Poesia Contra a Guerra
A história da humanidade se confunde com a história das guerras. Deveríamos lutar para que se confundisse apenas com a história da literatura.
31 janeiro 2014
29 janeiro 2014
História real e oficial
José Honório Rodrigues
A realidade é um
somatório de várias realidades, conjunturais e estruturais, regionais e
nacionais, oficiais e populares, coexistindo em vários tempos históricos. A
realidade é uma composição de elementos da conjuntura e da estrutura. O exame
da conjuntura revela sempre a aparência, os aspectos parciais, instantâneos,
imediatos, momentos da realidade; o estudo da estrutura mostra as raízes, os
fundamentos, a substância da realidade. Em termos históricos a realidade se
apresenta tecida de uns e outros elementos, mas por motivos óbvios os
conjunturais dominam a visão e compreensão da realidade. Em termos
historiográficos, a crônica, que marca o começo da historiografia e predomina
na literatura jornalística moderna, é sempre conjuntural, enquanto a história
foi conjuntural e é hoje estrutural. É certo que a historiografia dominante no
Brasil trata especialmente da realidade passada, não estruturalmente, mas
conjunturalmente. Daí seu caráter de crônica, revivendo aparências mortas,
semimortas, ou insignificantes. Os elementos históricos se inserem na
conjuntura e na estrutura da realidade, seja ela atual ou passada.
[...]
27 janeiro 2014
O mau humor do riso
Cyro Siqueira
Naqueles tempos, mais ou
menos 40 anos atrás, também mais ou menos heróicos, meus contatos com Celius
Aulicus – Gomes Jardim – eram muito rápidos e superficiais, mas sempre
cordiais. Fui conhecê-lo melhor durante uma dessas viagens doidas que, na
época, jornalistas faziam. Estimulado pelos ventos amáveis da Época JK, um
grupo de jornalistas mineiros arranjou recursos para participar de um encontro
da classe, que seria realizado na Finlândia, especificamente em Helsinque,
capital daquele país, mais especificamente em Otaniemi, um balneário à margem do
Mar Báltico. Corria o ano de 1956, éramos cinco ou seis jornalistas mineiros.
Geraldo Ribas, Juraceí de Barros Gomes, Wander Moreira, Celius Aulicus, Délcio
Monteiro de Lima – e o degas aqui.
O dinheiro de cada um de
nós era pouco. O dinheiro do Celius era pouquíssimo. O avião da travessia
atlântica, naturalmente Panair, naturalmente de hélice, barulhento. Na
travessia atlântica, Celius, que já era meio surdo, ficou mais surdo. Sua
situação se complicou porque o avião da Panair iria nos deixar, como nos
deixou, em Roma, onde passamos todo um dia à espera da conexão, avião
escandinavo, para Helsinque. Em Roma, Celius teve, no que eu percebi das
coisas, duas decepções. A primeira, de natureza pragmática, monetária. Uma de
suas irmãs estava morando temporariamente em Roma, casada com um político
brasileiro em missão comercial. Celius achou que ela iria melhorar seu caixa,
quer dizer, suas parcas reservas de dinheiro. De fato ela ajudou, mas,
mineiramente, com muito pouco.
A segunda decepção de
Celius foi de ordem ideológica. Ao sairmos do Brasil, o Diário de Notícias havia publicado o hoje famoso Relatório Kruchov
sobre os crimes de Stalin, o famoso relatório do 20º Congresso do Partido
Comunista. Aqui na pátria, o relatório foi logo impugnado pelo Partido Comunista
Brasileiro – ao qual Celius era afiliado – e por sua ‘linha auxiliar’, como embuste montado pelo imperialismo ianque.
Em Roma, até as livrarias
mais radicalmente socialistas vendiam avulsos do referido relatório.
[...]
Fonte: Rabêlo, J. M.
1997. Binômio: edição histórica. BH,
Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.
25 janeiro 2014
Sanatório
Ascânio Lopes
Logo, quando os corredores ficarem vazios,
e todo o Sanatório
adormecer,
a febre dos tísicos
entrará no meu quarto
trazida de manso pela mão
da noite.
Então minha testa começará a arder,
Então minha testa começará a arder,
todo meu corpo magro
sofrerá.
E eu rolarei ansiado no
leito
com o peito opresso e de
garganta seca.
Lá fora haverá um vento mau
Lá fora haverá um vento mau
e as árvores sacudidas
darão medo.
Ah! os meus olhos
brilharão, procurando
a Morte que quer entrar
no meu quarto.
Os meus olhos brilharão como os da fera
Os meus olhos brilharão como os da fera
que defende a entrada do
seu fojo.
Fonte: Pinto, J. N. 2004.
Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1928.
23 janeiro 2014
Impunidade
Cláudio Murilo Leal
O barão especializou-se
em conversas inúteis
e telegramas.
Ganhou muito dinheiro com
as guerras púnicas
e a desigualdade social.
Levou uma existência de
pasteizinhos de queijo
e taças de hidromel.
Aposentou-se
e viveu dos juros, sem
tocar no capital.
Ninguém o castigou, nem
Deus nem os homens.
21 janeiro 2014
Pica-pau-da-cabeça-vermelha
Mark Catesby (1682-1749). The natural history of Carolina, Florida and the Bahama Islands, vol. 1. 1731.
Fonte da foto: Wikipedia.
19 janeiro 2014
Teste de hipótese
J. J. Thomas
A palavra ‘hipótese’ é
definida pelo Chambers Twentieth Century
Dictionary como uma “suposição; uma proposição suposta para fins de
argumento; uma teoria a ser provada ou refutada, pela referência aos fatos; uma
explicação provisória de qualquer coisa.” Nesta etapa, seremos muito menos gerais
do que esta definição e restringiremos a nossa interpretação da palavra ‘hipótese’
para indicar uma teoria sobre o valor de um parâmetro da população, tal como a
média, μ, ou sobre os valores de diversos parâmetros da população, tais como a
média, μ, e a variância, σ2. Tal enfoque pode parecer algo
restritivo, mas, na segunda parte deste texto, quando examinarmos a relação
entre variáveis econômicas, mostraremos que a metodologia desenvolvida aqui
pode ser aplicada ao teste de um número considerável de hipóteses.
Para começar,
consideraremos um problema envolvendo uma média da população. Por exemplo,
suponha-se que o comprimento de uma barra de metal produzida por um determinado
processo seja uma variável aleatória que obedece a uma distribuição normal com
um desvio padrão de 15 cm. As barras têm dois usos, para um dos quais o
processo está programado para produzir barras com um comprimento médio de μ =
150 cm, ao passo que para o outro o processo está programado para produzir
barras com um comprimento médio de μ = 160 cm. As barras produzidas pelas
máquinas programadas para um dado μ são reunidas, medidas, acondicionadas em
caixas de 25 e enviadas para o departamento de expedição, de onde são enviadas
para os seus destinos. Cada caixa tem uma etiqueta com os comprimentos das
barras e o nível de μ em que se programou o processo. Porém, o expedidor
descobre que a etiqueta de uma caixa está um pouco suja, de maneira que ele não
pode ler o valor de μ, embora julgue que pareça ser μ = 150 cm. Que deveria
fazer, sabendo que o processo é normal e o desvio padrão é 15 cm?
[...]
17 janeiro 2014
Croquis
Janez Menart
O café. A mesa. O mármore
frio,
Palpável imagem da
passagem humana.
Na taça o conhaque; bem debaixo
da borda;
Numa poça, o líquido
derramado.
O indicador é pincel, o
líquido, paleta;
Desenho preguiçosamente
uma casinha, uma árvore.
Sobre a casa o sol, em
frente um banco
E a flor que junto à flor
floresce.
E ainda uma estradinha
que vem da casa
E uma bela mulher entre
as flores.
Repentinamente chega o
garçom,
Esfregando tudo,
espalhando tudo.
Observo como leva a
bandeja,
Sacudindo, aqui e ali, o
guardanapo.
E quase com tristeza, peço:
“Moço, mais uma taça, por
favor!”
15 janeiro 2014
A evolução em perspectiva
Paul Amos Moody
Com o termo evolução, entendemos o tipo de mudança para o qual comumente usamos a palavra desenvolvimento. Falamos da evolução do Sistema Solar, da evolução da Terra, da evolução do aeroplano e da evolução do automóvel. Em tais casos, estamo-nos referindo às transformações ocorridas no Sistema Solar, na Terra, no aeroplano ou no automóvel.
A evolução pela qual este livro se interessa refere-se a uma forma especial do sentido mais amplo da expressão: a EVOLUÇÃO ORGÂNICA. Esta subdivisão da evolução trata das mudanças sofridas pelos seres vivos – plantas e animais. Para nossos propósitos, podemos definir a evolução orgânica como a teoria de que as plantas e os animais atualmente existentes são descendentes modificados de plantas e animais um tanto diferentes que viveram em tempos passados. Esses ancestrais, por sua vez, são considerados como os descendentes de predecessores diferentes deles e, assim por diante, passo a passo, de volta a um início oculto e misterioso.
Na afirmação precedente, a expressão descendentes modificados merece ênfase especial. A palavra modificados refere-se ao elemento de mudança que acabamos de mencionar como inerente à idéia completa de evolução. A palavra descendentes introduz uma idéia ausente no uso mais amplo do termo evolução. Quando falamos da evolução do automóvel, fazemos referência às transformações que ocorreram na transição da ‘carruagem sem cavalos’, de uma era passada, para os modelos atuais. Não pensamos nos automóveis mais antigos como pais ou ancestrais dos mais modernos em sentido literal. A partir da experiência adquirida com modelos mais antigos, os fabricantes de automóveis aprenderam como aperfeiçoar e modificar seus produtos, de modo que os modelos mais recentes sejam diferentes e, no total, melhores que os primeiros. Mas os modelos mais recentes não são, literalmente, descendentes dos primeiros. Por outro lado, é exatamente essa relação ancestral-descendente que é visualizada na expressão evolução orgânica. Os animais mais recentes são considerados como descendentes genéticos diretos de ancestrais um tanto diferentes que viveram outrora na Terra.
[...]
Fonte: Moody, P. A. 1975 [1970]. Introdução à evolução, 3ª edição. RJ & Brasília, LTC & Editora da UnB.
Fonte: Moody, P. A. 1975 [1970]. Introdução à evolução, 3ª edição. RJ & Brasília, LTC & Editora da UnB.
13 janeiro 2014
Nictofagia
Natália Correia
Se eu pudesse beber-te, ó
noite,
Até encontrar o teu gosto,
Ou mordendo a ponta do
açoite
Da tua treva no meu
rosto,
Achasse a planície de
lume
De que és uma aresta de
estrelas
E sonhando sem peso e
volume
Fosse um sonho de chão a
tecê-las
E na praia de um trilo
sem flauta,
Instrumento das harpas do
fundo
Duma água escorrida da
pauta
Da manhã mais antiga do
mundo,
Me estendesses, ó noite
florida
Das sementes que trazes
no punho,
Uma adolescência impelida
Pelo arco das brisas de
Junho!
Fonte: Silva, A. C. &
Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em
livro em 1958.
12 janeiro 2014
Sete anos e três meses no ar
F. Ponce de León
Neste domingo, 12/1, o Poesia contra a guerra completa sete anos e três meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 233.154 visitas foram registradas ao longo desse período.
Desde o balanço mensal anterior – Sete anos e dois meses no ar – foram
aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: D.
Kléténic, Dan Sperber, Galaktion Tabidze, Hans Keller, João Cardoso de Meneses
e Souza, Paul Éluard, Paulo Bonfim, Robert Jastrow e Theodosius Dobzhansky. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Filippo Lippi, János Thorma e Vittorio Matteo Corcos.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Filippo Lippi, János Thorma e Vittorio Matteo Corcos.
10 janeiro 2014
Era no inverno. Os grilos da Turquia
João Cardoso de Meneses e Souza
Era no inverno. Os grilos
da Turquia,
Sarapintados qual um
burro frito,
Pintavam com estólido
palito
A casa do Amaral e
Companhia.
Amassando um pedaço de
harmonia,
Cantava o ‘Kyrie’ um
lânguido cabrito,
E fumando, raivoso,
enorme pito,
Pilatos encostou-se à
gelosia.
Eis, súbito, no céu
troveja um raio;
E o pobre Ali Paxá,
fugindo à chuva,
Monta, depressa, num
cavalo baio.
Passando, aperta a mão de
um bago de uva,
E, vendo que já estava em
fins de maio,
Pávido calça de Petrarca
a luva.
08 janeiro 2014
06 janeiro 2014
Bilu
Augusto Meyer
Tu vais na cerração como o fantasma branco.
Levanta a gola – que frio!
O salgueiro se debruça para a sombra do teu vulto.
Rente do muro velho cresce a relva.
Tudo é puro como o sol vai nascer.
Verônica do amor eterno sinos sinos
da infância e a pandorga que soltavas lá no morro.
da infância e a pandorga que soltavas lá no morro.
Toda cidade acordava como um vale caiado.
Apito! as fábricas chamaram.
Clareia a névoa sobre o rio bocejo róseo.
Ladra ladra o guaipeca a bordo.
As ilhas nascem das águas:
ilhas ilhas perdidas, me chamo Robinson Crusoé,
ó ilhas, levai minhas mágoas,
ó águas, lavai minhas mágoas!
Ladra ladra o guaipeca a bordo.
As ilhas nascem das águas:
ilhas ilhas perdidas, me chamo Robinson Crusoé,
ó ilhas, levai minhas mágoas,
ó águas, lavai minhas mágoas!
Os leiteiros já passaram na rua vazia.
Olha o pão louro na vidraça como um sol.
A criadinha mulata namora o portuga.
Batem os tampos da carroça: pão!
Começa a bruxaria da luz em cada canto,
casas nascem, ruas crescem,
o morro tem sol mas tudo em torno está na sombra.
Fura a claridade a vela de um veleiro.
Balseiros se agacham para o mate matutino,
fizeram fogo na praia, mal se enxerga a chama.
Tu também estás preso na engrenagem, Bilu,
tua cabeça trabalha como um jogo de roldanas.
Vai tocando: o teu destino foi gravado na areia.
Tudo é poema, criança.
Você não sabe nada, felizmente:
saber é saber que não se sabe.
O minuano é muito mal educado.
Quem foi que ensinou as corruíras?
O veio d’água corre para o arroio...
Tudo é puro como as águas do alto-mar.
Ó terra terra
beijos polens respirações marés...
Cada gesto meu reproduz o milagre,
no pulso ouço bater a força obscura,
sou carregado na infinita adoração.
Porque eu não sei me emparedar.
Penso nas vidas que virão.
Quero o mal e quero o bem.
Quem botou esta luz irredutível nos meus olhos?
Manhã.
A estrela pálida morreu.
Manhã.
A estrela pálida morreu.
Fonte: Meyer, A. 2002. Melhores poemas de Augusto Meyer. SP,
Global. Poema publicado em livro em 1929.
04 janeiro 2014
Como nos comunicamos?
Dan Sperber
Comunicamo-nos. Nós,
seres humanos, o fazemos o tempo todo, e na maioria das vezes sem perceber.
Falamos, ouvimos, escrevemos, lemos – como você está fazendo agora – ou desenhamos,
fazemos mímica, dizemos que sim com a cabeça, apontamos, damos de ombros, e, de
alguma maneira, conseguimos que os outros entendam nossos pensamentos. É claro,
há momentos em que encaramos a comunicação como algo difícil e até impossível
de alcançar. Entretanto, comparados com outros seres vivos, somos incrivelmente
bons nisso. Outras espécies, se é que se comunicam, têm um repertório diminuto
de sinais que são usados para afirmar repetidas vezes coisas como: “Este é meu
território”, “Perigo, corra!” ou “Pronto para o sexo”.
Comunicar-se é a
tentativa de fazer com que alguém compartilhe seus pensamentos – bem, pelo
menos parte deles. Mas como podemos compartilhar pensamentos? Pensamentos não
são coisas que vivem soltas em campo aberto, não podem ser fatiados como bolos ou
usados coletivamente como ônibus. São assuntos extremamente particulares. Os
pensamentos nascem, vivem e morrem dentro de nossos cérebros. Eles nunca saem
realmente de nossas cabeças (apesar de falarmos como se saíssem, mas trata-se
de uma metáfora). A única coisa produzida por uma pessoa para que outra a veja
ou ouça é o comportamento e os vestígios que ele deixa: movimento, barulho,
gravetos quebrados, manchas de tinta etc. Essas coisas não são pensamentos,
elas não ‘contêm’ pensamentos (essa é mais uma metáfora), no entanto alguns
desses comportamentos ou rastros servem para representar pensamentos.
[...]
02 janeiro 2014
Em seu lugar
Paul Éluard
Raio de sol
entre dois límpidos diamantes
E a lua a se
fundir nos trigais obstinados
Uma imóvel
mulher tomou lugar na terra
No calor ela
se ilumina lentamente
Profundamente
como um broto e como um fruto
Nele a noite
floresce o dia amadurece.