José Elói Ottoni
Prole augusta de Davi
Salomão, Rei d’Israel,
Transmite aos homens a luz
Neste compêndio fiel;
Aonde o simples desenho
De parábolas ensina
Os meios, que desenvolvem
Sapiência, e disciplina.
As palavras da prudência,
A erudição da verdade,
Com que a doutrina produz
Justiça, Juízo, equidade.
Astúcia o simples aprenda,
Consiga o moço ser velho
Na ciência, que resulta
Do entendimento, e conselho.
O sábio ouvindo é mais sábio;
Na do governo lição
O inteligente consegue
O dom da penetração.
As parábolas discute,
D’enigmas doutos, e sérios
O nó sutil desatando,
Desata ocultos mistérios.
No santo temor de Deus
Começa a Sabedoria:
Os insensatos desprezarão
O clarão, que os alumia.
Ouve, meu filho, a doutrina,
Em que teu Pai te gerou:
Não abandonas a Lei,
Que tua Mãe te ensinou.
Como enfeite do pescoço,
Ou da cabeça ornamento,
Assim colherás as flores,
E frutos do entendimento.
Se os pecadores dolosos
Te atraírem com afagos,
Foge, meu filho, da rede,
Que trama ocultos estragos.
Se te disserem: façamos
Correr sangue de repente,
Vem conosco d’emboscada,
Vamos trair o inocente.
Devoremo-lo ainda vivo,
Como o Inferno, que devora,
Tombe inteiro em fosso escuro,
Sem deixar vestígio fora;
Nossas casas serão cheias
De substância preciosa,
Faremos bolsa comum,
Não tardes, aceita, e goza;
Ah! não te iludas, meu filho,
Evita, e foge a ocasião:
A companhia dos maus,
É quem perverte a razão,
Correndo pelos caminhos
Da espaçosa iniquidade,
Fartam a sede no sangue
Da infeliz humanidade.
Pressente o pássaro a rede,
Que viu de longe lançar;
O Justo encara o perigo,
E foge sem vacilar.
Grita o sangue do inocente,
Paga o ímpio de uma vez,
À custa da própria vida,
Todos os males, que fez.
Assim tropeça a ilusão,
Tal é o impulso violento,
Que nos caminhos da fraude
Sorve a paixão do avarento.
Nas praças públicas soa
A voz fiel que nos guia:
Em qualquer parte que estamos
Nos falta a Sabedoria.
Aparece como a Luz,
Singela, e nua a verdade,
Nas assembleias do povo
Nos alpendres da Cidade.
Filhos, diz ela, até quando
Desprezareis a Ciência,
Nutrindo a infância, que é louca,
No regaço da imprudência?
Convertei-vos à doutrina,
Que vou dou por correção:
O meu espírito acenda
Em vós a luz da razão.
Por lei do sábio Arquiteto
Os abismos se romperão:
Líquidas gotas de orvalho
Na terra as nuvens verterão.
Ah! não deixes de teus olhos
Esta doutrina escapar:
A lei, meu filho, e o conselho
Constante deves guardar.
Eis a vida da tua alma,
Do teu pescoço o ornamento:
Os teus pés irão seguindo
A marcha do entendimento.
Se dorme o Sábio tranquilo,
Tu dormirás sem temor,
A paz é o sono da vida,
A vida é o prêmio de amor.
Desta armadura vestido,
Não te pode acometer
Súbito horror da desgraça,
Nem dos ímpios o poder.
Assim terás a teu lado
O Senhor, que te defenda;
Guiando-te o pé seguro
De rede, ou laço, que o prenda.
Nunca te oponhas à mão
Do benfeitor, se te apraz,
Procura, quando poderes,
Fazer o bem, que ele faz.
Se o teu amigo padece,
Não tarde, que o tempo foge:
Amanhã talvez não faças,
O que podes fazer hoje.
Não lhe maquines o mal,
Presta à virtude o abrigo,
Que a boa-fé lhe assegura
Na confiança d’um amigo.
Não provoques a injustiça
D’uma ação, que te desmente;
Autor d’iníquo processo
Não chames réu o inocente.
Jamais do injusto o prazer
Te sirva de emulação:
Evita sempre os caminhos,
Que têm por Norte a ilusão.
O Autor, e Luz da verdade
Qualquer engano abomina,
Despreza, abate o orgulho;
Ao simples é que ele ensina.
Quando a indigência nos ímpios
Descarrega a indignação,
As bênçãos do Céu recaem
Do justo na habitação.
Pague o louco, que escarnece,
Sofrendo escárnio também:
A graça é quem distribui
O prêmio, que os mansos têm.
C’roa-se o sábio de glória,
Porque um dia se humilhou:
O insensato se confunde,
Do nada a que s’exaltou.