31 janeiro 2014

Nu sentado


Philip Wilson Steer (1860-1942). Seated nude: The black hat. 1900.

Fonte da foto: Tate.

29 janeiro 2014

História real e oficial

José Honório Rodrigues

A realidade é um somatório de várias realidades, conjunturais e estruturais, regionais e nacionais, oficiais e populares, coexistindo em vários tempos históricos. A realidade é uma composição de elementos da conjuntura e da estrutura. O exame da conjuntura revela sempre a aparência, os aspectos parciais, instantâneos, imediatos, momentos da realidade; o estudo da estrutura mostra as raízes, os fundamentos, a substância da realidade. Em termos históricos a realidade se apresenta tecida de uns e outros elementos, mas por motivos óbvios os conjunturais dominam a visão e compreensão da realidade. Em termos historiográficos, a crônica, que marca o começo da historiografia e predomina na literatura jornalística moderna, é sempre conjuntural, enquanto a história foi conjuntural e é hoje estrutural. É certo que a historiografia dominante no Brasil trata especialmente da realidade passada, não estruturalmente, mas conjunturalmente. Daí seu caráter de crônica, revivendo aparências mortas, semimortas, ou insignificantes. Os elementos históricos se inserem na conjuntura e na estrutura da realidade, seja ela atual ou passada.
[...]

Fonte: Rodrigues, J. H. 1981. Filosofia e história. RJ, Nova Fronteira.

27 janeiro 2014

O mau humor do riso

Cyro Siqueira

Naqueles tempos, mais ou menos 40 anos atrás, também mais ou menos heróicos, meus contatos com Celius Aulicus – Gomes Jardim – eram muito rápidos e superficiais, mas sempre cordiais. Fui conhecê-lo melhor durante uma dessas viagens doidas que, na época, jornalistas faziam. Estimulado pelos ventos amáveis da Época JK, um grupo de jornalistas mineiros arranjou recursos para participar de um encontro da classe, que seria realizado na Finlândia, especificamente em Helsinque, capital daquele país, mais especificamente em Otaniemi, um balneário à margem do Mar Báltico. Corria o ano de 1956, éramos cinco ou seis jornalistas mineiros. Geraldo Ribas, Juraceí de Barros Gomes, Wander Moreira, Celius Aulicus, Délcio Monteiro de Lima – e o degas aqui.

O dinheiro de cada um de nós era pouco. O dinheiro do Celius era pouquíssimo. O avião da travessia atlântica, naturalmente Panair, naturalmente de hélice, barulhento. Na travessia atlântica, Celius, que já era meio surdo, ficou mais surdo. Sua situação se complicou porque o avião da Panair iria nos deixar, como nos deixou, em Roma, onde passamos todo um dia à espera da conexão, avião escandinavo, para Helsinque. Em Roma, Celius teve, no que eu percebi das coisas, duas decepções. A primeira, de natureza pragmática, monetária. Uma de suas irmãs estava morando temporariamente em Roma, casada com um político brasileiro em missão comercial. Celius achou que ela iria melhorar seu caixa, quer dizer, suas parcas reservas de dinheiro. De fato ela ajudou, mas, mineiramente, com muito pouco.

A segunda decepção de Celius foi de ordem ideológica. Ao sairmos do Brasil, o Diário de Notícias havia publicado o hoje famoso Relatório Kruchov sobre os crimes de Stalin, o famoso relatório do 20º Congresso do Partido Comunista. Aqui na pátria, o relatório foi logo impugnado pelo Partido Comunista Brasileiro – ao qual Celius era afiliado – e por sua ‘linha auxiliar’, como embuste montado pelo imperialismo ianque.

Em Roma, até as livrarias mais radicalmente socialistas vendiam avulsos do referido relatório.
[...]


Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

25 janeiro 2014

Sanatório

Ascânio Lopes

Logo, quando os corredores ficarem vazios,
e todo o Sanatório adormecer,
a febre dos tísicos entrará no meu quarto
trazida de manso pela mão da noite.

Então minha testa começará a arder,
todo meu corpo magro sofrerá.
E eu rolarei ansiado no leito
com o peito opresso e de garganta seca.

Lá fora haverá um vento mau
e as árvores sacudidas darão medo.
Ah! os meus olhos brilharão, procurando
a Morte que quer entrar no meu quarto.

Os meus olhos brilharão como os da fera
que defende a entrada do seu fojo.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1928.

23 janeiro 2014

Impunidade

Cláudio Murilo Leal

O barão especializou-se em conversas inúteis
e telegramas.
Ganhou muito dinheiro com as guerras púnicas
e a desigualdade social.
Levou uma existência de pasteizinhos de queijo
e taças de hidromel.
Aposentou-se
e viveu dos juros, sem tocar no capital.
Ninguém o castigou, nem Deus nem os homens.

Fonte: Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 1990.

21 janeiro 2014

Pica-pau-da-cabeça-vermelha


Mark Catesby (1682-1749). The natural history of Carolina, Florida and the Bahama Islands, vol. 1. 1731.

Fonte da foto: Wikipedia.

19 janeiro 2014

Teste de hipótese

J. J. Thomas

A palavra ‘hipótese’ é definida pelo Chambers Twentieth Century Dictionary como uma “suposição; uma proposição suposta para fins de argumento; uma teoria a ser provada ou refutada, pela referência aos fatos; uma explicação provisória de qualquer coisa.” Nesta etapa, seremos muito menos gerais do que esta definição e restringiremos a nossa interpretação da palavra ‘hipótese’ para indicar uma teoria sobre o valor de um parâmetro da população, tal como a média, μ, ou sobre os valores de diversos parâmetros da população, tais como a média, μ, e a variância, σ2. Tal enfoque pode parecer algo restritivo, mas, na segunda parte deste texto, quando examinarmos a relação entre variáveis econômicas, mostraremos que a metodologia desenvolvida aqui pode ser aplicada ao teste de um número considerável de hipóteses.

Para começar, consideraremos um problema envolvendo uma média da população. Por exemplo, suponha-se que o comprimento de uma barra de metal produzida por um determinado processo seja uma variável aleatória que obedece a uma distribuição normal com um desvio padrão de 15 cm. As barras têm dois usos, para um dos quais o processo está programado para produzir barras com um comprimento médio de μ = 150 cm, ao passo que para o outro o processo está programado para produzir barras com um comprimento médio de μ = 160 cm. As barras produzidas pelas máquinas programadas para um dado μ são reunidas, medidas, acondicionadas em caixas de 25 e enviadas para o departamento de expedição, de onde são enviadas para os seus destinos. Cada caixa tem uma etiqueta com os comprimentos das barras e o nível de μ em que se programou o processo. Porém, o expedidor descobre que a etiqueta de uma caixa está um pouco suja, de maneira que ele não pode ler o valor de μ, embora julgue que pareça ser μ = 150 cm. Que deveria fazer, sabendo que o processo é normal e o desvio padrão é 15 cm?
[...]

Fonte: Thomas, J. J. 1978 [1973]. Introdução à análise estatística para economistas. RJ, Zahar.

17 janeiro 2014

Croquis

Janez Menart

O café. A mesa. O mármore frio,
Palpável imagem da passagem humana.
Na taça o conhaque; bem debaixo da borda;
Numa poça, o líquido derramado.

O indicador é pincel, o líquido, paleta;
Desenho preguiçosamente uma casinha, uma árvore.
Sobre a casa o sol, em frente um banco
E a flor que junto à flor floresce.

E ainda uma estradinha que vem da casa
E uma bela mulher entre as flores.
Repentinamente chega o garçom,
Esfregando tudo, espalhando tudo.

Observo como leva a bandeja,
Sacudindo, aqui e ali, o guardanapo.
E quase com tristeza, peço:
“Moço, mais uma taça, por favor!”

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM. Poema publicado em livro em 1963.

15 janeiro 2014

A evolução em perspectiva

Paul Amos Moody

Com o termo evolução, entendemos o tipo de mudança para o qual comumente usamos a palavra desenvolvimento. Falamos da evolução do Sistema Solar, da evolução da Terra, da evolução do aeroplano e da evolução do automóvel. Em tais casos, estamo-nos referindo às transformações ocorridas no Sistema Solar, na Terra, no aeroplano ou no automóvel.

A evolução pela qual este livro se interessa refere-se a uma forma especial do sentido mais amplo da expressão: a EVOLUÇÃO ORGÂNICA. Esta subdivisão da evolução trata das mudanças sofridas pelos seres vivos – plantas e animais. Para nossos propósitos, podemos definir a evolução orgânica como a teoria de que as plantas e os animais atualmente existentes são descendentes modificados de plantas e animais um tanto diferentes que viveram em tempos passados. Esses ancestrais, por sua vez, são considerados como os descendentes de predecessores diferentes deles e, assim por diante, passo a passo, de volta a um início oculto e misterioso.

Na afirmação precedente, a expressão descendentes modificados merece ênfase especial. A palavra modificados refere-se ao elemento de mudança que acabamos de mencionar como inerente à idéia completa de evolução. A palavra descendentes introduz uma idéia ausente no uso mais amplo do termo evolução. Quando falamos da evolução do automóvel, fazemos referência às transformações que ocorreram na transição da ‘carruagem sem cavalos’, de uma era passada, para os modelos atuais. Não pensamos nos automóveis mais antigos como pais ou ancestrais dos mais modernos em sentido literal. A partir da experiência adquirida com modelos mais antigos, os fabricantes de automóveis aprenderam como aperfeiçoar e modificar seus produtos, de modo que os modelos mais recentes sejam diferentes e, no total, melhores que os primeiros. Mas os modelos mais recentes não são, literalmente, descendentes dos primeiros. Por outro lado, é exatamente essa relação ancestral-descendente que é visualizada na expressão evolução orgânica. Os animais mais recentes são considerados como descendentes genéticos diretos de ancestrais um tanto diferentes que viveram outrora na Terra.
[...]

Fonte: Moody, P. A. 1975 [1970]. Introdução à evolução, 3ª edição. RJ & Brasília, LTC & Editora da UnB.

13 janeiro 2014

Nictofagia

Natália Correia

Se eu pudesse beber-te, ó noite,
Até encontrar o teu gosto,
Ou mordendo a ponta do açoite
Da tua treva no meu rosto,

Achasse a planície de lume
De que és uma aresta de estrelas
E sonhando sem peso e volume
Fosse um sonho de chão a tecê-las

E na praia de um trilo sem flauta,
Instrumento das harpas do fundo
Duma água escorrida da pauta
Da manhã mais antiga do mundo,

Me estendesses, ó noite florida
Das sementes que trazes no punho,
Uma adolescência impelida
Pelo arco das brisas de Junho!

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1958.

12 janeiro 2014

Sete anos e três meses no ar

F. Ponce de León

Neste domingo, 12/1, o Poesia contra a guerra completa sete anos e três meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 233.154 visitas foram registradas ao longo desse período.

Desde o balanço mensal anterior – Sete anos e dois meses no ar – foram aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: D. Kléténic, Dan Sperber, Galaktion Tabidze, Hans Keller, João Cardoso de Meneses e Souza, Paul Éluard, Paulo Bonfim, Robert Jastrow e Theodosius Dobzhansky. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Filippo Lippi, János Thorma e Vittorio Matteo Corcos.

10 janeiro 2014

Era no inverno. Os grilos da Turquia

João Cardoso de Meneses e Souza

Era no inverno. Os grilos da Turquia,
Sarapintados qual um burro frito,
Pintavam com estólido palito
A casa do Amaral e Companhia.

Amassando um pedaço de harmonia,
Cantava o ‘Kyrie’ um lânguido cabrito,
E fumando, raivoso, enorme pito,
Pilatos encostou-se à gelosia.

Eis, súbito, no céu troveja um raio;
E o pobre Ali Paxá, fugindo à chuva,
Monta, depressa, num cavalo baio.

Passando, aperta a mão de um bago de uva,
E, vendo que já estava em fins de maio,
Pávido calça de Petrarca a luva.

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 2. SP, Cultrix & Edusp.

08 janeiro 2014

Sonhos


Vittorio Matteo Corcos (1859-1933). Sogni. 1896.

Fonte da foto: Wikipedia.

06 janeiro 2014

Bilu

Augusto Meyer

Madrugadinha a estrela pálida agoniza
Tu vais na cerração como o fantasma branco.
Levanta a gola – que frio!
O salgueiro se debruça para a sombra do teu vulto.
Rente do muro velho cresce a relva.

Tudo é puro como o sol vai nascer.
Verônica do amor eterno sinos sinos
da infância e a pandorga que soltavas lá no morro.
Toda cidade acordava como um vale caiado.

Apito! as fábricas chamaram.
Clareia a névoa sobre o rio bocejo róseo.
Ladra ladra o guaipeca a bordo.
As ilhas nascem das águas:
ilhas ilhas perdidas, me chamo Robinson Crusoé,
ó ilhas, levai minhas mágoas,
ó águas, lavai minhas mágoas!

Os leiteiros já passaram na rua vazia.
Olha o pão louro na vidraça como um sol.
A criadinha mulata namora o portuga.
Batem os tampos da carroça: pão!

Começa a bruxaria da luz em cada canto,
casas nascem, ruas crescem,
o morro tem sol mas tudo em torno está na sombra.
Fura a claridade a vela de um veleiro.
Balseiros se agacham para o mate matutino,
fizeram fogo na praia, mal se enxerga a chama.

Tu também estás preso na engrenagem, Bilu,
tua cabeça trabalha como um jogo de roldanas.

Vai tocando: o teu destino foi gravado na areia.
Tudo é poema, criança.
Você não sabe nada, felizmente:
saber é saber que não se sabe.

O minuano é muito mal educado.
Quem foi que ensinou as corruíras?
O veio d’água corre para o arroio...
Tudo é puro como as águas do alto-mar.

Ó terra terra
beijos polens respirações marés...
Cada gesto meu reproduz o milagre,
no pulso ouço bater a força obscura,
sou carregado na infinita adoração.

Porque eu não sei me emparedar.
Penso nas vidas que virão.
Quero o mal e quero o bem.
Quem botou esta luz irredutível nos meus olhos?
Manhã.
A estrela pálida morreu.

Fonte: Meyer, A. 2002. Melhores poemas de Augusto Meyer. SP, Global. Poema publicado em livro em 1929.

04 janeiro 2014

Como nos comunicamos?

Dan Sperber

Comunicamo-nos. Nós, seres humanos, o fazemos o tempo todo, e na maioria das vezes sem perceber. Falamos, ouvimos, escrevemos, lemos – como você está fazendo agora – ou desenhamos, fazemos mímica, dizemos que sim com a cabeça, apontamos, damos de ombros, e, de alguma maneira, conseguimos que os outros entendam nossos pensamentos. É claro, há momentos em que encaramos a comunicação como algo difícil e até impossível de alcançar. Entretanto, comparados com outros seres vivos, somos incrivelmente bons nisso. Outras espécies, se é que se comunicam, têm um repertório diminuto de sinais que são usados para afirmar repetidas vezes coisas como: “Este é meu território”, “Perigo, corra!” ou “Pronto para o sexo”.

Comunicar-se é a tentativa de fazer com que alguém compartilhe seus pensamentos – bem, pelo menos parte deles. Mas como podemos compartilhar pensamentos? Pensamentos não são coisas que vivem soltas em campo aberto, não podem ser fatiados como bolos ou usados coletivamente como ônibus. São assuntos extremamente particulares. Os pensamentos nascem, vivem e morrem dentro de nossos cérebros. Eles nunca saem realmente de nossas cabeças (apesar de falarmos como se saíssem, mas trata-se de uma metáfora). A única coisa produzida por uma pessoa para que outra a veja ou ouça é o comportamento e os vestígios que ele deixa: movimento, barulho, gravetos quebrados, manchas de tinta etc. Essas coisas não são pensamentos, elas não ‘contêm’ pensamentos (essa é mais uma metáfora), no entanto alguns desses comportamentos ou rastros servem para representar pensamentos.
[...]

Fonte: Brockman, J. & Matson, K., orgs. 1997. As coisas são assim. SP, Companhia das Letras.

02 janeiro 2014

Em seu lugar

Paul Éluard

Raio de sol entre dois límpidos diamantes
E a lua a se fundir nos trigais obstinados
Uma imóvel mulher tomou lugar na terra
No calor ela se ilumina lentamente
Profundamente como um broto e como um fruto

Nele a noite floresce o dia amadurece.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. ‘Paul Éluard’ é pseudônimo de Eugène Émile Paul Grindel.

eXTReMe Tracker