[Abertura]
Muitos animais tóxicos, impalatáveis ou de algum outro modo perigosos alertam seus predadores por meio de ‘sinais de advertência’ (aposematismo). Embora o uso de um mesmo sinal por linhagens distantes (analogia mimética) seja conhecido desde a Antiguidade, só em 1862 o fenômeno recebeu uma explicação consistente. Naquele ano o naturalista inglês Henry Walter Bates (1825-1892) relacionou o aposematismo à impalatabilidade, construindo uma base explicativa para o que viria a se chamar ‘mimetismo batesiano’: presas palatáveis, ao imitar sinais emitidos por modelos impalatáveis, ganham alguma proteção contra predadores. Além de oferecer uma hipótese evolutiva bastante plausível, esse trabalho é ainda hoje um dos relatos mais convincentes sobre o processo de adaptação por seleção natural.
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Um amplo e variado conjunto de evidências mostra que interações ecológicas do tipo predador-presa tiveram um papel fundamental na história evolutiva de diferentes linhagens de seres vivos. A assimetria dessas interações impõe uma espécie de ‘corrida armamentista’: a seleção natural favorece predadores com sistemas de ataque que facilitem a exploração de suas vítimas, ao mesmo tempo em que favorece presas com sistemas de defesa que dificultem a ação de seus inimigos naturais.
No plano individual, a relação predador-presa pode ser examinada como um processo em cinco etapas: detecção, reconhecimento, ataque, captura e subjugação. Cada uma delas tende a exigir defesas específicas, de sorte que a característica morfológica ou comportamental que funciona para evitar a detecção costuma ser de pouca serventia em etapas mais avançadas. Além disso, as defesas se tornam menos eficazes e mais custosas à medida que o processo avança – quer dizer, é mais seguro e mais simples evitar a detecção do que escapar das garras de um predador.
No caso específico de presas animais, as características antipredação podem ser arranjadas em dois grupos: defesa primária e secundária. O primeiro grupo abriga basicamente caracteres morfológicos que dificultam a detecção e o reconhecimento e cuja manifestação independe da presença do predador. Por exemplo, i) o predador não detecta a presa: anacorese (hábito de se esconder em tocas e frestas) e camuflagem (semelhança com o fundo); ii) o predador detecta a presa, mas não a reconhece como item alimentar: aposematismo (coloração conspícua, destoando do fundo; a coloração por si só não é uma defesa, mas um alerta que adverte potenciais predadores de que o animal é tóxico, impalatável ou de algum outro modo ameaçador) e mimetismo (semelhança entre indivíduos de espécies distintas).
O segundo grupo abriga principalmente padrões comportamentais que visam desestimular o ataque ou impedir que, tendo iniciado, resulte em captura e subjugação. Algumas defesas secundárias estão associadas a caracteres morfológicos; outras não. No último caso, a manifestação do comportamento defensivo costuma ocorrer apenas na presença do predador. Por exemplo, i) a presa detecta o predador: retirada (escape sorrateiro para um abrigo previamente preparado) e fuga (escape apressado e mais ou menos errático para longe); ii) a presa não consegue evitar o confronto: comportamento deimático (presa regurgita conteúdo estomacal ou expele substância repelente); tanatose (presa finge de morta, desestimulando predadores que só ingerem presas que eles subjugam); reorientação do ataque (o sentido do eixo ântero-posterior do corpo parece invertido, redirecionando o ataque para uma região menos crítica, como a cauda) e retaliação (presa volta-se contra o predador).
Camuflagem e mimetismo
Embora predadores também se camuflem e mimetizem, a camuflagem e o mimetismo serão tratados aqui apenas como sistemas de defesa.
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Fonte: Costa, F. A. P. L. 2012. De frente para o inimigo. Ciência Hoje 292: 80-83.