Do que você é feito?

Felipe A. P. L. Costa

Todos os objetos materiais que nos cercam – de um único grão de areia às estrelas mais luminosas – são formados de átomos ou de agregados de átomos. Nos seres vivos, em particular, as moléculas presentes estão organizadas em células. De fato, com exceção dos vírus, o corpo de todos os seres vivos é constituído de células. A composição química das células é bem diferente da composição dos objetos inanimados que as cercam. Por exemplo, a composição das raízes das plantas difere muito da composição do solo, assim como a composição das folhas difere muito da composição do ar ou da água em volta.

[O artigo completo pode ser lido aqui.]

Metabolismo secundário

Martin Luckner

A formação e o metabolismo dos ácidos nucleicos, da maioria dos carboidratos, de aminoácidos e proteínas, de certos ácidos carboxílicos etc. são, em princípio, similares em todos os organismos vivos (ou ao menos nos grandes grupos de organismos). Todas as reações vitais envolvidas nesses processos podem ser chamadas de metabolismo básico ou primário.

Contudo, além das reações do metabolismo primário, frequentemente ocorrem reações que não são necessariamente vitais, muitas vezes diferem de espécie para espécie e podem ser vistas como uma expressão da individualidade química do organismo. Essas reações são agrupadas sob o termo metabolismo secundário e os produtos formados são chamados de metabólitos secundários.

Fonte: Luckner, M. 1972. Secondary metabolism in plants and animals. Londres, Chapman.

Paisagem italiana ao pôr do sol

[Idősebb] Markó Károly (1793-1860). Olasz táj naplementekor. 1851.

Fonte da foto: Wikipedia.

Só assim a vida é inteira

Carl Gustav Jung

É importante ter um segredo, uma premonição de coisas desconhecidas. Isso nos enche a vida de algo impessoal, de um numinosum. O homem que nunca o experimentou deixou passar algo importante. Precisa sentir que vive num mundo sob certos aspectos misteriosos; onde acontecem e podem experimentar-se coisas que permanecem inexplicáveis; onde nem tudo o que acontece pode ser previsto.

O inesperado e o incrível pertencem a este mundo. Só assim a vida é inteira.

Fonte: Watson, L. 1980. Maré da vida. RJ, Difel. Excerto de livro publicado originalmente em 1961.

Introdução à metafísica

Martin Heidegger

As palavras e a linguagem não constituem as cápsulas, em que as coisas se empacotam para comércio de quem fala e escreve. É na palavra, é na linguagem, que as coisas chegam a ser e são.

Fonte: Buzzi, A. R. 1978. Introdução ao pensar, 7ª ed. Petrópolis, Vozes. Excerto de livro publicado originalmente em 1953.

Auschwitz israelense

F. Ponce de León

Como o estado de Israel mata crianças em Gaza?

Frio, fome, dor ou tristeza.

A alternativa ‘dor’ pode incluir tiros, bombas, prédios caídos, comida estragada, doença ou água envenenada.

A alternativa ‘tristeza’ pode incluir a convivência forçada com o cadáver de parentes íntimos durante vários dias.

Com o passar das horas e o horror da cena, a tristeza se converte em apatia. Já ferida e desamparada, a criança desiste de tudo:

deixa de se alimentar; não caminha mais; para de se mexer; dorme, sonha e, por fim, sucumbe por inanição... E escapa de Auschwitz.

A sabedoria do venerável

Carlos Saldanha

Um dia, indo à cidade,
Bacamarte encontra o Doutor Malaquias
Dormindo numa cabine telefônica.
“Que fazes aí, ó Sábio, dormindo
num lugar público e inadequado!”

Malaquias acorda furioso e brada:
“Cala-te, basbaque!
Em qualquer lugar
me sinto confortável
e com todas as pessoas também
Porque por mais que ande de Lisboa
pra Meca, de Cardiff pra Niterói,
nunca consigo sair de casa”.
E voltou a ressonar.

Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª ed. RJ, Aeroplano.

O zoo humano. II. Vida intrauterina

Felipe A. P. L. Costa

A sucessão de eventos que fazem com que uma única e insignificante célula inicial – o zigoto – dê origem a um bebê humano é algo bem impressionante. Referido como ontogenia, o fenômeno envolve dois processos: crescimento e desenvolvimento.

O crescimento é um processo quantitativo, assentado na proliferação celular. Crescer implica em aumentar o número de células presentes. Já o desenvolvimento é um fenômeno essencialmente qualitativo, decorrente de mudanças na disposição e no comportamento das células, o que leva a mudanças de forma e função.

[O artigo completo pode ser lido aqui.]

Casa em ruínas

Domenico Bresolin (1813-1900). Casa diroccata. 1850.

Fonte da foto: Wikipedia.

Pernicioso anti-intelectualismo

Larry Laudan

Não escrevi este livro simplesmente com o objetivo de explicar com precisão certo número de questões. Meu maior alvo são aqueles entre meus contemporâneos que – repetidamente, para sua própria satisfação – se apropriam de conclusões da filosofia da ciência e as põem a trabalhar a serviço de uma variedade de causas sociais e políticas para as quais tais conclusões estão mal adaptadas. Feministas, apologistas religiosos (incluindo ‘cientistas do criacionismo’), contraculturalistas, neoconservadores e um grande número de outros excêntricos companheiros de viagem pretenderam ter levado a água vital para os seus moinhos, por exemplo, na incomensurabilidade e na subdeterminação das teorias cientícas. A substituição da ideia de que fatos e evidências importam pela ideia segundo a qual tudo se reduz a interesses individuais e perspectivas subjetivas é a mais notória e perniciosa manifestação de anti-intelectualismo em nosso tempo – perdendo apenas para as campanhas políticas americanas.

Fonte: Sokal, A. & Bricmont, J. 1999. Imposturas intelectuais. RJ, Record. Excerto de livro originalmente publicado em 1990.

Modelos e exemplos

Leó Szilárd

Faça com que seus atos sejam dirigidos para um objetivo que valha a pena, mas não pergunte se eles irão atingi-lo; seus atos devem ser modelos e exemplos, não meios para um fim.

Fonte: Sagan, C. 1985 [1977]. Os dragões do Éden. RJ, F Alves. Trecho extraído de livro publicado em 1961.

Um assunto de peso

Nick Arnold

Trezentos anos atrás, um cientista italiano chamado Santorio Sanctorius [1561-1636] decidiu criar uma balança incrível. Ela ficava pendurada no teto e era grande o bastante para que nela coubessem sua cadeira, a cama e a escrivaninha. Havia espaço até mesmo para seu penico de prata. Todos os dias, Santorio se sentava na balança e anotava seu peso.

Ele se pesou durante trinta anos. Santorio se pesava antes das refeições, durante as refeições e depois delas. Ele pesava até mesmo seus dejetos.

Mas ele não conseguia compreender: Por que sua comida pesava mais do que o conteúdo do penico?

Fonte: Arnold, N. 1997. Sangue, ossos e pedacinhos. SP, Melhoramentos.

18 anos e oito meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quinta-feira, 12/6, o Poesia Contra a Guerra está a completar 18 anos e oito meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘18 anos e sete meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Alessandro Greco, Edward Glover, Gerhard Bandel, Graham Greene, Hermann Bondi, Jim Moore, John Wheeler e Octavio Ianni. Além de material de autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes artistas: Federico Zandomeneghi, Gaspare Landi e Guglielmo Ciardi.

Paisagem italiana

Guglielmo Ciardi (1842-1917). Conca di Sappada con le Terze. 1897.

Fonte da foto: Wikipedia.

Cântico

Domingos Carvalho da Silva

Do teu corpo nasce um lírio
que se dissolve num lago
onde um cisne de marfim
persegue estrelas e carpas.

Onde o sol molha no frio
das águas o rosto ardente.
Onde os salgueiros mergulham
as pontas na rama verde.

Do lago desponta a noite
com sua face de ardósia,
engalanada de círios
e perfumada de morte.
Da noite nasce um relâmpago
com sete pontas de luz:
sete espadas pra manchar
de sangue o ventre da lua.

Teu corpo é assim: como as ondas
de um mar rouco, em desvario,
de onde me assalta, em sua fúria,
o monstro do Apocalipse.
Cardo de agudos espinhos
ou sensitiva de carne,
teu corpo é um trigal de lanças
e morre ao toque dos lábios.

Fonte: Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª ed. SP, Cultrix. Poema publicado em livro em 1949.

Buracos negros

Alessandro Greco & John Wheeler

[Greco] O senhor deu o nome de buracos negros às entidades deduzidas por Robert Oppenheimer [1904-1967] e Hartland Snyder [1913-1962] da equação geral da relatividade de Einstein. Como isso ocorreu?

[Wheeler] Posso dizer que não fui exatamente eu que inventei o termo. Eu estava em Nova York e vi notícias surpreendentes vindas da Inglaterra sobre essas estranhas entidades. Tinha estudado o problema da quantidade de massa que pode ser colocada em uma estrela. Se você colocar demais, a pressão será tão grande que a estrela entrará em colapso. Quando estávamos em Nova York discutindo o que poderia ser essa entidade, eu disse que poderia ser uma estrela de nêutrons, uma gigante vermelha, uma estrela totalmente em colapso. Depois que falei várias vezes ‘estrela totalmente em colapso’, alguém na sala gritou ‘buraco negro’. Gostei do nome e passei a usá-lo.

Fonte: Greco, A. 2001. Homens de ciência. SP, Conrad.

A compleat and excellent Poet

John Dryden

So Wine use’d moderately does not take away the Judgement, but used continually debauches mens understandings; and turns ’em into Sots, making their heads continually hot by accident, as the others heads are by nature; so mere Poets and mere Musicians, are as sottish as mere Drunkards are, who live in a continuall mist, without seeing, or judgeing any thing clearly.

A man should be learn’d in severall Sciences, and should have a reasonable Philosophicall, and in some measure a Mathematicall head, to be a compleat and excellent Poet. And besides this should have experience in all sorts of humours and manners of men; should be thoroughly skil’d in conversation, and should have a great Knowledge of mankind in generall.

Fonte (em port.): Sagan, C. 1985 [1977]. Os dragões do Éden. RJ, F Alves. Trecho extraído de livro publicado em 1674.

Breeding and dispersal systems

Jim Moore

As an order, the Primates differ from most other vertebrates in that the majority of primate species live in stable social groups which usually contain representatives of all age-sex classes […]. This social organization has two consequences that are relevant here. First, dispersal is generally unambiguous; an indivivual either stays in her/his natal group or leaves it. Among most other mammals, defining and detecting philopatry involves repeated measures of dispersal distance, and sex-biased dispersal may exist only as statistical differences in mean dispersal distance […]. To the extent that group structure and mating system are correlated, this semi-closed feature of primate social organization simplifies research on primate inbreeding; if all adults males in a troop were born elsewhere, the possibility of close inbreeding is remote.

Second, the stable social environment either permits or requires elaborated relationships, which are themselves thought to promote the evolution of the apparent altruism, ‘social intelligence,’ and increased relative brain size that characterize the order […]. Although stable relationships themselves may favor the evolution of such traits for selfish reasons among nonrelatives […], most authors have emphasized the roles of reciprocal altruism and especially kin selection […]. Thus, our understanding of the evolutionary bases of several theoretically interesting behavior complexes depends to a great extent on a thorough knowledge of breeding and dispersal systems in primates […].

Fonte: Moore, J. 1993. In: Thornhill, NW, ed. The natural history of inbreeding and outbreeding. Chicago, UCP.

O zoo humano. I. Incesto, aborto, a falsa luta pró-vida e os perigos da consanguinidade

Felipe A. P. L. Costa.

APRESENTAÇÃO. – O incesto, o aborto e o filicídio são fenômenos naturais. São também problemas que atormentam e assombram mentes e corações. Tormentos e assombros esses que costumam ser explorados por gente oportunista. São explorados também por organizações criminosas, sobretudo seitas obscurantistas e partidos políticos de extrema direita. Em todos esses casos, o tripé tolerar o incesto, criminalizar o aborto e ignorar o filicídio é benquisto, seja como ideário pessoal, seja como agenda política. Este artigo adota a premissa de que o incesto, o aborto e o filicídio são problemas graves e sensíveis, diante dos quais todo e qualquer observador deve manter uma postura séria e crítica. O artigo tem dois objetivos: (i) expor algumas conexões (efetivas ou suspeitas) entre os problemas abordados; e (ii) chamar a atenção para certas inconsistências ou incongruências argumentativas que povoam o debate público sobre o aborto, mesmo quando o debate conta com a participação de renomados especialistas (e.g., médicos, psicólogos, juristas e autoridades religiosas). Para fins de publicação, o artigo foi dividido em dois. Esta é a parte I. O filicídio, entendido como o ato de alguém matar os próprios filhos, será o tema da parte II.

[PDF com o artigo completo pode ser lido ou capturado aqui.]