31 maio 2014

Os filhos do rei


Évariste-Vital Luminais (1821-1896). Les fils de Clovis II [ou Les énervés de Jumièges]. 1880.

Fonte da foto: Wikipedia.

29 maio 2014

Este é o rio, a montanha é esta

Cláudio Manuel da Costa

Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.

Fonte: Costa, C. M. [1986?] Poemas de Cláudio Manuel da Costa. SP, Cultrix. Poema publicado em livro em 1768.

27 maio 2014

A realidade dos fatos históricos

Hugo Assmann

A realidade dos fatos históricos é opaca. Fazer ciência social é perfurar essa opacidade. Porém não é possível clarificá-la mediante o simples processamento dos dados informativos sobre ela. Crer que isso é possível é a grande ilusão daqueles de pretensa cientificidade que se recusam a assumir a dimensão política e o compromisso prático que a geram, como elementos determinantes do conhecimento social. Em outras palavras, se a informação conveniente é um pressuposto indispensável para uma análise correta da realidade, a quantidade da informação não assegura a qualidade dessa análise. Essa é a razão pela qual – como simulação ideológica abstrata – se pode construir o mito do fluxo inteiramente livre da informação que é a promessa, nunca cumprida, do conceito burguês da liberdade de imprensa. Na realidade dos fatos, porém, o fluxo meramente quantitativo da informação sempre está subordinado a mecanismos de orientação e de controle.
[...]

Fonte: Assmann, H. 1979. Os trilateralistas sugerem uma chave de leitura para este livro: o Terceiro Mundo como ameaça. In Assmann, H. org. A Trilateral: Nova fase do capitalismo mundial. Petrópolis, Vozes.

25 maio 2014

A dança dos despossuídos

Frederick W. Turner

Na história do Novo Mundo não há um único aspecto mais conhecido e menos compreendido do que o último e breve episódio rapidamente mencionado nas páginas precedentes. Disfarçado com nomes como ‘A conquista do Oeste’ e ‘Vaqueiros e índios’, esse golpe final da história ocidental tem a mesma popularidade na América Latina (onde as terras selvagens e os nativos ainda estão sendo afetados pelas antigas motivações) e no Quartier Latin de Paris, onde se podem comprar enormes chapéus de vaqueiro, cordas de amarrar gado e botas de vaqueiro feitas com couro sintético do Oriente. Essa popularidade se deve em parte a uma documentação vasta e variada, pois no caso do Oeste norte-americano não foram apenas exploradores, comerciantes e viajantes casuais que deixaram seus testemunhos pessoais. Nos últimos anos das terras selvagens da América do Norte houve uma legião de jornalistas (repórteres e artistas), pintores, fotógrafos itinerantes e também publicistas, antropólogos e historiadores excursionando pelo Oeste, que quase todos consideravam condenado à extinção. Eles deixaram registros consumidos por uma platéia cada vez maior. Nos Estados Unidos a platéia continua a crescer ainda hoje e continua tão crédula quanto sempre em relação a ficções sobre a vitória e os adversários derrotados. Poucos compreendem ou se importam com o fato de que esse episódio final é na realidade um retrato da civilização ocidental, tão irônico quanto trágico. Reagindo à sua desapropriação espiritual, as tribos derrotadas das Grandes Planícies recapitularam as origens daquela religião agora falida à qual os desapropriadores prestaram suas vãs homenagens, chegando a colocar as últimas vítimas nativas na igreja de uma reserva e a enterrá-las num cemitério santificado.
[...]

Fonte: Turner, F. 1990 [1980]. O espírito ocidental contra a natureza. RJ, Campus.

23 maio 2014

A valsa

Casimiro de Abreu

Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
– Não negues,
Não mintas...
– Eu vi!...

Valsavas:
– Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P’ra outro
Não eu!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
– Não negues,
Não mintas...
– Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem?!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
– Não negues,
Não mintas...
– Eu vi!...

Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
– Não negues,
Não mintas...
– Eu vi!...

Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa,
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
– Não negues,
Não mintas...
– Eu vi!...

Fonte (refrão): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo. BH, Bernardo Álvares. Poema – com a dedicatória “A M.***” – publicado em livro em 1859.

21 maio 2014

Cala os olhos, vagabundo

José Gomes Ferreira

Cala os olhos, vagabundo.

Não me digas
que há estradas no mundo
sem urtigas.

Não me contes
que nascem astros nos vales
para além dos horizontes.

Não me fales
de haver poentes
com as cores ardentes
das penas dum galo.

Não me tentes,
vagabundo.

Não quero ver o mundo.
Prefiro imaginá-lo.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1961.

19 maio 2014

Filhotes que vivem em ninhos

Cathy Kilpatrick

Os filhotes que nascem em ninhos geralmente estão protegidos de predadores, bem como do frio, pois os materiais com que se constroem os ninhos e o próprio corpo dos pais os aquecem. Encontramos no reino animal uma grande variedade de ninhos diferentes.

Quando se fala em ninhos, pensamos imediatamente nas aves; mas, encontramos muitos outros construtores de ninhos no resto do reino animal, principalmente entre os vertebrados. Já mencionamos, em capítulos anteriores, diversas espécies que fazem ninhos para os filhotes: coelhos, lontras e peixes. Entre estes, o mais conhecido e mais estudado de todos os que constroem ninhos é o esgana-gata. Há diversas espécies de esgana-gata, e todas elas fazem ninhos. Para tal, o macho utiliza algas e outras substâncias vegetais, soldando-as com uma substância viscosa produzida pelos rins. Quando termina a construção, o macho vai cortejar uma fêmea prestes a desovar, dançando em ziguezague à sua frente, empurrando-a em direção ao ninho em forma de tubo. Assim que ela desova, o macho entra no ninho e fertiliza os ovos. Expulsa a fêmea e começa a procurar outra. Nesta época, o macho tem o corpo azul na região dos olhos e vermelho no ventre. Quando já existem algumas centenas de ovos no ninho, o macho fica tomando conta deles durante todo o período de incubação, que vai de oito a doze dias; constantemente movimenta a água sobre o ninho, para renovar o oxigênio. Após nascerem os filhotes, o pai ainda toma conta deles durante os primeiros dias; depois se dispersam. Em seu primeiro ano de vida, os filhotes de esgana-gata crescem de 4 milímetros a 4 centímetros; no segundo ano atingem o tamanho adulto, cerca de 6 centímetros.
[...]

Fonte: Kilpatrick, C. 1978. O mundo maravilhoso dos filhotes. RJ, Ao Livro Técnico.

17 maio 2014

As bandeiras


Léon Cogniet (1794-1880). Les drapeaux [ou Scène de juillet 1830]. 1830.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 maio 2014

Devaneios

August Liesch

Há horas e dias
que te enchem de melancolia,
histórias que julgavas esquecidas
e que não te deixam mais.

Histórias esquecidas!
No fundo não é assim,
as lágrimas te caem dos olhos
e não sabes por quê.

Uma nuvem no céu,
uma sombra na estrada,
um canto na entrada da vila,
perdida e abandonada:

Quantas vezes já tudo isso
se fixou no teu olhar,
sem contudo jamais
tocar-te o coração.

Num país estrangeiro e longínquo,
uma bela estrangeira desconhecida,
um olhar brilhante que cintila
no canto de um olho sonhador...

Isso não te diz respeito,
não te enfadas
e, contudo, parece que não poderás jamais
esquecer esse instante de felicidade.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM.

13 maio 2014

O clube das chocólatras

Carole Matthews

1.
– Quero mais – disse eu.
– Tem certeza? – indagou meu fornecedor, arqueando as sobrancelhas.
– Sei qual é o meu limite.
– Mas está exagerando na dose – avisou ele. – Até mesmo você, viciada convicta.
– Jamais!
Nos momentos de crise, eu sempre recorria à minha droga favorita, o Madagascar, oriundo de uma única plantação. Não existia nada, absolutamente nada, que ele não curasse. Era um santo remédio para qualquer coisa, de coração partido a dor de cabeça, e garanto que já tivera de enfrentar uma boa dos de ambos os problemas.
– Pode ir passando. – Acenei com a cabeça, solenemente, e meu fornecedor me deu a droga, levando-me a suspirar de alívio. Chocolate. Hum. Hum. Humm! Delicioso, cremoso, adocicado, tudo de bom! Eu sempre queria mais!
[...]

Fonte: Matthews, C. 2008. O clube das chocólatras. RJ, Bertrand.

12 maio 2014

Noventa e um meses no ar

F. Ponce de León

Nesta segunda-feira, 12/5, o Poesia contra a guerra completou noventa e um meses no ar. Ao longo desse período, o contador instalado no blogue registrou 243.347 visitas.

Desde o balanço anterior – Sete anos e meio no ar – foram aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: Alexander Pushkin, Henrique Castriciano, José Paulo Paes, Luigi Moscatelli, Penny J. Gullan, Peter S. Cranston e Robin Baker. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Ilya Repin, Paul Chabas e Vasily Vereshchagin.

10 maio 2014

A garrafa

José Paulo Paes

Contigo adquiro a astúcia
de conter e de conter-me.
Teu estreito gargalo
é uma lição de angústia.

Por translúcida pões
o dentro fora e o fora dentro
para que a forma se cumpra
e o espaço ressoe.

Até que, farta da constante
prisão da forma, saltes
da mão para o chão

e te estilhaces, suicida,
numa explosão
de diamantes.

Fonte: Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 1992.

08 maio 2014

Manhã de setembro


Paul Chabas (1869-1937). Matinée de septembre. 1912. 

Fonte da foto: The Metropolitan Museum of Art.

07 maio 2014

Chama-se o ladrão

Luigi Moscatelli

A verdade de um criminoso comum, um pé-de-chinelo qualquer, não é encontrada tecnológica e cientificamente segundo o modelo de Sherlock Holmes, isto é, na procura obsessiva de todos os elementos causais detonadores do crime. Ela estará sempre presente nos signos que ele assimila, possui e transmite: cor de pele, tipo de roupa, tipo de trabalho, moradia, relações familiares, antecedentes, atitudes, raciocínio, maneira de falar, locais que freqüenta. Pinçá-los na rede da justiça através das mãos de um policial não significa extirpar um mal, significa enviar ao seu meio de origem a seguinte mensagem: cuidado, permaneçam obedientes, estamos sempre vigilantes! Sabendo-se que este meio é um caldeirão da criminalidade a alimentar todos os focos de transgressões, uma outra mensagem é enviada a segmentos sociais economicamente superiores: nossa ação é imprescindível, violenta e desumana por vezes, porém necessária; vejam que espécie de seres nos cercam; somos o vosso amparo.
[...]

Para que estas mensagens sejam válidas, será sempre necessária a produção de um transgressor que as justifique. A partir daí, serão elaboradas extensas batidas policiais contra prostitutas, desocupadas, vagabundos, mendigos, viciados em maconha; tomam-se de assalto favelas, espalhafatosamente atira-se a esmo, ferindo e matando ao acaso. Pouco importa. Sempre serão “criminosos em potencial, gente de segunda categoria, ralé”.
[...]

Fonte: Moscatelli, L. 1982. Política da repressão: Força e poder de uma justiça de classe. RJ, Achiamé & SOCII.

05 maio 2014

Toada de negros em Cuba

Federico García Lorca

Quando chegar a lua cheia, irei a Santiago de Cuba,
Irei a Santiago.
Num carro de água negra
Irei a Santiago.
Cantarão os tetos de palmeira.
Irei a Santiago.
Quando a palma quer ser cegonha,
Irei a Santiago.
Quando quer ser medusa a bananeira,
Irei a Santiago,
Irei a Santiago.
Com a ruiva cabeça do Fonseca,
Irei a Santiago.
E com a rosa de Romeu e Julieta,
Irei a Santiago.
Oh Cuba! Oh ritmo de sementes secas!
Irei a Santiago.
Oh cintura quente e gota de madeira!
Irei a Santiago.
Harpa de troncos vivos. Caimão. Flor de tabaco.
Irei a Santiago.
Sempre tenho dito que irei a Santiago
Num carro de água negra.
Irei a Santiago.
Meu coral na treva,
Irei a Santiago.
O mar afogado na areia,
Irei a Santiago.
Calor branco, fruta morta,
Irei a Santiago.
Oh bovino odor de canavieiras!
Oh Cuba! Oh curva de suspiro e barro!
Irei a Santiago.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema – com a dedicatória ‘A don Fernando Ortiz’ – publicado em 1930 (em livro, em 1955).

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