A história da humanidade se confunde com a história das guerras. Deveríamos lutar para que se confundisse apenas com a história da literatura.
27 fevereiro 2011
Convalescença
Roberto Schwarz
Hoje cedo saí para o jardim um pouco de sol, brisa na penugem do antebraço estou barrigudo como na infância por causa da perna quebrada cadeiras de lona amarela e vermelha a poucos passos do portão em surdina ligeira passa a felicidade pela minhas pernas trêmulas e o súbito, embargado soluçante desejo de viver os automóveis parados dos dois lados da rua o céu coberto a despeito de tudo a beleza quantos amigos presos visto um casaco
Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª edição. RJ, Aeroplano.
Na hora de dormir, eu sou que nem a luz do quarto: fico brincando, não canso, brincando... A luz brilhando, no alto, brilhando... Aí... meu pai me chama, me leva pra cama, me faz um afago. Clic, ele apaga a luz. E clic, eu também apago.
Fonte: edição No. 220 (janeiro/fevereiro de 2011) da revista Ciência Hoje das Crianças. Poema publicado em livro em 1996.
Um manual de bioquímica, muito usado no começo deste século, tinha uma famosa passagem sobre a memória do óleo de linhaça. A exposição à luz faz com que o óleo se torne grumoso. Uma exposição curta pode não provocar qualquer mudança visível. Mas numa iluminação posterior o óleo se transformará mais rapidamente do que aconteceria se nunca tivesse sido exposto à luz. O óleo se recorda de sua experiência anterior e se comporta de forma diferente por causa disso. Sua memória consiste no fato de que a luz produz, entre outras coisas, substâncias que auxiliam as oxidações induzidas pela luz que o tornam grumoso.
Por mais longe que isso possa estar da lembrança do discurso de Gettysburg, essa experiência indica claramente uma das formas pelas quais a memória trabalha – por meio de traços materiais do passado – e a dificuldade de definir o que é memória. Realmente, o comportamento do óleo e o do ser humano que memoriza o discurso de Gettysburg são apenas extremos de um espectro desse comportamento na natureza. Entre esses extremos praticamente não há solução de continuidade, e qualquer conceito que defina a memória de uma forma muito menos ampla do que ‘a modificação do comportamento pela experiência’ dificilmente será adequado. A consciência, por exemplo, não é necessária para a memória, pois o homem pode lembrar, e relatar sob hipnose, inúmeros detalhes que sua consciência nunca percebeu.
Onde, então, podemos marcar a fronteira? Um seixo, polido pela corrente, rola diversamente da pedra angular original. A experiência, neste caso, modificou o comportamento; o passado armazenou-se sob a forma de uma estrutura modificada. Ainda assim, isso não nos interessa muito como exemplo de memória. Talvez devêssemos restringir a noção de memória a modificações em sistemas que participam ativamente em provocar a mudança. Então o óleo de linhaça ‘memoriza’, bem como o músculo da perna de uma bailarina. Será que um embrião em desenvolvimento ‘se lembra’ dos passos principais, e principais enganos, na longa evolução das espécies? Será que as árvores ‘se lembram’ das boas e más estações através da espessura de seus anéis? Será um filme uma memória de luz em substâncias químicas e uma fita de gravação uma memória de som em magnetismo? Será uma biblioteca uma memória de pensamentos em livros e um cérebro uma memória de pensamentos em protoplasma? Mesmo identificar a memória, sem falar em explicá-la, não é tarefa simples. [...]
Oh! I have slipped the surly bonds of Earth And danced the skies on laughter-silvered wings; Sunward I’ve climbed, and joined the tumbling mirth Of sun-split clouds, – and done a hundred things You have not dreamed of – wheeled and soared and swung High in the sunlit silence. Hov’ring there, I’ve chased the shouting wind along, and flung My eager craft through footless halls of air…
Up, up the long, delirious, burning blue I’ve topped the windswept heights with easy grace Where never lark or even eagle flew – And, while with silent, lifting mind I’ve trod The high untrespassed sanctity of space, Put out my hand, and touched the face of God.
Fonte: VHS do filme Um homem sem rosto (The man without a face, 1993). Versão parcial em português aparece em Ashcroft, F. 2001. A vida no limite. RJ, Jorge Zahar. Versão original foi escrita em 1941.
Nunca um jovem, Lançado ao desespero Ruborizado por aquelas entusiasmadas e doces palavras Ditas ao seu ouvido, a amará por você mesma E não por seus cabelos loiros.
Mas posso, com uma tintura para cabelos, Torná-los castanhos, pretos ou ruivos. Esse jovem desesperado Pode amar-me só a mim E não aos meus cabelos loiros
Ouvi um velho religioso declarar Ontem à noite Que havia descoberto um texto que provava que só Deus, minha querida, Poderia amar só a você E não os seus cabelos loiros.
Fonte: Bronowski, J. 1985 [1978]. As origens do conhecimento e da imaginação. Brasília, Editora UnB. Poema publicado em livro em 1933.
Antigos escritores observaram que as florestas sempre retrocedem à medida que as civilizações se desenvolvem e crescem. O grande poeta romano Ovídio, por exemplo, escreveu que durante a ‘Idade do Ouro’, antes da origem da civilização, “até mesmo o pinheiro se elevava em sua própria montanha”; mas quando chegou a Idade do Ferro, “o carvalho da montanha e o pinheiro foram derrubados”. Isso ocorreu por uma razão simples: as árvores foram o principal combustível e material de construção de quase todas as sociedades por mais de cinco mil anos, desde a Idade do Bronze até meados do século 19. Até essa data, as árvores ainda cumpriam essas funções para a maioria das pessoas que habitavam o planeta. Sem amplos suprimentos da madeira extraída nas florestas, as grandes civilizações da Suméria, Assíria, Egito, China, Cnossos, Micenas, Grécia clássica e Roma, Leste Europeu e América do Norte nunca teriam surgido. A madeira, na verdade, é o herói não reconhecido da revolução tecnológica que nos impulsionou da cultura da pedra e do osso para a nossa época presente. [...]
Fonte: Perlin, J. 1992 [1989]. História das florestas. RJ, Imago.
Neste sábado, 12/2, o Poesia contra a guerra completa quatro anos e quatro meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 119.396 visitas haviam sido registradas nesse período.
Desde o balanço mensal anterior – Quatro anos e três meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Andrew C. Clark, António Cabrita, Augustine Brannigan, Dalton Gonçalves, Daniel L. Hartl, Khalil Gibran, Nick Arnold, René Thom e Rodrigo Otávio. Além de outros autores que já haviam sido publicados antes.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes pintores: Chafik Charobim, Francisco Oller e Jean-Léon Gérôme.
1. Você não precisa cuidar dos seus globos oculares! Seu corpo faz isso por você.
2. Os globos oculares vêm completos, com seu sistema de lavagem e de limpadores de pára-brisa – mais conhecido como ‘choro’.
3. Por sorte, você não precisa estar triste para chorar. Você pode produzir lágrimas quando estiver doente, tossindo ou quando algo entrar em seu olho – ou, o que é melhor, quando estiver rindo!
4. As lágrimas também lavam seu globo ocular quando você pisca. Cada piscada dura 0,3-0,4 segundo. Isso corresponde a meia hora por dia, ou cinco anos da sua vida. Que perda de tempo!
5. As lágrimas que você não usa secam nos tubos de drenagem que vão dos cantos dos seus olhos até o nariz. Essas lágrimas secas forma a remela que você tira dos olhos pela manhã (ou, pelo menos, deveria tirar!).
6. Cada um dos seus olhos é protegido por cerca de duzentos cílios. Cada cílio dura de três a cinco meses, depois cai e é substituído por outro.
7. Bichinhos pequeníssimos vivem na base dos seus cílios. Eles têm oito pernas e se parecem com jacarés. Mas não se preocupe, eles não fazem nenhum mal. Na verdade, eles lhe fazem bem, comendo micróbios potencialmente perigosos.
8. Se, apesar de todo esse cuidado e atenção, seus olhos não enxergarem bem, talvez você precise de óculos.
Fonte: Arnold, N. 1997. Sangue, ossos e pedacinhos. SP, Melhoramentos.
Podemos fazer o estudo da ótica geométrica, sem fazer qualquer hipótese sobre a natureza da luz, a partir de cinco princípios.
Podemos, também, partir de um único principio: ou o de Huyghens, ou o de Fermat, ou, ainda, o de Malus.
Achamos que o estudo feito a partir de cinco princípios é mais acessível a principiantes. Daí o preferirmos neste livro.
Primeiro princípio
Nos meios homogêneos e isótropos a luz se propaga em linha reta em todas as direções e sentidos.
Segundo princípio
Os raios de um feixe luminoso são independentes.
Terceiro princípio
Quando um raio luminoso encontra a superfície de separação de dois meios diferentes ele se reflete obedecendo a duas leis conhecidas como leis de Descartes-Snell sobre a reflexão:
1ª lei. O raio incidente, o raio refletido e a normal à superfície, no ponto de incidência, estão no mesmo plano.
2ª lei. O ângulo de incidência é igual ao ângulo de reflexão.
Quarto princípio
Quando um raio luminoso encontra a superfície de separação de dois meios e se refrata, ele obedece a duas leis denominadas leis de Descartes-Snell sobre a refração:
1ª lei. O raio incidente, o raio refratado e a normal à superfície no ponto de incidência estão no mesmo plano.
2ª lei. Para cada luz monocromática e para um mesmo par de meios, há uma relação constante entre o seno do ângulo de incidência e o seno do ângulo de refração.
Quinto princípio
O trajeto de um raio luminoso não se modifica quando permutamos as posições da fonte e do observador.
Fonte: Gonçalves, D. 1974 [1964]. Física: do científico e do vestibular, vol. 4. RJ, Ao Livro Técnico.
nunca mais falar depressa por cima das ondas mas demorar no verde fundo terrível, maior – nunca mais senão devagar, de cabeça morder cada sílaba neste processo em que vais ficar máquina dura e por certo mais fatal, mortífera e pesada e longa em cada recesso, mais comprovada em cada perda de fôlego, que já falta, que estás tão verdadeiro, já negro, está tudo assim mas talvez fosse melhor como era antes, menos real, mas carregado de todas as mantas carregado e tão leve, pesado agora, real, mas carregado de todas as manias antes mar
Fonte: Wanderley, J. 2001. Antologia poética. SP, Ateliê Editorial. Poema publicado em livro em 1987.
Toma as espadas rútilas, guerreiro, E à rutilância das espadas, toma A adaga de aço, o gládio de aço, e doma Meu coração – estranho carniceiro!
Não podes?! Chama então presto o primeiro E o mais possante gladiador de Roma. E qual mais pronto, e qual mais presto assoma, Nenhum pode domar o prisioneiro.
Meu coração triunfava nas arenas. Veio depois um domador de hienas E outro mais, e, por fim, veio um atleta,
Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem... E não pôde domá-lo, enfim, ninguém, Que ninguém doma um coração de poeta!
Fonte: Anjos, A. 2004. Eu e outras poesias, 46ª edição. RJ, Bertrand. A primeira edição do livro foi publicada em 1912.