30 janeiro 2020

Zulmira


Quando Zulmira se casou... Zulmira
Era o mimo, a frescura, a mocidade;
– Lânguido gesto, estranha suavidade
Na voz – soluço de inefável lira;

Um candor, que não há quem não prefira
A tudo, e esse ar de angélica bondade,
Que embelece a mulher, mesmo na idade
Em que, esquiva, a beleza se retira...

Não sei por que chorando toda a gente,
Quando Zulmira se casou, estava:
Belo era o noivo... que razões havia?

A mãe e a irmã choravam tristemente;
Só o pai de Zulmira não chorava...
E era o pai, afinal, quem mais sofria!

Fonte (tercetos): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª ed. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em livro em 1891.

29 janeiro 2020

Princípios de economia política

José da Silva Lisboa

Cumpre, igualmente, que o trabalho da sociedade seja facilitado e suavizado pela geral e discreta distribuição dos empregos, profissões, ofícios e modos de vida; tendo todas as classes de trabalhadores a certeza e segurança do prêmio ou produto de sua indústria, debaixo somente da lei primária e fundamental do bem público e [de] honestas convenções das partes; com o indispensável encargo porém de concorrer cada um, segundo as suas faculdades, para a dívida sagrada das despesas da Soberania, a fim da constante proteção, prosperidade e glória do país. Assim é necessário, pois o iníquo sobrecarrego de trabalho em umas classes; o impróprio alívio e o escandaloso privilégio da ociosidade e isenção de tributos em outras; a exclusiva ou extrema dificuldade de certas ocupações em muitas; a violência direta ou indireta, com que os depositários do poder doméstico ou político, frequentemente constrangem, desvariam ou removem os destinos dos indivíduos, pondo obstáculos à livre circulação do trabalho e fundos, com violação das justa liberdade civil; a incerteza, finalmente, ou a insignificância do prêmio da indústria e merecimento, com a falta de proteção firme do direito da propriedade, que daí se deriva; desanima ao corpo do povo, encadeia, desaproveita ou inutiliza os talentos, impede a possível e indefinida acumulação da opulência particular e pública, faz penosa a vida, obsta ao progresso da população, multiplica e aguça as causas da mortalidade, produz desesperação e excita distúrbios, maiormente nas dificuldades, e perigos da Nação e nas classes inferiores; que aliás merecem toda a atenção e equidade do Governo, pois são as que alimentam, vestem, ornam e defendem o Estado.

Convém, portanto, que se protejam e se facilitem as Ciências e Artes que versam sobre os objetos do interesse comum da vida social; premiem-se com especialidade as invenções das máquinas, que, abreviando e aperfeiçoando o trabalho, não só aliviam todos os operários das manobras mais rudes e molestas, com necessária conservação ou prolongação de sua existência; também favorecem o mercado público e o aumento dos réditos e capitais da Nação, pela barateza dos preços e multiplicação de outros ramos de indústria, que o progresso dos fundos produz; amplificando-se por este modo artificial a população do país e a esfera dos empregos do povo, dando-se lugar e oportunidade a novas espécies de indústrias e direções dos fundos, que se acumulam, poupadas, com as máquinas, as demoras e despesas do fabrico, sem ficarem contudo inertes os braços, que sobejam dos trabalhadores.

Fonte: Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 2. SP, Cultrix & Edusp. Excerto de livro publicado em 1804.

28 janeiro 2020

Júpiter e Ganimedes


Anton Raphael Mengs (1728-1779). Jupiter küßt Ganymed. 1758-9.

Fonte da foto: Wikipedia. É uma imitação, criada para iludir o arqueólogo Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), amigo do pintor. (Alguns atribuem a autoria do quadro a Giovanni Battista Casanova [1730-1795].)

27 janeiro 2020

O caso Galileu

Roberto Bellarmino

Nós, Roberto cardeal Bellarmino, tendo sabido que caluniosamente se afirmou haver o senhor Galileu Galilei, em nossa presença, abjurado, e ter sido também punido com salutar punição, e solicitado a dizer a verdade sobre isso, declaramos que o citado Galileu não abjurou, nem na nossa presença, nem na presença de nenhuma outra pessoa em Roma, ou em qualquer outro lugar, pelo que nos é dado saber, qualquer opinião ou doutrina por ele sustentada; nem lhe foi imposto nenhum castigo salutar; foi-lhe notificada apenas a declaração do Santo Padre, publicada pela Sagrada Congregação do Índice, na qual se diz que a doutrina atribuída a Copérnico, de que a Terra se move em torno do Sol, e de que o Sol está parado no centro do mundo e não se move de leste a oeste é contrária às Sagradas Escrituras, não podendo, em consequência, ser defendida nem sustentada. Em testemunho, escrevemos e subscrevemos o presente de próprio punho, neste dia vinte e seis de maio de 1616.

Fonte: Koestler, A. 1989 [1959]. O homem e o universo. SP, Ibrasa.

26 janeiro 2020

Treze anos e três meses no ar

F. Ponce de León

No último dia 12/1, o Poesia contra a guerra completou 13 anos e três meses no ar. Desde o balanço anterior – ‘Treze anos e dois meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Albert Samain, Arthur Schopenhauer, Cézar Henrique Barra Rocha, Duglas Teixeira Monteiro, H. G. Andrewartha, Jean-Yves Sgro, Michael J. Wade, Noémia de Sousa, Susan Kalisz e Willard L. Sperry. Além de outros que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Duccio di Buoninsegna, Giovanni Battista Biscarra e Vincenzo Camuccini.

10 janeiro 2020

Visualização tridimensional de vírus

Jean-Yves Sgro

Microscopia eletrônica, cristalografia de raio-X e difração de fibra de raio-X foram as primeiras técnicas que contribuíram de modo decisivo para o estudo da estrutura da partícula viral [...]. Já em 1970 um novo entendimento de micrografias eletrônicas (que são essencialmente imagens projetadas) levaram ao desenvolvimento de novas técnicas de preparação de espécimes sem o uso de corantes e de uma importante e nova tecnologia chamada microscopia crio-eletrônica (ME-crio) tridimensional (3D). O termo crio advém da utilização  de temperaturas criogênicas, geralmente por meio do uso de nitrogênio líquido (a cerca de – 196 ºC) na preparação e no estudo das amostras virais (e amostras biológicas em geral) por microscopia eletrônica.

Estas novas tecnologias revolucionaram a análise estrutural de vírus ao fim do século passado, especialmente para aqueles vírus que não podem ser cristalizados (e que, portanto, não podiam ser estudados em detalhe com as tecnologias disponíveis anteriormente). [...]

Fonte: Medeiros, R. B. et al. 2015. Virologia vegetal. Brasília, Editora UnB.

05 janeiro 2020

Sobre la voluntad en la naturaleza

Arthur Schopenhauer

Rompo un silencio de siete años para presentar a los pocos que, anticipándose a su tiempo, han prestado atención a mi filosofía, algunas confirmaciones que ha recebido ésta de empíricos despreocupados, desconocedores de ella, que, siguiendo la vía de sus investigaciones de pura experiencia, han venido a parar a aquello mismo que había estabelecido mi filosofía como metafísico, que es lo que ha de explicarnos en general la experiencia. Anímame esta circunstancia, tanto más, cuanto que distingue a mi sistema de todos los precedentes, pues todos ellos, sin exceptuar ni aun el mismo Kant, presentan un gran abismo entre sus resultados y la experiencia, faltándoles mucho para descender a ésta y ponerse en contato con ella.

Fonte: Schopenhauer, A. 1970 [1854]. Sobre la voluntad en la naturaleza, 2ª ed. Madri, Alianza.

03 janeiro 2020

Pedra tumular


A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz não tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
Tão rígida e tão fria como a pedra.

Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inútil por vazia,
E a língua imóvel nega o som à vida,
Por hábito ou por falta de coragem.

Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?

Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um túmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1959.

01 janeiro 2020

Na biblioteca de Alexandria


Vincenzo Camuccini (1771-1844). Tolomeo Filadelfo nella biblioteca di Alessandria. 1813.

Fonte da foto: Wikipedia.

eXTReMe Tracker