’ lives!
      Stitch – stitch – stitch,
   In poverty, hunger and dirt,
Sewing at once, with a double thread,
   A Shroud as well as a Shirt.

   “But why do I talk of death?
   That phantom of grisly bone,
I hardly fear his terrible shape,
   It seems so like my own –
It seems so like my own,
   Because of the fasts I keep;
Oh, God! that bread should be so dear.
   And flesh and blood so cheap!

   “Work – work – work!
   My labour never flags;
And what are its wages? A bed of straw,
   A crust of bread – and rags.
That shattered roof – this naked floor –
   A table – a broken chair –
And a wall so blank, my shadow I thank
   For sometimes falling there!

   “Work – work – work!
   From weary chime to chime,
Work – work – work,
   As prisoners work for crime!
Band, and gusset, and seam,
   Seam, and gusset, and band,
Till the heart is sick, and the brain benumbed,
   As well as the weary hand.

   “Work – work – work,
In the dull December light,
   And work – work – work,
When the weather is warm and bright –
While underneath the eaves
   The brooding swallows cling
As if to show me their sunny backs
   And twit me with the spring.

   “O! but to breathe the breath
Of the cowslip and primrose sweet –
   With the sky above my head,
And the grass beneath my feet;
For only one short hour
   To feel as I used to feel,
Before I knew the woes of want
   And the walk that costs a meal!

   “O! but for one short hour!
   A respite however brief!
No blessed leisure for Love or hope,
   But only time for grief!
A little weeping would ease my heart,
   But in their briny bed
My tears must stop, for every drop
   Hinders needle and thread!”

With fingers weary and worn,
   With eyelids heavy and red,
A woman sat in unwomanly rags,
   Plying her needle and thread –
      Stitch! stitch! stitch!
   In poverty, hunger, and dirt,
And still with a voice of dolorous pitch, –
Would that its tone could reach the Rich! –
   She sang this “Song of the Shirt!”

Fonte (v. 39-40): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 3. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em 1843.

15 outubro 2019

O cavaleiro do espírito ocidental


Carlo Carrà (1881-1966). Il cavaliere dello spirito occidentale1917.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 outubro 2019

Epifitismo: lianas y estranguladoras

J. M. Rubio Recio

Con el nombre genérico de epifitas nos referimos a un gran conjunto de ‘plantas que viven sobre plantas’.

Efcctivamente, en la selva amazónica los vegetales de esas características tiene una gran significación biológica y paisajística de detalle. De ellas destacaremos sólo algunos grupos – lianas o bejucos y estranguladoras – y dos familias – bromelias y orquídeas –, sin con ello agotar, ni mucho menos, el tema.
[...]

Mientras las lianas o bejucos son plantas que parten de la tierra, de su propio sistema de raíces, las llamadas estranguladoras proceden de otro modo. Surgen a partir de alguma semilla que queda adherida a cualquier punto favorable de la bifurcación de un tronco o una rama, en el que se haya acumulado un mínimum de materia térrea u orgánica. Allí germina y, al mismo tiempo, desarrolla ramas hacia la luz y raíces aéreas o enlazadas a los troncos hacia el suelo. [...]

Fonte: Rubio Recio, J. M. 1988. El Amazonas: El infierno vierdeMadri, Anaya.

12 outubro 2019

Aniversário de 13 anos

F. Ponce de León

Hoje, 12/10, o Poesia contra a guerra completa 13 anos no ar (2006-2019).

Nos últimos 12 meses, foram publicados aqui textos de 80 novos autores, além de outros que já haviam sido publicados antes – ver ‘Aniversário de 12 anos’ e balanços anteriores. Eis a lista de estreantes:

A. G. Forsdyke, Adriana Reyneri, Affonso Guidão Gomes, Alan Thein Durning, Alexander Pope, Alfred de Musset, André Torres, Antonio Roberval Miketen, Aristóteles e Arnaldo Xavier;

Bruno Bettelheim;

C. U. M. Smith, Carlos F. M. Menck, Carlos Ruiz Zafón, Charles Simic, Claudio Fragata, Christopher Longuet-Higgins e Christopher Uhl;

Dalton Trevisan, Diana Wynne Jones, Dina Salústio, Dinaw Mengestu, Dirceu Quintanilha, Donald W. Lathrap e Donald Perry;

Edimilson de Almeida Pereira, Éle Semog e Elisa Lucinda;

Fátima Guedes, Félix Pacheco, Fernando de Andrade Quintanilha Ribeiro, Flávio R. Kothe, Franklin P. Kilpatrick e Frederick R. Whatley;

G. Evelyn Hutchinson, Geoff Dyer, Geraldo Mayrink, Giovanni Della Casa, Gonçalves de Magalhães, Giovanni Pascoli e Gillian Flynn;

Hernando de Acuña;

Iván Izquierdo;

J. B. S. Haldane, Jean Dorst, Jean M. Whatley, Joanyr de Oliveira, João Carlos Taveira, Jodi L. Jacobson, Jorge Manrique e José Alberto;

Kimberly Brubaker Bradley;

Laila Alves Nahum, Lawrence M. Cook, Lourenço de Médici, Luis Carlos López e Luís E. Soares Netto;

Marcelo Carnier Dornelas, Maria Cristina Varriale, Maria do Carmo Caixeta, Mariana Ferraz, Marston Bates e Max Black;

Nathaniel Kleitman e Neil Gaiman;

Orlando Valverde;

Patrick Matthew, Paul Laurence Dunbar, Philip M. Sheppard e Porfirio Barba Jacob;

Roberto Lent e Ronald Augusto;

Telma Regina, Terezinha Alves Ferreira Collichio, Tertuliano e Tito Lucrécio Caro;

Verlande Duarte Silveira e Vernon L. Kellogg; e

Wilhelm von Drigalski, William H. Ittelson e Wilson Pereira.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras de 31 novos pintores, a saber: Adriaen van Ostade, Amadeo de Souza Cardoso e Arturo Michelena; Bartholomäus Strobel, o Moço, e Bernardo Bellotto; Charles-Antoine Coypel, Cornelis Bega e Cristóbal Rojas; Ernest Lawson e Eugène Fromentin; Félix Bernardelli; Georgina de Albuquerque, Gerard van Honthorst, Giacinto Gigante, Giovanni Paolo Pannini, Giovanni Segantini e Gonzalo Bilbao; Jacob Philipp Hackert, Jan de Bray, Joachim Patinir, John Sloan e Joseph Vernet; Kees van Donge; Leopold Carl Müller e Lubin Baugin; Noël Nicolas Coypel; Othon Friesz; Raphael von Ambros e Richard Brakenburgh; Umberto Boccioni; e William Glackens.

10 outubro 2019

Ejes de nicho escenopoéticos y bionómicos

G. Evelyn Hutchinson

Los ejes de un nicho multidimensional son de dos tipos. En un conjunto de casos el nicho de un organismo está determinado por los límites de tolerancia a ciertas variables físicas y químicas intensivas, de las que son ejemplos evidentes la temperatura, la iluminación y la humedad. Si la especie tiene que vivir en un hábitat en el que se espera un determinado rango de de valores, la especie debe tolerarlos. En el caso más simple, la mera tolerancia por parte de una especie de un espectro determinado de temperatura no importa para la existencia de otras especies en lo que respecta a la tolerancia térmica; no hay competencia directa por una temperatura de unos 20 ºC. Estos ejes del nicho estabelecen el escenario y pueden denominarse escenopoéticos. Los otros ejes se relacionan con variables que se hallan directamente implicadas en la vida de los organismos, en general, como recursos por los que puede haber competencia; se les puede denominar convenientemente ejes bionómicos.

Fonte: Hutchinson, G. E. 1981 [1978]. Introducción a la ecología de poblaciones. Barcelona, Blume.

08 outubro 2019

Procedimentos de modelagem

Affonso Guidão Gomes & Maria Cristina Varriale

Não é razoável esperar que exista um procedimento sistemático universal para o desenvolvimento e construção de modelos. Na realidade, poder-se-ia até afirmar que o procedimento de construção de modelos constitui uma arte. Na primeira seção deste capítulo sobre modelagem, analisaremos alguns pontos levantados por Beck, ao considerar problemas associados ao desenvolvimento de modelos. As ideias de M. B. Beck encontram-se publicadas no livro Mathematical modeling of water quality: Streams, lakes and reservoirs, Wiley (1983).

Podemos, inicialmente, distinguir as duas seguintes questões: a) De que forma seria possível determinar um conjunto de relações aproximadas para a descrição das propriedades de um dado sistema, conhecida uma teoria geral para o mesmo? b) Como verificar se as aproximações contidas no modelo são adequadas para descrever o comportamento experimental observado? Estas duas questões, como será discutido adiante, exibem a razão pela qual o processo de modelagem se divide naturalmente em duas partes.

Fonte: Gomes, A. G. & Varriale, M. C. 2004. Modelagem de ecossistemas: Uma introdução, 2ª ed. Santa Maria, Editora UFSM.

06 outubro 2019

Ídolo moderno


Umberto Boccioni (1882-1916). Idolo moderno. 1911.

Fonte da foto: Wikipedia.

05 outubro 2019

A base material da herança


Todos os seres vivos – incluindo, claro, os seres humanos – são gerados por algum processo reprodutivo.

Indivíduos de uma geração estabelecida, dita parental, dão origem a novos indivíduos; estes, referidos coletivamente como geração filial, poderão vir a ter os seus próprios descendentes.

Cria-se assim um elo entre gerações sucessivas.

O saldo líquido é a continuação da linhagem.

A reprodução pode ser sexuada ou assexuada.

No primeiro caso, há a participação de gametas; no segundo, não. Nas espécies em que diferentes indivíduos produzem diferentes tipos de gametas, o indivíduo que produz os gametas pequenos e móveis (espermatozoide ou célula espermática) é chamado de macho, enquanto o que produz gametas grandes e imóveis (óvulo ou oosfera) é chamado de fêmea.

O padrão de sexualidade em que cada indivíduo é exclusivamente macho ou fêmea é chamado de dioicia ou gonocorismo (do grego, gonós, genitálias + chorismós, separação).

O ser humano é um animal gonocórico.

Em muitos casos, porém, o mesmo indivíduo é capaz de produzir os dois tipos de gametas. Eles são chamados de hermafroditos (do latim, hermaphroditus, alusão ao filho dos personagens mitológicos Hermes e Afrodite), significando que um único indivíduo é portador dos dois sexos.

Minhocas e caracóis são exemplos de animais hermafroditos.

Mitose e meiose

Assim como todo organismo vivo descende de um organismo preexistente, toda e qualquer célula deriva de alguma célula preexistente.

A divisão celular – processo multiplicativo por meio do qual uma célula-mãe dá origem a duas ou mais células-filhas – atende a dois propósitos: crescimento e reprodução. Vejamos.

Entre os eucariotos, a depender das circunstâncias, as células podem se dividir por mitose ou por meiose [1].

Na mitose, a célula-mãe duplica o material genético (cromossomos, armazenados no núcleo) e, em seguida, o reparte equitativamente entre as duas células-filhas. Estas herdam cópias inalteradas do genoma parental – exceto quando ocorre alguma mutação (leia-se: alteração na sequência de bases da molécula de ADN). Uma repartição equilibrada do conteúdo celular é de vital importância, notadamente no caso dos cromossomos [2].

Na meiose, a célula-mãe também inicia o processo duplicando o seu material genético. Desta vez, no entanto, o material duplicado será repartido entre quatro células-filhas, cada uma herdando metade dos cromossomos parentais. Durante a meiose, os cromossomos homólogos se aproximam, formam pares e trocam pedaços entre si. Temos assim um processo de recombinação genética, em decorrência do qual cada uma das quatro células-filhas herdará uma combinação exclusiva dos genomas parentais [3].

Do zigoto ao bebê

O corpo humano – assim como o corpo de outros organismos multicelulares – abriga dois tipos de células, as vegetativas (ou somáticas) e as reprodutivas (gametas). Aquelas são produzidas por mitose e estas, por meiose.

Os gametas da espécie humana (espermatozoides e óvulos) possuem 23 cromossomos e são ditos haploides (n); as células somáticas possuem 46 e são ditas diploides (2n). Durante qualquer processo de divisão, as células se tornam temporariamente tetraploides (4n = 92); na mitose, este número é repartindo entre duas células-filhas, cada uma herdando 2n cromossomos; na meiose, cada célula-filha herda n cromossomos.

Nas espécies gonocóricas, a gametogênese é sucedida por outro desafio: os gametas masculinos e femininos precisam se encontrar. Quando se encontram, eles se fundem (fecundação) e dão origem a um zigoto (célula-ovo). Os núcleos dos gametas também se fundem, de modo que o material genético do zigoto (2n) é a soma do material genético paterno (n) e materno (n). O zigoto dará origem a um ou mais (no caso de gêmeos univitelinos) indivíduos.

embriogênese – processo que, na espécie humana, transforma um zigoto unicelular e microscópico em um bebê formado de trilhões de células (e pesando uns 3,5 kg ao nascer) – depende de dois fenômenos: crescimento (aumento no número de células) e desenvolvimento (diferenciação das células em tecidos e órgãos especializados). O embrião dos animais em geral se desenvolve dentro de um ovo; o das plantas, dentro de uma semente [4].

Diferenciação sexual

Em espécies gonocóricas, a diferenciação sexual – macho ou fêmea? – pode depender da presença de cromossomos sexuais, sendo então estabelecida na fecundação. Em animais, quatro sistemas de determinação cromossômica costumam ser referidos: XY, X0 (xis-zero), ZW e Z0 (zê-zero).

Na espécie humana, o sistema é do tipo XY: as fêmeas possuem duas cópias do cromossomo X, enquanto os machos possuem uma cópia de X e outra de Y. Machos e fêmeas possuem os mesmos 22 pares de autossomos, mas têm um par desigual de cromossomos sexuais – eles têm XY e elas, XX. O sexo masculino é dito heterogamético (espermatozoides transportam X ou Y), enquanto o feminino é homogamético (óvulos sempre transportam X).

Se um óvulo (n = 22 + X) é fecundado por um espermatozoide X (n = 22 + X), o zigoto dará origem a um embrião feminino (2n = 44 + XX); se a fecundação envolve um espermatozoide Y (n = 22 + Y), o embrião será masculino (2n = 44 + XY) [5]. Em ambos os casos, os filhos herdam 23 (22 + X ou Y) cromossomos de cada genitor.

Generalizando, na reprodução sexuada, cada genitor transmite n cromossomos a cada descendente.

Cromossomos, genoma, genótipo

Afinal, por que os cromossomos são tão importantes? A resposta é simples: porque são eles que transportam o material genético das células.

Nas células eucarióticas, o cromossomo é uma estrutura densa e enovelada, cuja composição inclui um ácido nucleico (ácido desoxirribonucleico, ADN ou DNA, na sigla em inglês) e proteínas (histonas) [6]. O componente funcional é o ADN, as proteínas desempenham papéis auxiliares. Cromossomos podem ser isolados, corados e visualizados ao microscópio. São entidades físicas e, neste sentido, não devem ser confundidos com o genoma.

Cada cromossomo é uma gigantesca molécula de ADN, dobrada sobre si mesma várias vezes; não há pontas soltas nem ramificações ao longo da cadeia. A molécula de ADN é uma sequência linear de nucleotídeos e é a essa sequência (comumente representada na forma 3’-AATCCAGATTCA...-5’) que damos o nome de genoma. Podemos nos referir ao genoma de um único cromossomo, de uma  célula ou de um organismo como um todo.

Nem todos os trechos do genoma são funcionais, o que significa dizer que nem todos os segmentos da cadeia de ADN se expressam. No âmbito deste livro, vamos definir um gene como um segmento da molécula de ADN que se expressa, controlando a síntese de proteínas específicas ou afetando o comportamento de outros genes [7].

Cada gene tende a ocupar uma posição específica (lócus) em um cromossomo. Genes podem ser invariantes ou podem exibir duas ou mais formas alternativas, referidas como alelos (ou alelomorfos). Os alelos de um gene diferem entre si em virtude de alguma alteração em suas sequências de nucleotídeos, o que em geral (mas nem sempre) determina a síntese de proteínas diferentes.

Variantes alélicas de um gene são habitualmente representadas na forma de genótipos. Estes são expressos por meio de letras, ou símbolos equivalentes. Se há dominância (v. adiante) entre os alelos, o dominante é representado por uma letra maiúscula (e.g., A ou Z) e o recessivo, por uma letra minúscula (e.g., a ou z). O número de alelos determina o número de genótipos – e.g., dois alelos (Aa) dão origem a três genótipos diploides (AAAaaa); três alelos (B1B2b) dão origem a seis (B1B1B1B2B1bB2B2B2bbb); e assim por diante. Embora não haja propriamente um limite, em geral as formas variantes de um gene não são muito numerosas [8].

Um organismo diploide é dito homozigoto quando as duas versões de um gene que ele possui são iguais – e.g., AA e aa são genótipos homozigotos. Os gametas de um homozigoto são invariantes, pois todos transportam o mesmo alelo – A, no caso de AA, e a, no de aa. O organismo é dito heterozigoto quando os dois alelos daquele gene são desiguais – e.g., o heterozigoto Aa produz dois tipos de gametas, metade transportando A e a outra metade, a.

Os alelos que só se expressam em homozigose são ditos recessivos; já os que se expressam em qualquer condição (homo ou heterozigose) são ditos dominantes. Sem um exame mais detalhado, o fenótipo do homozigoto dominante (AA) e o do heterozigoto (Aa) tendem a ser indistinguíveis. Em termos moleculares, o que ocorre é que o dominante suprime a expressão do recessivo. Este último, portanto, só consegue se expressar na ausência daquele [9].

Todavia, cabe registrar o seguinte: há casos em que diferentes alelos de um gene – ditos codominantes – se expressam ao mesmo tempo. Quando isso ocorre, o fenótipo do heterozigoto (Aa) tende a ser intermediário ao dos dois homozigotos (AA e aa), dando a momentânea e falsa impressão de que os traços dos genitores foram misturados na prole. (A hipótese da herança por mistura, como veremos mais tarde, já foi muito popular.)

*

Notas

Artigo extraído e adaptado do livro O que é darwinismo (2019). (A versão impressa contém referências bibliográficas.) Para detalhes e informações adicionais sobre o livro, inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato com o autor pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Em eucariotos unicelulares (e.g., protozoários e algas), a propagação se dá por mitose (reprodução assexuada) ou meiose (r. sexuada). Em procariotos, a divisão é uma fissão binária: cada célula cresce até dobrar de tamanho, quando então se forma um septo que a divide em duas.

[2] Cromossomos são como as peças de um quebra-cabeça; se faltam ou sobram peças, o conjunto pode falhar – e.g., um a mais ou um a menos já resulta nas chamadas síndromes cromossômicas.

[3] Células humanas têm 23 pares de cromossomos homólogos; em cada par, um cromossomo é de origem paterna e o outro, de origem materna.

[4] O embrião dos mamíferos placentários se desenvolve em uma placenta. Entre as plantas, apenas as espermatófitas produzem sementes.

[5] Duas ressalvas: (1) Há alguma plasticidade na determinação do sexo; e (2) Há evidências de que os genitores podem manipular o sexo da prole.

[6] Procariotos têm um único cromossomo circular (ou genóforo) imerso no citoplasma, além de pequenos anéis (plasmídeos).

[7] O genoma humano foi mapeado pelo Projeto Genoma Humano (1990-2003). Até então, imaginava-se que os 24 (22 + X e Y) cromossomos humanos transportassem ~100 mil genes codificadores de proteínas. Em 2003, os resultados indicaram 35 mil; em 2004, o total foi rebaixado para 20-25 mil. (Há ainda genes que não codificam proteínas.) Eles são formados de ~3,08 bilhões de pares de bases. Estima-se que dois seres humanos difiram em média em 0,01% de suas bases. Significaria dizer que cada um de nós compartilha 99,99% do genoma com outros seres humanos.

[8] O limite último depende do número de indivíduos, N. Mas quantos alelos podem ser mantidos em uma população finita? A produção de alelos depende da taxa de mutação (= número de mutações / lócus / geração). A expressão (4Neu + 1) dá uma boa estimativa, onde Ne é o tamanho efetivo da população e u é a taxa de mutação. O tamanho efetivo corresponde ao número de indivíduos que, em condições ideais (razão sexual equilibrada etc.), teria o fundo gênico exposto aos mesmos riscos de mudança aleatória (deriva) que uma população real, de tamanho N. (Ne costuma ser menor ou muito menor que N.) O modelo pressupõe que os alelos são neutros e que cada mutante difere dos demais alelos preexistentes. Se 4Ne << (1/u), a maioria dos indivíduos da população será homozigota para o gene em questão.
taxa de mutação não é uma constante universal, decorrente da estrutura da molécula de ADN. É uma variável sujeita a ajustes. A afirmativa de que as “mutações ocorrem ao acaso” é uma figura de linguagem, com a qual se quer enfatizar a falta de correspondência entre as condições de vida e a identidade dos lócus que sofrem mutações. (Alguns neolamarckistas pensam diferente.) Mutações com efeitos no fenótipo não se distribuem ao acaso no genoma.

[9] A evolução da dominância / recessividade é por si só uma questão fascinante.

* * *

03 outubro 2019

Investigações

Ronald Augusto

quando o nosso herói sabe produzir poesia? sempre?
ou enquanto precisa um anagrama?

e durante cada traço ou
na condução integral do poema?

sumário para um labirinto de sendas
linguagem: você entra por um rasgo (rato) e está onde

está você chega por outros meios ao mesmo
pátio já não sabe mais onde nem que sorte de atlas

agora
posso prosseguir?

Fonte: Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema publicado em livro em 2004.

01 outubro 2019

A cama quente


Homenagem aos mineiros do Chile
que dormem, singelo, pelo sistema de
‘a cama quente’

Na mina trabalha-se por turnos.
Quando se volta, nem se tiram os coturnos.

Bebido o café negro e trincado o casqueiro,
joga-se o corpo ao sono, mas, primeiro,

enxota-se o camarada da cama ainda quente,
que não há camas, no Chile, pra toda a gente.

Do calor que sobrou o nosso se acrescenta
pra dar calor ao próximo que entra.

Vós, que dormis em camas, como reis,
tantas horas por dia, não sabeis

como é bom dormir ao calor de um irmão
que saiu ao nitrato ou ao carvão

e despertar ao abanão (é o contrato!)
de um que chega do carvão ou do nitrato!

É a este sistema, minha gente,
que se chama no Chile ‘a cama quente’...

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1979.

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