Mário de Sá-Carneiro
Um pouco mais de sol – eu
era brasa,
Um pouco mais de azul –
eu era além.
Para atingir, faltou-me
um golpe d’asa...
Se ao menos eu
permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em
vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d’espuma;
E o grande sonho
despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! –
quase vivido...
Quase o amor, quase o
triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim
– quase a expansão...
Mas na minh’alma tudo se
derrama...
Entanto nada foi só
ilusão!
De tudo houve um começo...
e tudo errou...
– Ai a dor de ser-quase,
dor sem fim... –
Eu falhei-me entre os
mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas
não voou...
Momentos d’alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus
um altar...
Rios que perdi sem os
levar ao mar...
Ânsias que foram mas que
não fixei...
Se me vagueio, encontro
só indícios...
Ogivas para o sol – vejo-as
cerradas;
E mãos d’herói, sem fé,
acobardadas,
Puseram grades sobre os
precipícios...
Num ímpeto difuso de
quebranto,
Tudo encetei e nada
possuí...
Hoje, de mim, só resta o
desencanto
Das coisas que beijei mas
não vivi...
... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ...
Um pouco mais de sol – e fora
brasa,
Um pouco mais de azul – e
fora além.
Para atingir, faltou-me
um golpe d’asa...
Se ao menos eu
permanecesse aquém...
Fonte (três primeiros
versos da última estrofe): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema
publicado em livro em 1914.