A história da humanidade se confunde com a história das guerras. Deveríamos lutar para que se confundisse apenas com a história da literatura.
29 fevereiro 2024
Let me begin again
Philip Levine
Let me begin again as a speck of dust caught in the night winds sweeping out to sea. Let me begin this time knowing the world is salt water and dark clouds, the world is grinding and sighing all night, and dawn comes slowly and changes nothing. Let me go back to land after a lifetime of going nowhere. This time lodged in the feathers of some scavenging gull white above the black ship that docks and broods upon the oily waters of your harbor. This leaking freighter has brought a hold full of hayforks from Spain, great jeroboams of dark Algerian wine, and quill pens that can’t write English. The sailors have stumbled off toward the bars of the bright houses. The captain closes his log and falls asleep. 1/10’28. Tonight I shall enter my life after being at sea for ages, quietly, in a hospital named for an automobile. The one child of millions of children who has flown alone by the stars above the black wastes of moonless waters that stretched forever, who has turned golden in the full sun of a new day. A tiny wise child who this time will love his life because it is like no other. Fonte (v. 1-3 e os dois últimos, em port.): Lifton, RJ. 1989 [1987]. O futuro da imortalidade. SP, Trajetória Cultural. Poema publicado em livro em 1979.
RESUMO. – Os sistemas de órgãos que compõem o corpo humano (sistemas respiratório, circulatório, digestório etc.) devem funcionar de modo minimamente integrado e coeso. Para tanto, células de diferentes regiões do corpo devem conversar entre si. Uma comunicação efetiva entre células de diferentes tecidos e órgãos depende da presença de um sistema de integração e controle. O sistema nervoso é o principal sistema de controle do corpo humano.
*
1. SISTEMAS DE INTEGRAÇÃO E CONTROLE.
O corpo humano dispõe de dois sistemas de controle: o sistema nervoso (SN) e o sistema endócrino [1].
O primeiro é um sistema de ação rápida e fugaz, que opera por meio de impulsos elétricos, um tipo de sinal que é conduzido a velocidades muito elevadas (e.g., 100 m s^–1). Isso confere agilidade, a ponto de, em certos casos, o tempo de reação do sistema se aproximar de zero.
O segundo é um sistema de ação lenta e duradoura, que opera por meio de hormônios, substâncias químicas que são transmitidas pela corrente sanguínea [2]. A velocidade de transmissão é bem mais lenta, uma diferença que ajuda a explicar o motivo de o tempo de reação aqui ser muito mais demorado. O sinal, no entanto, é persistente: Enquanto o hormônio estiver a circular pelo sangue, as células com os receptores apropriados continuarão a responder.
Outra diferença importante diz respeito ao tamanho do alvo e à exatidão do controle. O impulso transmitido por uma cadeia de neurônios é capaz de atingir um pequeno grupo de células motoras ou mesmo uma única célula individual. O fluxo sanguíneo não permite isso. A rigor, os hormônios que estão a transitar pelo sangue afetam todas as células que sejam portadoras dos seus respectivos receptores.
No que segue, vamos nos debruçar sobre alguns aspectos do nosso sistema nervoso [3].
2. CORDADOS DOTADOS DE CRÂNIO.
O sistema nervoso dos craniados – leia-se: cordados dotados de crânio [4] – é formado pelo (i) encéfalo, um conjunto de estruturas encerradas no interior do crânio, com destaque para o cérebro, uma massa de células de consistência gelatinosa e aspecto globoso (em especial no caso de aves e mamíferos); e pela (ii) medula espinal, um tubo cilíndrico que se prende à parte posterior do encéfalo e que corre pelo interior da coluna vertebral [5].
Nas palavras de Hildebrand & Goslow (2008, p. 319 e 321):
“O encéfalo é o órgão mais complicado do corpo e também o órgão mais maravilhoso para muitas pessoas. [...] O encéfalo não apenas meramente transmite, rejeita ou armazena informações nos 3 bilhões de impulsos que alcançam suas 10^10 células a cada segundo acordado [6]. Ele transforma a informação, adapta-a e escolhe entre respostas alternativas de maneiras que ultrapassam nossa presente compreensão.”
2.1. De onde vem o cérebro?
Ao contrário da medula, que mudou relativamente pouco ao longo da história evolutiva dos vertebrados, o encéfalo passou por mudanças notáveis, seja no tamanho, seja no formato (ver Fig. 1).
O encéfalo maduro se desenvolve a partir de três regiões embrionárias: prosencéfalo (ou encéfalo anterior), mesencéfalo (encéfalo mediano) e rombencéfalo (encéfalo posterior). Cada região dá origem a órgãos ou tecidos dotados de funções específicas. O cérebro é um desses órgãos, o cerebelo é outro.
O encéfalo aumentou muito de tamanho desde o surgimento dos craniados. Tanto em termos absolutos como em termos relativos. Veja, por exemplo, como a proporção (encéfalo) : (medula) varia entre as diferentes linhagens. Entre as mais antigas (peixes e anfíbios), a proporção gira em torno de 1:1 – i.e., o encéfalo e a medula têm mais ou menos a mesma massa. Entre os mamíferos, no entanto, a relação é bem desigual, chegando a 50:1 nos seres humanos. A massa do nosso córtex cerebral, por exemplo, gira em torno de 882 g (ou 8 × 10^10 células), enquanto a da medula não passa de 18 g (2,1 × 10^9 células) [7].
2.2. O tamanho do cérebro.
Outro tipo de comparação relevante envolve o tamanho do encéfalo (ou do cérebro) vs. o tamanho do corpo. Há uma correlação positiva bastante significativa entre um e outro [8]. Eis o comentário de Bonner (1983, p. 67-8):
“Há uma correlação inversa direta entre o tempo de aparecimento de um grupo na história da Terra e as dimensões do cérebro desse grupo. Num extremo do espectro, os peixes têm cérebros pequenos e, no outro extremo, os mamíferos possuem os maiores. Isso sugere uma tendência para o recrudescimento na capacidade de aprendizagem, para um aumento na flexibilidade da resposta. Note-se, porém, que essa expansão do cérebro provavelmente corresponde, em grande parte, à expansão de novos nichos e não apenas à eliminação de animais com cérebros menores. [...] [A]inda existem peixes e eles são abundantes e bem-sucedidos como grupo, apesar da relativa insignificância de seus cérebros.”
Mas há desvios importantes nessa correlação. Entre os mamíferos, por exemplo, os primatas se destacam como sendo portadores de cérebros particularmente grandes. Maiores do que seria esperado se levássemos em conta apenas o tamanho do corpo. Entre os primatas, os seres humanos se destacam ainda mais.
Eis a caracterização de Lewin (1999, p. 448-50):
“[P]ode-se dizer que o tamanho do cérebro dos australopitecíneos era de quase 400 cm^3, e que aumentou apenas um pouco ao longo da história deste gênero. Uma expansão mais marcante é observada com a origem do gênero Homo, especificamente o Homo habilis/rudolfensis, que viveu entre 2,5 e 1,8 milhões atrás e possuía um tamanho de cérebro de 650 a 800 cm^3. A variação de tamanho para o Homo ergaster/erectus, datados de 1,8 milhão a 300.000 anos atrás, é de 850 a pouco mais de 1.000 cm^3. Medidas equivalentes para os Homo sapiens arcaicos variam entre 1.100 e mais de 1.400 cm^3, ou seja, maior do que nos seres humanos modernos. Utilizando o quociente de encefalização (EQ), uma medida de tamanho do cérebro em relação ao tamanho do corpo, podemos discernir essa progressão mais objetivamente. As espécies de australopitecíneos apresentam EQs por volta de 2,5, comparados a 2 para o chimpanzé comum, 3,1 para os primeiros Homo ergaster/erectus, e 5,8 para os seres humanos modernos.”
Relações como essas (digo: correlação encéfalo vs. medula ou encéfalo vs. corpo) são convertidas em índices que podem ser usados para se comparar o grau de inteligência de diferentes grupos de animais. Sendo que, como regra geral, quanto maior o tamanho relativo do encéfalo, maior o grau de inteligência. Uma afirmativa que está ancorada em alguns pressupostos biológicos. Como definiu Jerison (1985, p. 106; tradução livre):
“A inteligência biológica em adultos representativos de uma espécie é a consequência comportamental da capacidade de processamento de informação neural disponível, além daquela necessária para o controle das funções gerais do corpo.”
Ora, sabendo que o cérebro é o centro de controle dos demais órgãos do corpo, não é de estranhar que os animais maiores sejam portadores de cérebros igualmente maiores. Afinal, se o corpo de um animal abriga mais células, mais neurônios devem ser necessários para controlá-las.
3. O SISTEMA NERVOSO HUMANO.
O nosso sistema nervoso pode ser dividido em (i) sistema nervoso central (SNC); (ii) sistema nervoso periférico (SNP); e (iii) uma divisão autônoma, que compreende o simpático e o parassimpático. Essa distinção é tanto morfológica como funcional, embora as três porções sejam interdependentes.
O SNC é uma região de recepção e processamento de estímulos e de emissão de respostas. Os seus elementos constituintes estão alojados no interior do esqueleto axial: o encéfalo, dentro do crânio, e a medula espinal, no interior da coluna vertebral. No que segue, vamos falar apenas sobre o encéfalo.
3.1. O desenvolvimento do encéfalo.
O encéfalo é formado a partir de uma estrutura embrionária chamada de tubo neural, ele próprio oriundo de uma estrutura anterior chamada de placa neural.
O tubo neural se forma por volta da quarta semana de gestação, quando o embrião está com 26-29 dias de idade. O surgimento dessa estrutura marca o início de uma fase de desenvolvimento referida como neurulação. Mais alguns dias e será possível observar a presença de dilatações na porção anterior do tubo. São as regiões encefálicas primárias (prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo), já referidas antes.
As três regiões irão se desdobrar em cinco: (i) Prosencéfalo – É a dilatação mais anterior. Durante o desenvolvimento, as porções laterais se expandem, a ponto de recobrir e esconder a porção central. Dá origem ao telencéfalo e ao diencéfalo; (ii) Mesencéfalo – Não se subdivide. No embrião maduro, continua a ser reconhecido como um canal mais ou menos estreito; e (iii) Rombencéfalo – É a dilatação mais posterior. Passa por uma subdivisão longitudinal, dando origem ao metencéfalo e ao mielencéfalo.
Essas cinco regiões darão então origem às estruturas que compõem o encéfalo (e.g., cérebro, cerebelo e bulbo). Vejamos.
3.2. O encéfalo maduro.
Primeiro. Telencéfalo e diencéfalo dão origem ao cérebro. O primeiro dá origem aos dois hemisférios cerebrais. Separados por uma fenda profunda, os hemisférios estão ligados por uma estrutura mediana chamada corpo caloso. Há ligações menores, mas o corpo caloso é o principal responsável pela conexão entre os dois hemisférios [9].
A superfície externa do cérebro, como muitos de nós já testemunhamos, exibe um curioso padrão de giros ou circunvoluções, os quais estão separados por fendas (ou fissuras) de profundidade variável. O exagerado crescimento lateral do teléncefalo encobre quase que totalmente o diencéfalo, que permanece como uma estrutura ímpar, em posição mediana.
As paredes do diencéfalo dão origem ao tálamo e afins (i.e., metatálamo, hipotálamo, epitálamo e subtálamo).
Segundo. O mesencéfalo muda relativamente pouco e permanece com a mesma denominação.
Terceiro. O metencéfalo dá origem ao cerebelo e à ponte, enquanto o mielencéfalo dá origem ao bulbo (ou medula oblonga). A superfície do cerebelo está coberta por sulcos (fissuras) de profundidade variável. Essas fissuras dividem o órgão em lóbulos; estes, no entanto, não exibem a especialização topográfica que se observa nos hemisférios cerebrais [10].
O encéfalo maduro, portanto, abriga três conjuntos de estruturas (i) o cérebro (hemisférios cerebrais, tálamo e afins); (ii) o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo), que se une aos hemisférios por meio dos chamados pedúnculos cerebrais; e (iii) o cerebelo.
4. PARA ALÉM DO SNC.
Além do SNC, o corpo humano é dotado de um sistema nervoso periférico (SNP) e de um sistema nervoso autônomo (SNA).
4.1. Sistema nervoso periférico.
O SNP inclui as terminações nervosas, os gânglios e os nervos. As terminações nervosas estão associadas a fibras sensitivas e motoras, sendo encontradas tanto em placas motoras como na forma de terminações nervosas livres. Acúmulos de corpos celulares fora do SNC assumem em geral o formato de pequenas dilatações, referidas como gânglios. Os nervos são formados por fibras nervosas associadas a tecido conjuntivo. Apresentam-se como cordões esbranquiçados, tendo como função conduzir (levar e trazer) impulsos até o SNC. São divididos em dois grandes grupos: os nervos cranianos (12 pares ligados ao encéfalo) e os n. espinais (31 pares ligados à medula) [11].
4.2. Sistema nervoso autônomo.
Em termos funcionais, o sistema nervoso pode ser dividido em somático e visceral. O primeiro é responsável pela intermediação entre o SNC e os estímulos vindos de fora (via órgãos dos sentidos). O segundo é responsável pela intermediação entre o SNC e os demais órgãos do corpo. O controle da frequência respiratória e dos batimentos cardíacos, por exemplo, é tarefa do sistema visceral.
Tanto o somático como o visceral têm dois componentes: um aferente ou de ida (leva impulsos das vísceras até áreas específicas do SNC) e outro eferente ou de volta (traz impulsos de áreas específicas do SNC até as vísceras, terminando geralmente em uma glândula ou em um músculo). O componente eferente (ou motor) do SN visceral é comumente referido como sistema nervoso autônomo. Este, por sua vez, se divide em SN simpático e SN parassimpático, que se distinguem tanto por critérios morfológicos como fisiológicos. Para os propósitos deste livro, basta ressaltar que o simpático e o parassimpático em geral exercem efeitos antagônicos nos órgãos que enervam (e.g., quando o simpático estimula, o parassimpático inibe).
5. CODA.
Para concluir, vejamos um exemplo bastante familiar de como o sistema nervoso controla o nosso corpo. Considere o que acontece nos chamados reflexos espinais (involuntários) [12].
Diz-se que uma ação ou reação é voluntária quando nós temos um significativo grau de controle consciente sobre ela. Ocorre que muitas das nossas reações, notadamente em situações de perigo, são involuntárias. Em uma reação involuntária, nós a princípio não temos consciência do que está sendo processado, o que significa dizer que nós não escolhemos deliberadamente esta ou aquela resposta. É o que acontece, por exemplo, nos chamados reflexos de retirada. Pare e pense: O que se passa quando você inadvertidamente espeta o dedo em uma agulha ou bate com o pé na quina da cama? Presumo que a sua resposta não seja muito diferente da minha: Nós reagimos imediatamente, sem pensar.
Resumidamente, o que se passa é mais ou menos o seguinte: O sinal vindo de fora é transmitido até o cérebro por uma via de entrada do sistema nervoso, passando pela medula. A reação imediata (retirar o dedo da agulha ou o pé do obstáculo) é determinada por circuitos nervosos que atuam no nível da própria medula, a partir de onde um sinal de resposta é transmitido por uma via de saída até um grupo muscular apropriado.
Em casos assim, nós só começamos a ter consciência do que se passou (o acidente, a ferida etc.) – incluindo a nossa própria reação (os movimentos musculares que resultaram no afastamento da mão ou do pé em relação à fonte de dor) – alguns segundos após o desfecho do episódio. Como a reação não foi decidida no plano da consciência, diz-se que se trata de uma reação involuntária.
Muito do que acontece em nosso corpo é involuntário. No fim das contas, portanto, não se iluda: Quem está a controlar o seu corpo (digo: a fisiologia interna e parte do comportamento externo) não é você (digo: não é o seu eu autoconsciente), mas sim o seu cérebro (digo: o seu sistema nervoso).
*
NOTAS.
[*] Há uma campanha de comercialização envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço felipeaplcosta@gmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.
[1] Para uma discussão detalhada, ver Schmidt-Nielsen (2002). O presente artigo corresponde à terceira e última parte de uma série intitulada Nervos, cérebro e comportamento (para consultar as Partes I e II, v. aqui e aqui).
[2] Além dos hormônios ditos endócrinos (cujas moléculas irão agir sobre células distantes), outros dois tipos são reconhecidos, os hormônios parácrinos (agem apenas nas imediações da célula que os libera) e h. autócrinos (agem sobre a própria célula que os secretou). Em termos estritamente químicos, os hormônios animais são em geral moléculas peptídicas (e.g., glucagon e insulina) ou esteroides (e.g., testosterona e estrógeno) – para detalhes e exemplos, ver Schmidt-Nielsen (2002) e Voet & Voet (2006).
[3] Para um exame detalhado da estrutura e do funcionamento do sistema nervoso, o leitor brasileiro tem à sua disposição alguns manuais. Por exemplo: (i) anatomia humana – Standring (2010) ou, para uma introdução mais simples, Dangelo & Fattini (2007); (ii) anatomia comparada – Hickman et al. (2004) e Hildebrand & Goslow (2006); e (iii) neurofisiologia – Cingolani & Houssay (2004), Guyton & Hall (2006) e Lent (2008).
[4] O filo Chordata é comumente dividido (e.g., Hickman et al. 2004; Hildebrand & Goslow 2006) em três subfilos: Urochordata (Gr., oura, cauda + L., chorda, corda + ata, caracterizado por), abriga as ascídias (os tunicados); Cephalochordata (Gr., kephale, cabeça + L., chorda, corda), abriga os anfioxos; e Vertebrata (L. vertebratus, com vértebras), reúne uma ampla variedade de ‘peixes’, além de anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Ascídias e anfioxos são ditos acraniados (leia-se: desprovidos de crânio), enquanto os demais cordados são ditos craniados. O crânio é uma caixa óssea ou cartilaginosa que abriga o encéfalo. Costuma-se dividir o crânio em duas porções, o neurocrânio e o viscerocrânio. O primeiro, posterior e superior, abriga o encéfalo; o segundo, anterior e inferior, está relacionado com dois grandes sistemas, o respiratório e o digestório. No caso dos seres humanos, especificamente, eis o comentário de Dangelo & Fattini (2007, p. 399): “O viscerocrânio é conhecido comumente com o nome de face. No nascimento, o neurocrânio é bem mais volumoso que o viscerocrânio, pois o primeiro está relacionado com o crescimento do encéfalo, dos olhos e dos órgãos de audição e equilíbrio e estes já se acham bem desenvolvidos à época do nascimento. No entanto, o desenvolvimento do viscerocrânio está ligado ao aparecimento dos dentes e dos seios maxilares. Assim, até que isto ocorra, a altura da face é pequena. Mesmo no adulto continua a desproporção entre neurocrânio e viscerocrânio, mas ela é menor do que a que ocorre no nascimento e na infância.”
[5] Estendendo-se pelo interior do canal espinal central, da base do crânio até mais ou menos a 2ª costela lombar, a medula está envolvida por três camadas de membranas. São as chamadas meninges espinais. São elas (de fora para dentro): dura-, aracnoide- e pia-máter (Dangelo & Fattini 2007). Infecções das meninges, referidas coletivamente como meningites, podem ser causadas por diferentes patógenos (e.g., vírus e bactérias). Embora de ocorrência relativamente episódica e localizada, as meningites podem ter consequências muito graves, sobretudo no caso das de origem bacteriana (e.g., meningites meningocócica e pneumocócica) – para detalhes, ver Tortora et al. (2005).
[6] Pesquisadores brasileiros (Herculano-Houzel & Lent 2005) revelaram que o número de células que compõem o cérebro humano é inferior aos 100 bilhões que até então se costumava citar. Para um censo dos diferentes tipos celulares encontrados no corpo humano, ver Hatton et al. (2023).
[7] Nas palavras de Dangelo & Fattini (2007, p. 88): “O córtex cerebral é a camada de substância cinzenta que cobre os hemisférios cerebrais [...]; corresponde a 40% do peso do encéfalo.” Hatton et al. (2023) foi a fonte dos números citados.
[8] Entre os mamíferos, especificamente, há uma correlação ainda mais expressiva entre o tamanho do cérebro e o grau de socialização – ver, e.g., Shultz & Dunbar (2010); em port., Bonner (1983).
[9] Agenesia do corpo caloso (ACC) é uma desordem cerebral congênita caracterizada pela ausência total ou parcial do corpo caloso. É uma condição relativamente rara, o que ajuda a explicar porque nem todo pediatra consegue oferecer um diagnóstico correto. Em casos assim, a família precisa recorrer a um neuropediatra.
[10] Especialização topográfica faz alusão ao fato de que diferentes partes do cérebro são responsáveis por funções específicas. Para um mapa do córtex cerebral, ver, e.g., Standring (2010); para detalhes funcionais, Guyton & Hall (2006).
[11] Dos 12 nervos cranianos (I-XII), dois talvez sejam mais familiares ao leitor: o trigêmeo (V) e o vago (X). O trigêmeo fica com a sensibilidade da maior parte da face e da mucosa oral; o vago inerva todas as vísceras torácicas e quase todas as abdominais – sobre os nervos cranianos, ver Dangelo & Fattini (2007); para mais detalhes, Standring (2010).
[12] Para detalhes, ver, e.g., Guyton & Hall (2006).
*
REFERÊNCIAS CITADAS.
++ Bonner, JT. 1983 [1980]. A evolução da cultura nos animais. RJ, Zahar. ++ Cingolani HE & Houssay, AB, orgs. 2004 [2000]. Fisiologia humana de Houssay, 7ª ed. P Alegre, Artmed. ++ Dangelo, JG & Fattini, CA. 2007. Anatomia humana, 3ª ed. SP, Atheneu. ++ Guyton, AC & Hall, JE. 2006. Tratado de fisiologia médica, 11ª ed. SP, Elsevier. ++ Hatton, IA & mais 5. 2023. The human cell count and size distribution. Proceedings of the National Academy of Sciences 120: e2303077120. ++ Herculano-Houzel, S & Lent, R. 2005. Isotropic fractionator: a simple, rapid method for the quantification of total cell and neuron numbers in the brain. Journal of Neuroscience 25: 2518–21. ++ Hickman, CP, Jr & mais 2. 2004 [2001]. Princípios integrados de zoologia, 11ª ed. RJ, G Koogan. ++ Hildebrand, M & Goslow, G. 2006 [2004]. Análise da estrutura dos vertebrados, 2ª ed. SP, Atheneu. ++ Jerison, HJ. 1985. Issues of brain evolution. In: R Dawkins & M Ridley, eds. Oxford Surveys in Evolutionary Biology, v. 2. Oxford, OUP. ++ Lent, R, org. 2008. Neurociência: Da mente e do comportamento. RJ, G Koogan. ++ Lewin, R. 1999 [1998]. Evolução humana. SP, Atheneu. ++ Schmidt-Nielsen, K. 2002 [1997]. Fisiologia animal, 5ª ed. SP, Santos. ++ Shultz, S & Dunbar, R. 2010. Encephalization is not a universal macroevolutionary phenomenon in mammals but is associated with sociality. Proceedings of the National Academy of Sciences 107: 21582-6. ++ Standring, S, ed. 2010 [2008]. Gray’s, anatomia, 40ª ed. RJ, Elsevier. ++ Tortora, GJ & mais 2. 2005 [2004]. Microbiologia, 8ª ed. P Alegre, Artmed. ++ Voet, D & Voet, JG. 2006 [2004]. Bioquímica, 3ª ed. P Alegre, Artmed.
Não apenas os de Goya, estes que diariamente de olhos vendados a morte, pela última vez, contemplam. Remorso, demência, larva de piedade, a venda, isso que nem um segundo oculta? O tiro na nuca, golpe de misericórdia ou infinita dureza de mergulhar num lago um insecto? Vala comum, cremação, o simples incêndio dos corpos que fedem e ardem como monturos tocados pelo calor solar, que testemunham, que dignidade asseguram ao deus do sacrifício humano?
Infâmia de ser, infâmia absoluta de matar. Que castigo, pronta, pronta e felina justiça mereceria o fanático homicida, o mandante? A deslembrança, ser para si um cego, nada lhe dizer a alma sequer da casa onde nasceu como se o sal a tivesse arrasado e destruído as mais fundas raízes, um cego que todavia reconhecesse sua mãe e perdesse a língua, os lábios, o soluço, um cego em cujos olhos, lambidos por moscas impiedosas, os próprios filhos vomitassem. Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1981.
os insetos voavam estranhamente sobre a verdura e a barraca de peixe permanecia um momento intocada em seus reflexos de luz e de prata e você a ver navios percorria o tormentoso labirinto da feira se imaginava um conquistador espanhol que se perdeu no rumo das Índias e construiu um castelo à beira-mar vendedoras vendedoras ficções sonoras verdes vegetais como se houvesse uma deusa sonhadora em cada alface e os dragões cuspissem fogo em silêncio emaranhados numa réstia de cebola Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª ed. RJ, Aeroplano.
Eu sei cantar o sofrimento: basta, Para cantá-lo bem, já ter sofrido... Pois a musa que pelo chão se arrasta Sobe às vezes ao Céu como um balido.
Mas canto a sempre-humana dor. A vasta Dolência angelical, o almo gemido Que vem pungir-vos a Alma pura e casta, Oh! não... Que para tal não fui nascido.
Nem pretendo, Senhora, (fora um sonho) Dizer toda a agonia que sofrestes Nos versos que ante vós, humilde, ponho.
Por mais nobre que seja, é sempre tosco, Tem sempre versos pálidos como estes O Poeta que quiser chorar convosco. Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep. Publicado em livro em 1899, o poema acima corresponde ao último dos sete sonetos que compõem a penúltima (‘Sexta Dor’) das sete partes do livro. ‘Alphonsus de Guimaraens’ é pseudônimo de Afonso Henriques da Costa Guimarães.
Every one who is sure of his mind, or proud of his office, or anxious about his duty assumes a tragic mask. He deputes it to be himself and transfers to it almost all his vanity. While still alive and subject, like all existing things, to the undermining flux of his own substance, he has crystallized his soul into an idea, and more in pride than in sorrow he has offered up his life on the altar of the Muses. Fonte (em português): Ziman, J. 1981 [1976]. A força do conhecimento. BH & SP, Itatiaia & Edusp. Excerto de livro originalmente publicado em 1922. George Santayana era a assinatura literária de Jorge Agustín Nicolás Ruiz de Santayana y Borrás (1863-1952).
As moscas que põem seus ovos em cadáveres e em feridas, e cujas larvas limitam-se a comer a parte morta da ferida, não causam dano algum e, pelo contrário, costumam ser benéficas.
Este benefício é causado por vários fatores:
1. Estimulam, com o seu movimento, a produção de exsudatos serosos, que removem as bactérias, e de tecido granuloso de cicatrização; extratos totais de larvas e de material de hemolinfa e de tubo digestivo estimularam o crescimento de fibroblastos em cultura de tecido [...].
2. Alimentam-se de bactérias e de tecido necrosado, esterilizando o material que passa por seu tubo digestivo.
3. Secretam agentes terapêuticos, como alantoína e ureia.
4. Aumentam o pH da lesão, por produziram amônia, prejudicando o desenvolvimento de Streptococcus spp., Staphylococcus aureus e outras bactérias, mesmo as resistentes a antibióticos modernos como a meticilina.
5. Rompem, com suas peças bucais em forma de ganchos, as crostas formadas por tecidos mortos na ferida, facilitando a ingestão do material.
O desbridamento é promovido pela ingestão do tecido morto, de detritos e do líquido de drenagem e por as larvas caminharem sobre a lesão. A rápida cura de lesões tratadas com larvas tem sido atribuída ao desbridamento, principalmente pela simples remoção dos detritos e da infecção. Fonte: Marcondes, CB. 2006. Terapia larval de lesões de pele causadas por diabetes e outras doenças. Florianópolis, Editora da UFSC.
Nesta segunda-feira, 12/2, o Poesia Contra a Guerra está a completar 17 anos e quatro meses no ar.
Desde o balanço anterior – ‘17 anos e três meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Batista Pereira, Carlos Américo Fattini, Dulce Almada Duarte, Gordon Allport, José Geraldo Dangelo, Maria Umbelina Salgado e Robert W. Lundin. Além de material de autores que já haviam sido publicados antes.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes artistas: Albert Henry Fullwood e Julian Ashton.
O crânio forma uma caixa óssea, destinada, funcionalmente, a abrigar e a proteger o encéfalo. [...]
Pode-se dividir o crânio em duas grandes porções: neurocrânio e viscerocrânio. [...]
O viscerocrânio é conhecido comumente com o nome de face. No nascimento, o neurocrânio é bem mais volumoso que o viscerocrânio, pois o primeiro está relacionado com o crescimento do encéfalo, dos olhos e dos órgãos de audição e equilíbrio e estes já se acham bem desenvolvidos à época do nascimento. No entanto, o desenvolvimento do viscerocrânio está ligado ao aparecimento dos dentes e dos seios maxilares. Assim, até que isto ocorra, a altura da face é pequena. Mesmo no adulto continua a desproporção entre neurocrânio e viscerocrânio, mas ela é menor do que a que ocorre no nascimento e na infância. Fonte: Dangelo, JG & Fattini, CA. 2007. Anatomia humana, 3ª ed. SP, Atheneu.
Não devemos, portanto, nós, os brasileiros, curvar a cabeça à acusação de mestiçagem. Mestiças são, hoje, todas as raças do mundo, exceto os pequenos núcleos, aliás do mais baixo índice mental, dos esquimós e dos lapões e os pretos, que desde que se cruzam deixam de ser pretos.
O curioso porém é que os próprios que nos depreciam, chamando-nos mestiços, como Gobineau, dizem que a arte europeia é filha da mestiçagem, que nasceu no berço afro-europeu.
Se alguma coisa há de certo na antropologia, é que todas as nações da Europa, mormente as mediterrâneas, são mestiças. Ripley, nos mapas antropológicos, sarja de influências africanas quase todo o seu território. Em boa lógica, isto é chamar os mediterrâneos de mulatos da Europa. Os brasileiros que tiverem na cutis ‘a sombra do sol posto’ não têm de que se envergonhar. Antes deles, os antepassados de todas as nações modernas passaram pela mesma sorte. Nasceu a arte à orilha de esmeralda jônica. Quando ainda os bárbaros do norte disputavam aos ursos das cavernas os ossos das renas, já o Parthenon perfilava no horizonte da Acrópole os troncos de palmeira imperial do seu colunário. E tanto aqueles que o edificaram como os que lhe compreendiam a suprema beleza traziam nas veias esse sangue africano, que o próprio Gobineau confessa ter sido o fermento do sentimento artístico.
Mestiça, e das mais mestiças, é toda a França, o que não lhe tirou o messianismo espiritual que em vão o ciúme lhe tentaria negar. Os filhos da Dordonha, herdeiros da raça de Cro-Magnon, são irmãos dos Kabilas e Bérberes. Se dalguma coisa valem índices cranianos, se dalguma coisa valem traços fisionômicos, não passa Clemenceau de um mestiço euro-asiático, cuja origem mongoloide reponta, numa regressão atávica talvez de centúrias, nos zigomas, nas maxilas e no índice cefálico do grande francês. Fonte (primeiro parágrafo, primeira frase): Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 6. SP, Cultrix & Edusp. Excerto de livro publicado em 1928.
Lua, que lavas teus linhos, sempre a lavar numa lixívia de nuvens, branca, branquinha de espuma, e escorres tudo lá no alto para secar;
lua que lavas teus linhos pelo valados maninhos, na serra onde vai nevar;
oh lua alagando o mundo nesta espuma de cegar!
lua que lavas teus linhos e que os enxáguas e os pões em qualquer lugar – nos terraços lajeados, nos velhos muros caiados, nos laranjais do pomar ou nos campos orvalhados onde estão a gotejar – lua que lavas teus linhos até nas praias do mar – vem, lua, e lava minha alma!
Oh lava minha alma em lágrimas, para que Deus, sol das almas, venha a enxugar Fonte: Horta, A. B. 2007. Criadores de mantras. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1952.
Qualquer pessoa que tenha vivido bastante, sabe bem que a vida não é um ‘mar de rosas’. Embora existam muitos reforçadores positivos que mantêm nossas atividades, outra classe de estímulos, chamados aversivos, exerce poderoso controle sobre nosso comportamento. A vida é cheia de contrariedades, de aborrecimentos e de ameaças. Suportamos pessoas desagradáveis ou tentamos afastar-nos delas. Algumas vezes, os perigos são inevitáveis; noutras, uma conduta adequada nos livra de dificuldades. Geralmente, comportamo-nos com prudência, não devido aos reforçadores positivos derivados de nossas próprias ações, mas para evitar a punição que pode vir se não o fizermos.
A classe de estímulos que opera para controlar o comportamento do modo descrito acima é chamada aversiva. Já que há vários modos pelos quais esses estímulos atuam, o arranjo particular das relações entre estímulos e respostas define a espécie de operação aversiva: fuga, esquiva, punição ou ansiedade. Embora em qualquer cadeia de atividade essas operações possam ser inter-relacionadas, é possível distingui-las para propósito de análise comportamental. Fonte: Lundin, R. W. 1972. Personalidade: Uma análise do comportamento. SP, EPU & Edusp.