Poesia Contra a Guerra
A história da humanidade se confunde com a história das guerras. Deveríamos lutar para que se confundisse apenas com a história da literatura.
31 julho 2010
29 julho 2010
Os cativos
Antero de Quental
Encostados às grades da prisão,
Olham o céu os pálidos cativos.
Já com raios oblíquos, fugitivos,
Despede o sol um ultimo clarão.
Entre sombras, ao longe, vagamente,
Morrem as vozes na extensão saudosa.
Cai do espaço, pesada, silenciosa,
A tristeza das cousas, lentamente.
E os cativos suspiram. Bandos de aves
Passam velozes, passam apressados,
Como absortos em íntimos cuidados,
Como absortos em pensamentos graves.
E dizem os cativos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna claridade...
A ave tem o vôo e a liberdade...
O homem tem os muros da prisão!
Aonde ides? Qual é a vossa jornada?
À luz? À aurora? À imensidade? Aonde?
– Porém o bando passa e mal responde:
À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! –
E os cativos suspiram. Surge o vento,
Surge e perpassa esquivo e inquieto,
Como quem traz algum pesar secreto,
Como quem sofre e cala algum tormento...
E dizem os cativos: Que tristezas,
Que segredos antigos, que desditas,
Caminheiro de estradas infinitas,
Te levam a gemer pelas devesas?
Tu que procuras? Que visão sagrada
Te acena da solidão onde se esconde?
– Porém o bando passa e mal responde:
À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! –
E os cativos suspiram novamente.
Como antigos pesares mal extintos,
Como vagos desejos indistintos,
Surgem do escuro os astros, lentamente...
E fitam-se, em silêncio indecifrável,
Contemplam-se de longe, misteriosos,
Como quem tem segredos dolorosos,
Como quem ama e vive inconsolável...
E dizem os cativos: Que problemas
Eternos, primitivos vos atraem?
Que luz fitais no centro donde saem
A flux, em jorro, as intuições supremas?
Por que esperais? Nessa amplidão sagrada
Que soluções esplendidas se escondem?
– Porém o bando passa e mal responde:
À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! –
Assim a noite passa. Rumorosos
Sussurram os pinhais meditativos.
Encostados às grades, os cativos
Olham o céu e choram silenciosos.
Fonte: Quental, A. 2004. Melhores poemas. SP, Global. Poema publicado em livro em 1886.
27 julho 2010
No ar rarefeito
Jon Krakauer
1.
De pernas abertas no topo do mundo, um pé na China, outro no Nepal, limpei o gelo de minha máscara de oxigênio, curvei o ombro para me proteger do vento e fixei o olhar distraído na vastidão do Tibete. Compreendia, em algum recanto obscuro e distante da mente, que aquela imensidão sob meus pés era uma visão espetacular. Durante meses a fio, eu tecera fantasias sobre esse momento, sobre as emoções que o acompanhariam. Porém, agora que estava finalmente ali, de pé sobre o cume do monte Everest, não conseguia juntar energia suficiente para me dar conta do feito.
[...]
Fonte: Krakauer, J. 1997. No ar rarefeito. SP, Companhia das Letras.
25 julho 2010
Tríptico da tristeza
José Augusto Seabra
1.
Desce tristeza inútil
à profunda
serenidade intacta.
Desce, tristeza,
inunda
a verdade exacta.
E desce, tristeza, ainda
visível
e compacta.
2.
Soluço-te, tristeza,
como longa
ferida silenciada
e grave.
Irrompes-me
e sucumbes:
frialdade.
Um bafo
de alegria.
E só.
Um nada.
3.
Cai-me
a tristeza aos pés.
E não me baixo.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1967.
23 julho 2010
Agosto
Rubem Fonseca
1.
O porteiro da noite do edifício Deauville ouviu o ruído dos passos furtivos descendo as escadas. Era uma hora da madrugada e o prédio estava em silêncio.
“Então, Raimundo?”
“Vamos esperar um pouco”, respondeu o porteiro.
“Não vai chegar mais ninguém. Já está todo mundo dormindo.”
“Mais uma hora.”
“Amanhã tenho que acordar cedo.”
O porteiro foi até a porta de vidro e olhou a rua vazia e silenciosa.
“Está bem. Mas não posso demorar muito.”
[...]
Fonte: Fonseca, R. 1990. Agosto. SP, Companhia das Letras.
21 julho 2010
Guardar
Antonio Cicero
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que de um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
Fonte: Moriconi, I., org. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema publicado em livro em 1996.
18 julho 2010
16 julho 2010
De profundis clamavi
Charles Baudelaire
Imploro-te compaixão, ó meu único amor,
Do fundo deste abismo em que agora sucumbo.
É um universo morno, o horizonte de chumbo
Em que nadam na noite a blasfêmia e o horror.
E seis meses no céu plana um sol sempre frio,
E seis meses a noite é imensa e tumular,
É um país bem mais nu do que a terra polar,
– Sem verde, sem bosque e sem animal e nem rio.
No mundo não existe um horror comparado
Ao frio tão cruel deste sol congelado,
À noite imensa igual à do caos ancestral;
A sorte invejarei do mais vil animal,
Capaz de mergulhar no seu sono inconsciente,
Com os fios do Tempo a dobrar lentamente!
Fonte: Baudelaire, C. 2006. As flores do mal. SP, Martin Claret. Poema publicado em livro em 1857.
14 julho 2010
Hesitação
Menotti del Picchia
Se eu lhe dissesse o meu amor...
– Olha o mar como é vasto. Olha o mar como geme.
Se eu lhe dissesse o meu amor...
– É meu braço que treme ou teu braço que treme?
Se eu lhe dissesse o meu amor...
– Olha o céu como explende! Olha o sol como aquece!
Se eu lhe dissesse o meu amor...
Mas seu corpo estremece... A minh’alma estremece
como se eu lhe dissesse
o meu amor...
Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1958.
13 julho 2010
Quarenta e cinco meses no ar
F. Ponce de León
Nessa segunda-feira, 12/7, o Poesia contra a guerra completou três anos e nove meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 100.212 visitas haviam sido registradas nesse período.
Desde o balanço mensal anterior – Três anos e oito meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Agatha Christie, Alicia Aspinwall, B. F. Skinner, Garibaldo Alessandrini, George C. Williams, Jean-Baptiste de Lamarck, João Miguel Fernandes Jorge, Leila Diniz e Nelly Sachs. Além de outros autores que já haviam sido publicados antes.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes pintores: August Macke, Horace Vernet e Otto Mueller.
11 julho 2010
Por favor
Alicia Aspinwall
Havia uma vez uma pequena expressão chamada ‘Por Favor’ que morava na boca de um garotinho. Os Por Favor moram na boca de todo mundo, ainda que as pessoas se esqueçam com freqüência que eles estão ali.
Mas para ficarem forte e felizes, todos os Por Favor devem ser tirados das bocas de vez em quando, para tomar um pouco de ar. Sabe, eles são como peixinhos de aquário, que sobem à tona para respirar.
O Por Favor do qual irei falar morava na boca de um menino chamado Duda. Só uma vez, em muito tempo, o tal Por Favor teve oportunidade de sair; pois Duda, lamento dizer; era um menininho muito malcriado; que quase nunca se lembrava de dizer ‘Por Favor’.
– Dê-me um pedaço de pão! Quero água! Dê-me aquele livro! – era deste jeito que ele pedia as coisas.
Seus pais ficavam muito tristes com isso. Já o coitado do Por Favor ficava na ponta da língua do menino, aguardando uma oportunidade para sair. Estava cada dia mais fraco.
Duda tinha um irmão mais velho, chamado João. Tinha quase dez anos; e era tão educado quanto Duda era malcriado. Por isso, o seu Por Favor recebia muito ar e era forte e bem-disposto.
Um dia, no café da manhã, o Por Favor de Duda sentiu que precisava tomar ar, mesmo que para isso tivesse de fugir. Foi o que fez – fugiu da boca de Duda, e inspirou longamente. Depois, arrastou-se pela mesa e pulou para a boca de João.
O Por Favor que morava lá ficou muito zangado.
– Saia! – ele gritou. – Aqui não é o seu lugar! Esta boca é minha!
– Eu sei –, respondeu o Por Favor de Duda. – Eu moro na boca do irmão de seu senhor. Mas, meu Deus! Não sou feliz lá. Eu nunca sou usado. Nunca recebo ar puro! Pensei que você me deixaria ficar aqui por um dia ou dois, até eu me sentir mais forte.
– Mas é lógico – disse gentilmente o outro Por Favor. – Eu compreendo. Fique; quando o meu senhor me utilizar, sairemos juntos. Ele é bom, e eu tenho certeza de que não se importará em dizer ‘por favor’ duas vezes. Fique o tempo que desejar.
Ao meio-dia, no almoço, João quis um pouco de manteiga, e falou assim:
– Papai, pode me passar a manteiga, por favor – por favor?
– Pois não –, disse o pai. – Mas por que tanta polidez?
João não respondeu. Voltou-se para a mãe, e disse:
– Mamãe, dê-me um bolinho, por favor – por favor?
A mãe sorriu.
– Vou lhe dar o bolinho, querido; mas por que você diz ‘por favor’ duas vezes?
– Eu não sei –, respondeu João. – As palavras apenas saem. Tita, por favor – por favor, me dê um pouco d’água!
Nesse momento, João ficou um pouco assustado.
– Tudo bem –, disse o pai. – Não há problema nenhum. Mas não se deve dizer tanto ‘por favor’ neste mundo.
Enquanto isso, o pequeno Duda continuara gritando daquele seu jeito mal-educado:
– Quero um ovo! Quero um pouco de leite! Me dá uma colher! – Mas, então, ele parou e escutou o irmão. Achou que seria engraçado falar como João; por isso, começou: – Mamãe, dê-me um bolinho, m-m-m?
Ele estava tentando dizer ‘por favor’ – mas como?
Ele não sabia que o seu pequenino Por Favor estava sentado na boca de João. Tentou outra vez, pedindo a manteiga:
– Mamãe, passe a manteiga, m-m-m?
E só conseguiu dizer isto.
A coisa continuou o dia inteiro, e todos ficaram imaginando o que havia de errado com os dois meninos. Quando anoiteceu, ambos estavam muito cansados, e Duda estava tão aborrecido que a mãe os mandou mais cedo para cama.
Mas na manhã seguinte, logo que se sentaram para o café, o Por Favor de Duda correu de volta para casa. Ele tinha tomado tanto ar puro no dia anterior que estava se sentindo bastante forte e feliz. E, no momento seguinte, ele foi outra vez arejado quando Duda falou: – Papai, por favor, corte a minha laranja! Meu Deus! A expressão saiu fácil, fácil! Soava tão bem como quando João a pronunciava – e João estava falando somente um ‘por favor’ naquela manhã. E daquele dia em diante, o pequeno Duda tornou-se tão educado quanto o irmão.
Fonte: Bennett, W. J., org. 1997. O livro das virtudes para crianças. RJ, Nova Fronteira.
10 julho 2010
Cem mil visitas
F. Ponce de León
No meio do expediente dessa sexta-feira, o Poesia contra a guerra ultrapassou a marca das 100 mil visitas. Do balanço numérico anterior – ver ‘Noventa mil visitas’, em 5/4 – até anteontem (8/7) ocorreram em média quase 105 visitas/dia. O recorde positivo de visitantes únicos em um só dia permanece em 185, alcançado em 4/6/2008.
08 julho 2010
06 julho 2010
Motivo
Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.
Fonte: Meireles, C. 1993. Poesia completa: volume único. RJ, Nova Aguilar. Poema publicado em livro em 1939.
04 julho 2010
Os elefantes não esquecem
Agatha Christie
1.
[...]
– Sra. Oliver! – gritou a criatura estridentemente – que prazer vê-la aqui! Sempre quis conhecê-la, pois sou fanática pelos seus livros. Meu falecido marido nunca viajava sem levar peloo menos dois livros seus... Venha sentar-se aqui, pois tenho milhões de coisas para lhe perguntar.
Já que tem que ser, é melhor acontecer logo, pensou a Sr. Oliver resignadamente, enquanto se deixava arrastar até um sofá onde o dragão se abancou com uma xícara de café.
– Acomode-se bem para termos uma longa conversa – ameaçou a agressora. – A senhora ainda não sabe meu nome: sou a Sra. Burton-Cox.
– Pois não! – exclamou baixinho a Sra. Oliver, envergonhada. [...]
– A senhora vai se espantar com o que eu vou dizer – iniciou a Sra. Burton-Cox – mas eu sinto, lendo os seus livros, que a senhora é uma mulher muito compreensiva e uma grande conhecedora da alma. Por isso, se existe uma pessoa que possa me dar uma resposta para o que eu desejo saber, esta pessoa é a senhora!
– Eu? Ora, minha senhora... – balbuciou a Sra. Oliver timidamente, querendo se esquivar da tremenda responsabilidade que a interlocutora estava tentando lhe atirar às mãos.
A Sra. Burton-Cox mergulhou um cubo de açúcar no café e mordeu-o carnivoramente, como se fosse um pedaço de osso. Dentes de marfim, pensou a Sra. Oliver, como dos cachorros, dos elefantes ou dos hipopótamos?
– A senhora tem uma afilhada chamada Celia Ravenscroft? – perguntou a Sra. Burton-Cox.
– Tenho – respondeu a Sra. Oliver, agradavelmente surpresa. [...]
– Celia Ravenscroft... – repetiu a Sra. Oliver, fingindo lembrar-se. – Claro, claro...
[...]
– Eu não vejo Celia há anos!
– É natural! Uma garota tão impulsiva, sempre mudando de idéia! Muito inteligente. Fez um curso universitário brilhante, mas politicamente, bem, politicamente todos os estudantes são radicais hoje em dia – concluiu a Sra. Burton-Cox.
– Eu não entendo nada de política! – sentenciou a Sra. Oliver, que tinha horror ao assunto.
– Vou confiar na senhora, pois sei que é muito boa e generosa.
Será que ela vai me pedir dinheiro? – pensou a Sra. Oliver.
– É um assunto de suma importância para mim. Preciso saber a verdade. Celia vai, ou penso que vai, casar com meu filho Desmond.
– É mesmo?
– É o que pretendem no momento. O que eu quero saber é bastante difícil de perguntar e não posso recorrer a ninguém, a não ser a senhora que, para mim, é como se fosse uma amiga íntima.
[...]
A Sra. Burton-Cox inclinou-se para a frente e respirou fundo.
– Quero saber, pois tenho certeza de que a senhora sabe, ou pelo menos tem alguma informação a respeito, se a mãe dela matou o pai ou se foi o pai quem matou a mãe?
[...]
Fonte: Christie, A. 1997 [1972]. Os elefantes não esquecem, 18ª impressão. RJ, Nova Fronteira.
02 julho 2010
Brigam Espanha e Holanda
Leila Diniz
Brigam Espanha e Holanda
pelos direitos do mar
O mar é das gaivotas
que nele sabem voar
Brigam Espanha e Holanda
porque não sabem que o mar
é de quem o sabe amar
Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Sentinela (1980), de Milton Nascimento.