31 agosto 2016

Diligência postal


Rudolf Koller (1828-1905). Gotthardpost. 1874.

Fonte da foto: Wikipedia.

29 agosto 2016

Balanço

Adolfo Casais Monteiro

Afinal, toda a minha poesia era verdade...
A noite é infindável, e os dias
são a mesma vastidão de carne apodrecida
morrendo sem saber de que morria.
Os rios são os mesmos, ou as ruas,
que só levam lá de onde não saí.
O silêncio é sempre a única resposta.

Se não pedi, que haviam de me dar?

Fonte: Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema publicado em livro em 1969.

28 agosto 2016

Abastecimento de energia e contração muscular

Jürgen Weineck

No início de qualquer treinamento esportivo de maior intensidade, em que a necessidade de energia não pode ser suficientemente satisfeita de forma aeróbica – a demora inicial na absorção respiratória de oxigênio provavelmente é causada por uma resposta relativamente lenta do sistema circulatório para começar a trabalhar [...] –, o músculo é obrigado a obter a energia necessária, em parte, por meio de processos anaeróbicos.

A primeira reação que fornece energia é a quebra do ATP [...].

A quantidade de ATP na célula muscular é de aproximadamente 6 mmol por kg de massa muscular úmida [...] e é suficiente apenas para segundos, em contrações musculares máximas.
[...]

Quando uma carga dura mais de 1 minuto, a obtenção aeróbica de energia, que ocorre nas mitocôndrias, assume um progressivo papel dominante.
[...]

Ao contrário do que acontece na preparação anaeróbica de energia, aqui podem ser utilizadas, como portadoras de energia, além da glicose, também gorduras (na forma de ácidos graxos livres [...]) e, em casos de emergência (como fome ou carga de duração extrema), até proteínas (na forma de aminoácidos [...]).

É importante ainda salientar que a intensidade do trabalho muscular – e com isso a velocidade de contração da fibra muscular – modifica-se, dependendo do abastecimento possível de energia [...].

Fonte: Weineck, J. 2005. Biologia do esporte. 7ª ed. Barueri, Manole.

27 agosto 2016

300 mil visitas

F. Ponce de León

Na quinta-feira (25/8), o Poesia contra a guerra ultrapassou a marca de 300 mil visitas. Desde o balanço equivalente anterior – ver ‘200 mil visitas’, em 21/3/2013 –, ocorreram em média cerca de 80 visitas/dia.

25 agosto 2016

É o silêncio...

Pedro Kilkerry

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha.

Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das cousas... Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...
E a câmara muda. E a sala muda, muda...
Àfonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima...
.. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
E abro a janela. Ainda a lua esfia
Últimas notas trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela montanha.

E oh! minha amada, o sentimento é cego...
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.

Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep.

23 agosto 2016

Grandes bacias intracratônicas

Setembrino Petri & Vicente José Fúlfaro

Na maior parte do Siluriano, o crato sul-americano encontrava-se emerso, sujeito a erosão. Expansões marginais da faixa geossinclinal andina, formando bacias marginais desta idade, ocorrem no Paraguai oriental e Amazonas [...].

[...] É somente no Eocarbonífero que se tornaram bem definidas três grandes bacias intracratônicas de sedimentação: Amazonas, Parnaíba (ou Maranhão) e Paraná [...].
[...]

A bacia sedimentar do Amazonas abrange uma faixa de aproximadamente 200 km de largura, de ambos os lados do rio Amazonas, em seu curso médio, alargando-se para as cabeceiras e distribuindo-se do Acre ao Pará. Compreende quatro partes, ou sub-bacias, separadas por altos do embasamento. São elas: Acre, Alto Amazonas, Médio Amazonas e Baixo Amazonas [...].
[...]

A bacia sedimentar do Parnaíba, também chamada do Maranhão, abrange quase inteiramente os estados do Piauí e Maranhão e partes adjacentes de Goiás [Tocantins] e Ceará. Tem forma aproximadamente oval, estando separada das bacias do Amazonas e do Marajó, e das bacias costeiras de São Luís e Barreirinhas, por estruturas tectônicas.
[...]

A bacia sedimentar do Paraná situa-se no centro-leste da América do Sul, abrangendo uma área de 1.600.000 km2, dos quais 1.000.000 km2 situados em território brasileiro, 400.000 km2 em território argentino, 100.000 km2 em território uruguaio e 100.000 km2 em território paraguaio. A maior parte dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina (regiões central e ocidental) situam-se nessa bacia. No litoral sul de Santa Catarina (Morro do Convento, próximo a Araranguá) e norte do Rio Grande do Sul (Torres) a bacia chega ao litoral e projeta-se pela plataforma continental. Pequena parte do sudoeste de Minas Gerais (Triângulo Mineiro e regiões adjacentes) também se inclui na bacia. A parte brasileira do lado ocidental da bacia (margem direita do rio Paraná), dos limites com o Paraguai para o norte, até a latitudes inferiores a 13°, situa-se nos estados de Mato Grosso e Mato Grasso do Sul, e sul de Goiás [...]. Não houve a situação de esforços de compressão capazes de produzir dobramentos intensos. As deformações estruturais são associadas a falhas ou a intrusões diabásicas.
[...]

Fonte: Petri, S. & Fúlfaro, V. J. 1983. Geologia do Brasil. SP, T. A. Queiroz & Edusp.

21 agosto 2016

O doping venceu

Eduardo Colli

Em 24 de setembro [de 1988], na final dos 100 metros livres [dos Jogos Olímpicos de Seul], o grande favorito era Carl Lewis [...] [S]uspeitava-se que [Benjamin ‘Ben’] Johnson, como ocorreu no Mundial de 1987, estava escondendo as cartas, classificando-se com dificuldades até arrancar para ganhar o título.
[...]

O cronômetro deixou todos boquiabertos: Johnson 9,79 (marca igualada por Maurice Greene dos Estados Unidos em junho de 1999), Lewis 9,92, Lindford Christie 9,79 e Calvin Smith 9,99. Quatro homens abaixo dos 10 segundos, com Johnson quebrando seu recorde mundial em quatro centésimos de segundo.

O grande acontecimento durou apenas dez segundos, mas suas repercussões foram intermináveis. A bomba do escândalo, silenciosamente guardado explodiu 48 horas depois.

Uma vez cumprido todos os passos do regulamento, o resultado do exame antidoping de Ben Johnson foi anunciado positivo. Sua urina acusou o uso de Estanozolol, um esteroide anabolizante que produz massa muscular.

[...] Jonhson teve seu recorde mundial cassado e uma suspensão por dois anos. Voltando a competir, foi novamente pego no antidoping e banido definitivamente do esporte.

Fonte: Colli, E. 2004. Universo olímpico. SP, Códex.

19 agosto 2016

Os filhos do rei


Theodor Hildebrandt (1804-1874). Die Ermordung der Söhne Eduards IV. 1836.

Fonte da foto: Wikipedia.

17 agosto 2016

Números e algumas estimativas

Felipe A. P. L. Costa

A julgar pelo que vem se passando até agora, os Estados Unidos deverão sair vitoriosos dos Jogos Olímpicos de 2016 (Rio de Janeiro, 5 a 21/8). Os principais destaques positivos, no entanto, deverão ficar por conta da Austrália e do Japão, compensando o fraco desempenho que essas duas equipes tiveram nos Jogos de 2012 (ver o artigo ‘Números, estimativas e algumas lições’). As maiores frustrações, por sua vez, deverão ficar por conta da China e da Coreia do Sul.

A primeira de duas semanas

Sábado (13/8) à noite, encerradas as disputas, a contagem oficial (ver ‘Olympic medal count’) indicava que as onze primeiras posições eram ocupadas pelas seguintes delegações (entre parêntesis, o número de medalhas de ouro, prata e bronze, respectivamente): Estados Unidos (24, 18, 19), China (13, 11, 17), Grã-Bretanha (10, 13, 7), Alemanha (8, 5, 3), Japão (7, 3, 14), Rússia (6, 9, 8), Austrália (6, 7, 9), Itália (6, 7, 5), Coreia do Sul (6, 3, 4), França (5, 8, 5) e Hungria (5, 3, 3).

Temos uma segunda semana pela frente e mais da metade das medalhas ainda estarão em jogo. Todavia, admitindo que o calendário (em termos de modalidades) venha a repetir o que se passou nos Jogos de 2012 (Londres, 27/7 a 12/8), arrisco dizer que a classificação final não deverá fugir muito da seguinte projeção (entre parêntesis, duas estimativas para o número de medalhas de ouro e para o total de medalhas, uma levando em conta o desempenho em relação às demais equipes, outra levando em conta o percentual de medalhas da própria equipe): Estados Unidos (38-45 de ouro, 101-102 no total); China (16-25, 56-58); Grã-Bretanha (16-22, 48-49); Rússia (14-21, 45-48); Austrália (9-21, 35-44); Japão (8-25, 33-45); Alemanha (8-18, 32-33); Hungria (8-10, 23-27); Itália (7-9, 30-31); França (7-8, 23-24) e Coreia do Sul (7-8, 17).

Em 2012, a classificação final mostrava a presença desses mesmos países, embora em uma ordem diferente, a saber: Estados Unidos, China, Grã-Bretanha, Rússia, Coreia do Sul, Alemanha, França, Itália, Hungria, Austrália e Japão. É bom ressaltar que, este ano, em virtude dos cortes de atletas em diversas modalidades (ver matéria ‘Russia Olympics team could be cut to 40 amid IOC backlash’, de Bem Rumsby, publicada no The Telegraph, em 25/7/2016), a classificação final da Rússia poderá sofrer uma oscilação apreciável.

Para além da banalidade

Comparando os resultados de 2012 com as projeções aqui apresentadas, os dois maiores destaques positivos (i.e., as duas maiores ascensões) ficariam por conta da Austrália e do Japão. Por sua vez, as duas maiores frustrações ficariam por conta da China (perda de medalhas, embora talvez consiga manter o segundo lugar geral) e da Coreia do Sul (perda de medalhas e de posição).

Caberia ainda chamar a atenção para o desempenho acanhado de quatro dos países mais populosos do mundo (ver UN/Desa/Population Division), a saber: Índia (1,3 bilhão de habitantes), Brasil (208 milhões), Nigéria (182 milhões) e México (127 milhões). O mau desempenho da Índia é um caso particularmente intrigante – os indianos, ao que parece, além de uma desmedida paixão pelo críquete, um esporte não olímpico, têm suas próprias ‘Olimpíadas’ (ver matéria ‘Lamaçal olímpico’, de Daniel Brito e Ugo Araujo, publicada no portal UOL, s/d). Os nigerianos, por sua vez, têm prioridades mais básicas para resolver.

Restariam o Brasil e o México, países com uma renda per capita bem mais alta (México, US$ 9 mil; Brasil, US$ 8,5 mil; Nigéria, US$ 2,6 mil; Índia, US$ 1,6 mil – para detalhes, ver o relatório ‘GDP per capita’), mas onde a prática esportiva continua concentrada em apenas uma ou outra modalidade. Tamanha monotonia talvez ajude a explicar o fraco desempenho que as equipes desses dois países habitualmente têm em competições internacionais. É uma pena. No caso brasileiro, mais especificamente, ouso dizer que o nosso secular embotamento esportivo só irá mudar a partir do dia em que as aulas de educação física em nossas escolas conseguirem romper a inércia atual, superando a onipresença – e a banalidade – do futebol.

15 agosto 2016

No convé que diguem el nom

Salvador Espriu

No convé que diguem el nom
del qui ens pensa enllà de la nostra por.
Si topem a les palpentes
amb aquest estrany cec,
i ens sentim sempre mirats
pel blanc esguard del cec,
on sinó en el buit i en el no-res
fonamentarem la nostra vida?
Provarem d’alçar en la sorra
el palau perillós dels nostres somnis
i aprendrem aquesta lliçó humil
al llarg de tot el temps del cansament,
car sols així som lliures de combatre
per l’última victòria damunt l’esglai.
Escolta, Sepharad: els homes no poden ser
si no són lliures.
Que sàpiga Sepharad que no podrem mai ser
si no som lliures.
I cridi la veu de tot el poble: “Amén”.

Fonte: Pinto, J. N. 2002. Solos do silêncio, 3ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1960.

13 agosto 2016

Os reis da Alexandria

Constantine P. Cavafy

Reuniram-se os alexandrinos
para verem os filhos de Cleópatra:
Cesarião e seus irmãos mais jovens,
Alexandre e Ptolomeu, que
por vez primeira ao Ginásio levados
reis seriam proclamados,
em parada militar brilhante.

Alexandre foi proclamado rei
da Armênia, de Média e de Partia.
Ptolomeu foi proclamado rei
da Cecília, da Síria e de Fenícia.
Cesarião de pé, na frente deles,
vestido com seda cor-de-rosa,
um ramalhete de jacintos nos braços,
na cintura uma dupla fila de ametistas e safiras,
as sandálias atadas com brancas fitas,
com amarelas pétalas bordadas.
A ele coube o maior dos títulos:
proclamaram-no Rei dos Reis.

Os alexandrinos certamente compreenderam
que tudo aquilo eram palavras de faz-de-conta.

O dia estava quente, porém, e poético,
com céu de pálido azul.
O Ginásio de Alexandria era uma obra-prima.
As vestes dos cortesãos, esplêndidas,
Cesarião era todo charme e beleza
(filho de Cleópatra, sangue dos Lágidas).
Os alexandrinos, em multidões, ao festival acorreram
e entusiasmados saudavam em grego,
em egípcio, em hebraico alguns,
encantados com a beleza do espetáculo,
embora soubessem, naturalmente,
o que tudo aquilo valia,
eram aqueles reinos palavras vazias.

Fonte (exceto versos 3 e 4 da segunda estrofe): Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM. Poema datado de 1912. O nome do autor é grafado também como ‘Konstantinos Kaváfis’.

12 agosto 2016

Nove anos e dez meses no ar

F. Ponce de León

Nesta sexta-feira, 12/8, o Poesia contra a guerra completa nove anos e dez meses no ar. Ao longo desse período, e até o fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue registrou 299.255 visitas.

Desde o balanço anterior – Nove anos e nove meses no ar – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Anderson Braga Horta, Claudio Willer, E. B. Ford, Eduardo Zeiger, Edward A. Adelberg, Eloisa Mano, João Airas de Santiago, Lincoln Taiz, Maria Léa Salgado-Labouriau, Michael Doudoroff, Peter Beech, Ricardo Bicca de Alencastro, Roger Y. Stanier e William Morris. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Carl Friedrich Lessing, Elisabeth Jerichau Baumann e Hans Gude.

11 agosto 2016

Fungos: hifas e micélio

Roger Y. Stanier, Michael Doudoroff & Edward A. Adelberg

Em sua maioria, os fungos são organismos cenocíticos e possuem uma estrutura vegetativa conhecida como micélio [...]. O micélio consiste de uma massa de citoplasma multinucleada incluída dentro de um sistema rígido, plurirramificado, de tubos de diâmetro bastante uniforme. Esses tubos, compostos de um polissacarídeo, quitina, representam uma estrutura protetora que é homóloga à parede celular dos organismos unicelulares. Um micélio surge normalmente pela germinação e proliferação de uma única célula reprodutiva, ou esporo. Germinando, o esporo do fungo emite um longo fio, ou hifa, a qual se subdivide repetidamente à medida que se distende, formando um sistema ramificado que constitui o micélio. O crescimento dos fungos é confinado caracteristicamente às extremidades das hifas; à medida que se estende o micélio, o conteúdo citoplasmático pode desaparecer das regiões antigas, centrais. O tamanho de cada micélio não é fixo; enquanto houver disponibilidade de nutrientes, o crescimento externo pode continuar por extensão das hifas e, em alguns basidiomicetos, um único micélio pode ter até 15 metros de diâmetro.

Fonte: Stanier, R. Y.; Doudoroff, M. & E. A. Adelberg. 1978. Mundo dos micróbios, 2ª ed. SP, Edgar Blücher.

09 agosto 2016

Terras altas


Hans Gude (1825-1903). Høifjæld. 1857.

Fonte da foto: Wikipedia.

07 agosto 2016

Geometria orbital

Maria Léa Salgado-Labouriau

A Terra é o terceiro planeta do Sistema Solar, contando do Sol para fora, e situa-se a uma distância média de 149.600.000 km. O movimento de rotação da Terra sobre seu eixo é hoje de ca. 24 horas (média de 23 horas, 56 minutos e 4 segundos). Ela gira em volta do Sol em cerca de 365 dias (média de 365 dias, 6 h, 9 min, 10 s). A Terra não é uma esfera. Devido ao seu movimento de rotação, numa velocidade [de] 1.670 km/h, a zona equatorial tende a ficar mais saliente devido à força centrífuga.

A órbita de um planeta é o caminho percorrido por ele em volta do Sol. As órbitas são elipses amis ou menos alongadas, conforme o planeta. Para a órbita da Terra este alongamento desvia menos de 2% do círculo, ao passo que para Plutão e Mercúrio, por exemplo, o desvio é de mais de 20%. A órbita da Terra, portanto, é quase circular e ligeiramente excêntrica em relação ao Sol.
[...]

Fonte: Salgado-Labouriau, M. L. 1994. História ecológica da Terra, 2ª ed. SP, Blücher.

05 agosto 2016

Em estilo amável

Eugénio de Andrade

Chega ao fim o verão, resta-me agora
a poesia a caminho da prosa.
Pelo lado matinal
um gato pé ante pé aproxima-se
de um pardal saltitando
entre as folhas amarelas. “É o meu coração,
a luz é o meu coração”, diz ele, e salta,
voa na tarde. O mar
recua, uma criança, vem vindo pelo molhe,
canta canta,
não sabe ainda que o pai não voltará
a casa. Um velho traz o céu
azul pela mão, olha de soslaio
os rapazes ao passar, ri
da praga humana empurrando
as suas bolas de esterco.
Deus deve ser assim: afável,
simples de espírito, distraído –
sem esterco que empurrar, de tão velho.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1995. ‘Eugénio de Andrade’ é pseudônimo de José Fontinhas.

03 agosto 2016

Limbo

Anderson Braga Horta

O que digo no poema
sepulta no limbo
das coisas impossíveis
aquilo que não disse
– e poderia? –
e já não direi.
O que não digo
apenas frisa,
elíptico,
a superfície do dizer.
E no entanto
nesse franzido é que palpita
– infinita –
            a Vida!

Fonte: poema publicado no livro De viva voz (2012) e republicado aqui com o devido consentimento do autor, a quem agradeço pela cortesia.

01 agosto 2016

Of Heaven or Hell I have no power to sing

William Morris

   Of Heaven or Hell I have no power to sing,
I cannot ease the burden of your fears,
Or make quick-coming death a little thing,
Or bring again the pleasure of past years,
Nor for my words shall ye forget your tears,
Or hope again for aught that I can say,
The idle singer of an empty day.

   But rather, when aweary of your mirth
From full hearts still unsatisfied ye sigh,
And, feeling kindly unto all the earth,
Grudge every minute as it passes by,
Made the more mindful that the sweet days die –
– Remember me a little then I pray,
The idle singer of an empty day.

   The heavy trouble, the bewildering care
That weighs us down who live and earn our bread,
These idle verses have no power to bear;
So let me sing of names remembered,
Because they, living not, can ne’er be dead,
Or long time take their memory quite away
From us poor singers of an empty day.

   Dreamer of dreams, born out of my due time,
Why should I strive to set the crooked straight?
Let it suffice me that my murmuring rhyme
Beats with light wing against the ivory gate,
Telling a tale not too importunate
To those who in the sleepy region stay,
Lulled by the singer of an empty day.

   Folk say, a wizard to a northern king
At Christmas-tide such wondrous things did show,
That through one window men beheld the spring,
And through another saw the summer glow,
And through a third the fruited vines a-row,
While still, unheard, but in its wonted way,
Piped the drear wind of that December day.

   So with this Earthly Paradise it is,
If ye will read aright, and pardon me,
Who strive to build a shadowy isle of bliss
Midmost the beating of the steely sea,
Where tossed about all hearts of men must be;
Whose ravening monsters mighty men shall slay,
Not the poor singer of an empty day.

Fonte (estrofes 1, 5 e parte da 6): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 3. Brasília, Senado Federal. Poema – originalmente, ‘An apology’ de um poema épico, intitulado ‘The Earthly Paradise’ – publicado em livro em 1870.

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