31 outubro 2023

Tarde em Toulon


João Batista [Giovanni Battista Felice] Castagneto (1851-1900). Tarde em Toulon. 1893.

Fonte da foto: Wikipedia.

28 outubro 2023

Politização na ciência

Joseph Haberer

Para a ciência a idade da inocência acabou. Essa inocência de que J. Robert Oppenheimer falou na sua famosa, embora um tanto enigmática, observação de que “os cientistas tomaram contato com o pecado” (Oppenheimer, 1955) começou a desintegrar-se algumas décadas antes da cegueira fascinada em Alamogordo por plenamente a claro que o fato de que o conhecimento produzido pelos cientistas continha dentro de si as sementes dum poder atemorizador. A realização do ideal baconiano de ciência assentava na noção de que o conhecimento é poder – poder sobre a natureza a ser usado para a melhoria da condição humana. Ironicamente o modelo baconiano atingiu a sua plena expressão pela primeira vez no Projeto Manhattan, nesse impressionante conjunto de cientistas e engenheiros cujos esforços culminaram na destruição de duas cidades. O otimismo arrogante dos fundadores da ciência moderna ameaça transformar os seus sonhos em pesadelos.

Fonte: Deus, J. D., org. 1979. A crítica da ciência, 2ª ed. RJ, Zahar. Extraído de texto originalmente publicado em 1972.

26 outubro 2023

Salpicar de estrelas o céu da tua boca

José Jorge Letria

Salpicar de estrelas o céu da tua boca
e ter-te branca e oblíqua na cama astral do meu desejo;
ser com vagar de artífice tudo o que quiseres que eu seja
ou apenas coisa nenhuma, tecelão de lumes
embasbacado à porta do teu corpo, entrelaçando os dedos
num desespero de vinho, numa sofreguidão de beijos;
deixar-me aprisionar pelas tenazes da noite, pelos
cárceres de um segredo irrevelado e por último
ser capaz de tudo o que julguei impossível; matar-me
com precisão de ave da ponte mais alta dos dias
em voo que me leve ao fundo do mistério das águas;
confundir-me contigo, romântico dos românticos,
como se entrasse no espelho da perdição total
com caligrafia de sonho e perfil de amante.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1989.

24 outubro 2023

O sionismo pariu um estado racista, paranoico, cínico e beligerante

Felipe A. P. L. Costa [*].

1. JORNALISMO DA FALSIFICAÇÃO.

Não são poucos os jornalistas profissionais que agem de modo criminoso. No momento, mais especificamente, estou a pensar nas atrocidades que alguns deles estão a divulgar a respeito do que se passa na Faixa de Gaza (ver aqui, aqui e aqui).

Por trás do que é dito a respeito da ação israelense em Gaza, há o mundo dos negócios. De sorte que os fatos não podem vir a público em estado bruto. É necessário amenizá-los; é necessário dourar a pílula; no fim das contas, é necessário turvar as coisas e confundir a opinião pública.

No plano ideológico, muitas das barbeiragens que a imprensa brasileira cria ou deixa passar a respeito dos massacres ora em curso na Palestina estão assentadas na ideia de que sionismo e semitismo significam a mesma coisa. E isso simplesmente não é verdade – a rigor, há um abismo entre os dois termos.

A confusão é antiga, mas continua a ser explorada por muita gente. No cômputo final, ao menos dois fatores contribuem para a falta de discernimento por parte do público, a saber: (1) O trabalho de propaganda promovido diuturnamente por grupos sionistas mal-intencionados; e (2) O baixo apreço que muitos de nós temos pelo senso crítico e pelo rigor analítico. (Exemplos de como essas duas virtudes são capazes de iluminar a discussão podem ser vistos aqui e aqui.)

Neste artigo, tento distinguir sionismo e semitismo. Falo ainda sobre antissemitismo. E falo sobre as práticas de purificação racial que estão a ser defendidas por autoridades israelenses.

2. O QUE É SEMITISMO?

A palavra semitismo deriva de semita, termo que Ferreira (2009, p. 1826; grafia original) caracteriza da seguinte maneira:

semita. [Do antr. Sem, de uma personagem bíblica + –ita.] 1. Indivíduo dos semitas, família etnográfica e linguística, originária da Ásia ocidental, e que compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios, os árabes.

Como se vê, o termo abrange povos e tradições culturais variadas. Dito de outro modo, quando alguém se refere ao semitismo está a fazer alusão a alguma coisa que é típica ou pode estar presente na cultura de vários povos. (Somados, os povos semitas reúnem hoje um efetivo populacional que gira em torno de 500 milhões de indivíduos, o equivalente a pouco mais de 6% da população mundial.)

3. O QUE É SIONISMO?

O termo sionismo, por sua vez, pode ser definido da seguinte maneira (Ferreira 2009, p. 1855; grafia original):

sionismo. [Do top. Sion, denominação judaica de Jerusalém, onde há um monte com esse nome, + –ismo.] 2. Movimento político e religioso judaico iniciado no séc. XIX, que visava ao restabelecimento, na Palestina, de um Estado judaico, e que se tornou vitorioso em maio de 1948, quando foi proclamado o Estado de Israel.

Como se vê, diferentemente de semita, um termo guarda-chuva que designa mais de 6% da população mundial, o termo sionista designa uma afiliação ideológica, uma corrente política.

A relação possível entre os dois termos poderia seguir pelo seguinte caminho: A partir de meados do século XIX, alguns semitas (judeus, em particular) passaram a defender a criação de um estado nacional que pudesse reunir e abrigar os hebreus (judeus) [1]. Um estado soberano onde a vida social seria definida e regulada pelos princípios do judaísmo ou, mais especificamente, da religião judaica.

Cabe aqui esclarecer o significado de judaísmo. Nas palavras de Ferreira (2009, p. 1160):

judaísmo. [Do lat. tard. judaismu.] 1. Ambiente social, cultural, político e religioso do povo hebreu, formado a partir da volta do exílio babilônico (538 aC), e no qual se formou o cristianismo.

O termo judeu, portanto, não se restringe apenas e tão somente aos adeptos de uma religião. (Muitos judeus não são religiosos.)

4. O QUE É ANTISSEMITISMO?

Acrescida do prefixo anti–, a palavra semitismo dá origem ao termo antissemitismo. Note que o prefixo é usado com o sentido de ‘contra’, ‘oposição’ ou ‘de encontro a’.

Estamos a falar agora de uma ideologia ou de práticas políticas que são contrárias aos semitas (árabes, hebreus, aramaicos etc.). Trata-se de uma ideologia preconceituosa, visto que detrata, persegue ou ataca os semitas pelo simples fato de eles serem semitas. Trata-se de mais um exemplo daquilo que genericamente rotulamos de racismo [2].

4.1. O antissemitismo surgiu na Europa.

A intolerância, o preconceito e, mais recentemente, a perseguição sistemática aos semitas não surgiram no Oriente Médio ou na África.

O antissemitismo surgiu na Europa. Curiosamente, porém, um dos países do mundo onde o antissemitismo é mais pulsante hoje em dia é justamente Israel – ver, e.g., o artigo “Somos um povo melhor que os árabes”, de Sayed Kasua, publicado neste GGN, em 4/12/2017 [3].

Os ideólogos do sionismo, no entanto, não se cansam de inverter o tabuleiro. Veja: A placa onde se lê ANTISSEMITISMO está sempre por perto e as autoridades israelenses não perdem a oportunidade de erguê-la. Qualquer que seja o tema ou o tom do debate, todo e qualquer crítico que caia na besteira de dizer que o governo israelense não é a perfeição encarnada corre o sério risco de ser rotulado de antissemita. E não é só isso. Além de rotulado, a depender do contexto, o sujeito se converte em alvo e passa a ser perseguido. Nesses casos, o mínimo que se exige é que o sujeito perca o emprego e caia no ostracismo. E assim tem sido...

É mais do que paranoia: É uma política ardilosa, um modo de se manter livre das amarras ou dos freios civilizatórios. O pior é que essa postura paranoica funciona no plano político: Enquanto alguns críticos se cansam dessa ladainha e terminam abandonando a discussão, outros logo se calam. Não são raros também os casos daqueles que passam a defender o sionismo por conveniência profissional.

Essa política insidiosa também funciona no plano institucional. Pare, pense e pesquise: sempre no papel de vítima do antissemitismo, quantas determinações da ONU o governo de Israel se viu obrigado a acatar desde a sua criação, 75 anos atrás?

5. ATERRORIZAR, EXPULSAR, OCUPAR.

Na verdade, os governantes israelenses são profundamente antissemitas. Pare, pense e pesquise mais uma vez: declarações racistas contra os palestinos (e árabes em geral) aparecem na mídia todos os dias. Ocorre que o antissemitismo não se restringe às declarações midiáticas. O antissemitismo vagueia pelas ruas de Israel.

Estabelecido formalmente em maio de 1948, o estado de Israel traz consigo as marcas dos seus pecados originais. A pilhagem de terras é um dos mais óbvios. Basta ver como o território israelense só fez crescer desde a sua criação formal. Os territórios ocupados pelos palestinos (e.g., Gaza e Cisjordânia), em compensação, só fizeram encolher.

O que se passa hoje em Gaza, aliás, seria mais um passo em direção à solução final. O protocolo é conhecido e já foi usado em outras ocasiões: (i) Expulsar os moradores locais (e.g., aterrorizando-os ou destruindo a infraestrutura e inibindo as chances de que se estabeleça uma sociedade local minimamente sustentável); e (ii) Tomar para si o território abandonado, estimulando a ocupação por colonos vindos de fora.

A ida de colonos para Israel é um capítulo particularmente tenebroso nessa história. Um capítulo pouco ou nada discutido. No entanto, ao menos dois aspectos deveriam merecer alguma atenção por parte da imprensa brasileira. Primeiro. Para ganhar um pedaço de terra roubada e ser aceito como colono, não é necessário que o sujeito se reconheça como judeu, muito menos que seja adepto da religião judaica. Evidentemente, porém, nem todos são bem-vindos. O critério decisivo é outro: É necessário que o candidato venha do lugar certo, ou melhor, é necessário que ele tenha os genes certos [4].

6. EUGENIA AO ESTILO ISRAELENSE.

Em termos estritamente biológicos, podemos olhar para os árabes, os hebreus e os aramaicos como linhagens (ou complexos de linhagens) filogeneticamente próximas. Mas não são linhagens isoladas e evolutivamente independentes. Além da proximidade geográfica e de certos traços culturais comuns, basta ver que eles ainda são bem parecidos fisicamente.

Proximidade cultural e semelhança física das quais os governantes israelenses há muito decidiram se afastar. E isso passou a ser adotado como uma política de estado. De fato, as políticas adotadas tendem a mudar (e esse processo já está em curso) a composição genética da população israelense. O jeito brando de fazer isso é por meio do controle da imigração – e.g., os fenótipos de interesse, notadamente gente de pele clara (e.g., russos e ucranianos – ver aqui), são estimulados a se fixar e a se misturar com a população local (a despeito de o migrante ser ou não judeu). É um processo seletivo, não muito diferente do modo como granjeiros e pecuaristas escolhem os reprodutores que darão origem à próxima geração dos seus plantéis.

No outro extremo do espectro, os governantes inibem ou proíbem os casamentos envolvendo migrantes portadores de fenótipos indesejados (e.g., chineses e africanos). Dois exemplos. Na chegada ao país, a depender do lugar de origem, os operários recrutados devem antes assinar um termo de compromisso por meio do qual tomam ciência de que são proibidos de manter relações sexuais com mulheres israelenses, mesmo com as prostitutas (ver aqui). Ainda nesse contexto, pode acontecer de os trabalhadores estrangeiros serem expulsos sob a alegação de que a presença deles no país passou a representar uma ameaça à manutenção de Israel como um “estado democrático e judeu” (para uma declaração recente, ver aqui).

A pergunta que se impõe é: De onde veio a inspiração para normas tão meticulosas e rígidas? De algum livro sagrado, de algum artigo de genética da era stalinista ou de algum manual nazista?

7. CODA.

Assentada na pilhagem de terras palestinas e em uma montanha de cadáveres, a sociedade israelense é governada hoje por aquele que talvez seja o estado mais racista, mais paranoico, mais cínico e mais beligerante do mundo.

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NOTAS.

[*] Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os quatro livros anteriores do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir algum volume específico ou para mais informações sobre as obras, faça contato com o autor pelo endereço felipeaplcosta@gmail.com. Para conhecer outros artigos ou obter amostras dos livros anteriores, ver aqui.

[1] Três das caracterizações encontradas no Aurélio (2009, p. 1160) são as seguintes: “judeu. [Do lat. judaeu < gr. ioudaîos < hebr. Iehudi, ‘descendente de Iehudá’, < antr. hebr. Iehudá, um dos doze filhos de Israel; tribo desse filho que deu origem ao reino de Judá.] 4. O natural ou habitante da Judeia. 5. Aquele que segue a religião judaica. 6. Indivíduo que pertence ao povo, à comunidade dos judeus; israelita.”

[2] O racismo já estaria presente em grupos humanos desde os primórdios. Há até mesmo quem defenda a ideia de que, em maior ou menor grau, a xenofobia seja um traço inerente ao animal humano. Isso, no entanto, ajudaria a entender tão somente a origem da xenofobia – digo: naturalizar a intolerância diante de estrangeiros não abonaria nem justificaria a sua manifestação nos dias de hoje.

[3] Humilhações, roubos, torturas e assassinatos fazem parte do dia a dia dos palestinos. Os responsáveis diretos por esses crimes incluem soldados, mas também civis, em especial os colonos vindos de fora e que são alocados em terras roubadas. Por que isso acontece? Por que o governo incentiva. A motivação última do governo é econômica e política. No plano imediato (ideológico), porém, é necessário ocultar e mentir. Afinal, seria um tanto constrangedor para os patrocinadores justificar o apoio que dão ao governo de Israel alegando que os israelenses estão a roubar as terras dos palestinos. Por isso, é necessário criar alguns dragões, como os grupos terroristas. Dia após dia, noite após noite, as autoridades israelenses trabalham para fixar uma estrela vermelha no peito dos palestinos. Propagam ódio e perseguição. E a propaganda funciona: aos olhos de parcelas expressivas da população israelense, todo e qualquer palestino (incluindo crianças e bebes de colo) é visto hoje como uma ameaça, um bárbaro, um assassino em potencial.

[4] Diferenciar judeus de não judeus foi, desde sempre, um problema, assim como ocorre com outras coletividades igualmente plásticas e fluídas, como raça e espécie (ver, e.g., Costa 2019). Ainda hoje não há uma definição consensual, nem mesmo em Israel. Há quem defenda a autodeclaração, mas há também quem defenda uma solução ‘científica’, envolvendo a busca e a identificação de ‘genes judeus’ (ver, e.g., Falk [2015] e Kohler [2023]). Tudo isso me soa muito mal, mas não creio que a imprensa brasileira tenha interesse ou sequer competência técnica para colocar o dedo nesse circo de horrores.

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REFERÊNCIAS CITADAS.

++ Costa, FAPL. 2019. O que é darwinismo. Viçosa, Edição do Autor.
++ Falk, R. 2015. Genetic markers cannot determine Jewish descent. Frontiers in Genetics 5: 462.
++ Ferreira, ABH. 2009. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 4ª ed. Curitiba, Positivo.
++ Kohler, NS. 2023. What are Jews: interrogating genetic studies and the reification of race. Journal of Anthropological Sciences 101: 185-99.

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23 outubro 2023

A pesca


Domingo Garcia y Vásquez (1859-1912). A pesca. 1883.

Foto da foto: Wikipedia.

21 outubro 2023

A gota de chuva

Robert Wallace

A gota de chuva que atingiu John Sincock na testa veio de muito longe, de 3.000 km ou mais, cruzando o Pacífico Norte, desde a região de San Francisco. Inicialmente, não era uma gota de chuva, mas um vapor invisível e quente, como a respiração de uma criança sussurrando no ouvido de sua mãe. Mas ao atingir John Sincock já se tornara líquida, desenvolvia uma velocidade de 50 ou 60 km/h e atingiu-o uns 2 cm acima do olho direito.

A gota jamais o acertaria se não fosse por uma série de coincidências. Se John Sincock não fosse biólogo de vida selvagem; se não estivesse pesquisando aves de indizível raridade; se os ventos alísios não estivessem soprando com vigor; se a topografia da ilha de Kauai não fosse exatamente como é; se o seu trabalho não o tivesse levado ao topo do monte Waialeale; se... Mas a gota atingiu-o de fato; portanto, em vez de nos preocuparmos com o que poderia ter ocorrido, vale mais a pena avaliar como a gota voou com tanta precisão por toda essa distância e acertou bem em sua testa.

Fonte: Wallace, R. 1983. Havaí. RJ, Cidade Cultural.

19 outubro 2023

Agricultura itinerante

Herbert Otto Roger Shubart

Em todo o trópico úmido pratica-se a agricultura itinerante como forma de produção de alimentos básicos para a subsistência. Na Amazônia, a agricultura itinerante constitui uma tradição milenar da maioria das populações indígenas, e foi assimilada pelas populações caboclas surgidas durante o processo de colonização da região.

Esta forma de cultivo é caracterizada pela derrubada da floresta, queima dos resíduos vegetais e plantio durante 3 a 4 anos, quando então a produtividade do cultivo torna-se tão baixa que já não compensa o esforço de limpeza do roçado, e a área é abandonada. O processo é então reiniciado em outro lugar. Eventualmente, uma área abandonada pode ser utilizada após 10 ou mais anos de pousio sob vegetação secundária (capoeira).

Fonte: Shubart, H. O. R. 1983. Ecologia e utilização das florestas. In: Salati, E. & mais 3, orgs. Amazônia: desenvolvimento, integração e ecologia. SP, Brasiliense & CNPq.

17 outubro 2023

Uma metrópole prematura

Nirmal Kumar Bose

Das 250 cidades que têm mais de 500.000 habitantes, aproximadamente a metade encontra-se nos países em desenvolvimento. São cidades que podem ser consideradas anacrônicas: surgiram em nações ainda de economia essencialmente agrícola, antes da revolução industrial que, supões-se, condiciona e justifica a metrópole [...]. Uma dessas cidades é Calcutá, o maior centro urbano da Índia. O distrito metropolitano de Calcutá abriga aproximadamente sete milhões de pessoas em 400 milhas quadradas. Calcutá não é apenas um grande porto e um centro cada vez mais diversificado de manufatura; é, também, a capital cultural do idioma bengali falado pela gente da Índia Oriental. Sua população cosmopolita abrange trabalhadores especializados Sikh do Punjab, comerciantes de Rajasthan e Gujarat da Índia Ocidental, altos funcionários públicos de Kerala e Madras da região Sul e carregadores de estados vizinhos; sua população inclui também muçulmanos nativos bengalis e a predominante população hindu bengali (cujo número foi inflacionado pelo influxo de 700.000 refugiados do Paquistão Oriental desde 1947). Calcutá é, assim, o cenário de um grande confronto entre as instituições tradicionais da Velha Índia – sua comunidade de castas e diversidade étnica – e as pressões de novos valores que surgem do processo de urbanização que pressagia sua revolução industrial. O que ocorreu em Calcutá determinará o caráter e a duração dessa revolução em todo o país. O mesmo pode ser dito acerca do papel a ser desempenhado pelas metrópoles de todos os outros países em desenvolvimento.

Fonte: Bose, N. K. 1977 [1967]. In: Vários. Cidades: A urbanização da humanidade. RJ, Zahar.

15 outubro 2023

Por que tu te ajoelhas diante de mim?

F. Ponce de León

Fico com a tua água.
Fico com a tua comida.
Fico com a tua esposa.

Mas eu não roubo.
Mas eu não bato.
Mas eu não mando.

A terra é tua e tu és um homem livre.
E como tal me entregas a colheita.
E como tal te ajoelhas diante de mim.

14 outubro 2023

O prateiro


Thomas Georg Driendl (1849-1916). O prateiro. 1892.

Fonte da foto: Wikipedia.

12 outubro 2023

Aniversário de 17 anos

F. Ponce de León

Nesta quinta-feira, 12/10, o Poesia contra a guerra completa 17 anos no ar (2006-2023). (Aniversário de 16 anos: aqui.)

11 outubro 2023

As antropologias

Ralph Linton

As duas grandes divisões da antropologia que lidam, respetivamente, com o homem e com as suas obras são conhecidas como antropologia física e antropologia cultural. Esta divisão remonta aos primórdios da antropologia e cada ramo desta ciência seguiu sua própria linha de desenvolvimento, produzindo seu próprio corpo de especialistas. Muito poucos indivíduos atuaram nos dois campos e se familiarizaram com ambos, disso resultando que tenderam, em grande parte, a perder contacto uns com os outros. Durante algum tempo, pareceu que a separação seria intransponível, a antropologia física vinculando-se inteiramente às ciências naturais e a antropologia cultural às ciências sociais. Contudo, elas estão agora começando a se reaproximar, à medida que nos tornamos mais conscientes da influência de certos fatores fisiológicos sobre a cultura e vice-versa. [...]

Cada uma das duas grandes divisões da antropologia sofreu novas diferenciações internas. A antropologia física ramificou-se na paleontologia humana e na somatologia; a antropologia cultural, na arqueologia, etnologia e linguística. Os nomes dessas subciências podem assustar, mas elas próprias, ou pelo menos as suas descobertas mais sensacionais, são do conhecimento da maioria dos leitores.

Fonte: Linton, R. 1978. Campo e divisões da antropologia. In: Mussolini, G., org. Evolução, raça e cultura, 3.ed. SP, Nacional & Edusp. Excerto de texto originalmente publicado em 1945.

08 outubro 2023

Vermes-seta

Luz Amelia Vega-Pérez

O filo Chaetognaha é formado por um grupo pequeno de animais marinhos filogeneticamente isolados, de corpo alongado, em forma de seta ou torpedo, transparente e de simetria bilateral marcada. O nome deriva do grego chaité, que significa cerdas e gnathos, maxila. São conhecidos como vermes-seta, em alusão à capacidade de deslocar-se com extrema velocidade.

Fonte: Veja Pérez, L. 2016. In: Fransozo, A. & Negreiros-Fransozo, M. L., orgs. Zoologia dos invertebrados. RJ, Roca.

07 outubro 2023

Euro – o intimorato idealista

Washington Albino

Relembrar Euro Arantes é definir uma época, uma geração e as nuanças de um idealismo imune a coloridos extremados, porém concentrado na pura crença da liberdade e da honradez. Mal saíamos de longa ditadura. Sua geração sentia aproximar-se a libertação e nutria a convicção de que a ela cabia conquistá-la. Os quadros políticos eram os mesmos anteriores e seu passado não recomendava para tanto: de um lado, os situacionistas, envelhecidos e desgastados nos repetidos discursos de acomodação e subserviência; de outro lado, uma oposição mais de discursos do que de ação, a cujos componentes o ditador da época chamara de leguleios em férias.

Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

04 outubro 2023

Riqueza, diversidade e a curva do coletor


Felipe A. P. L. Costa [*].

Um dos padrões biogeográficos mais bem conhecidos é o aumento progressivo que ocorre na diversidade de espécies à medida que nos deslocamos dos polos para o equador. A variedade de espécies é maior nos trópicos, ao mesmo tempo em que as comunidades de zonas temperadas e polares tendem a ser dominadas por um número reduzido de espécies.

Há, por exemplo, muito mais espécies de árvores crescendo em um hectare de floresta tropical do que em um hectare de floresta temperada [1]. Resultados semelhantes têm sido obtidos nos mais diferentes tipos de hábitats, envolvendo uma ampla variedade organismos – de aves, borboletas e formigas a peixes de água doce e moluscos marinhos, passando por ervas rasteiras e fungos que vivem no solo.

1. RIQUEZA E DIVERSIDADE DE ESPÉCIES.

A palavra diversidade abrange, na realidade, duas grandezas distintas: riqueza e abundância relativa de espécies. A primeira diz respeito ao número de espécies que vivem em determinado hábitat, enquanto a segunda tem a ver com o tamanho relativo de suas populações. Quando falamos estritamente em riqueza, estamos nos referindo ao número de espécies presentes em um lugar, sem qualquer preocupação com a abundância relativa de suas populações. Duas comunidades podem ser igualmente ricas, ainda que em proporções completamente diferentes.

Um exemplo. Sejam duas comunidades, A e B, cada uma delas formada por 10 espécies de borboletas. Embora igualmente ricas, elas podem diferir bastante em termos de abundância relativa. Considere uma situação extrema: na comunidade mais equitativa possível, todas as 10 espécies seriam igualmente abundantes (i.e., cada uma contribuiria com o mesmo percentual – 10%, no caso). Já na menos equitativa, 91% dos indivíduos pertenceriam a uma única espécie, restando uma parcela mínima (1%) para cada uma das nove restantes.

Além de riqueza e abundância relativa, duas comunidades podem diferir também em termos de composição. Leia-se: elas podem ser igualmente ricas e equitativas, mas abrigar conjuntos de espécies parcial ou inteiramente distintos. Cada uma das comunidades de borboletas mencionadas acima poderia ser formada por 10 espécies exclusivas. Neste caso, (1) nenhuma das espécies encontradas em uma das comunidades seria encontrada na outra; e (2) a soma das espécies presentes nas duas comunidades duplicaria o número de espécies presentes em cada uma delas em separado. Na maioria das vezes, porém, as comunidades tendem a partilhar de algumas espécies em comum, notadamente quando ocupam hábitats próximos e semelhantes. Há um variado leque de possibilidades, mas podemos caracterizar a situação medindo o grau de similaridade entre as comunidades de interesse.

1.1. Agrupamentos e índices.

Comparar e classificar comunidades de acordo com a composição de espécies são duas preocupações antigas da ecologia [2]. Há uma série de técnicas e índices disponíveis para isso (e.g., índices de similaridade). Uma das razões por trás dessa variedade metodológica são as sutilezas do mundo real. Vejamos um exemplo.

Sejam duas comunidades de tamanhos distintos, X e Y, a primeira sendo constituída de 20 espécies e a segunda, de 10. Para começo de conversa, se as comunidades são de tamanhos sabidamente desiguais, as parcelas em comum entre as duas não podem ser as mesmas. No caso acima: suponhamos que 10% (= 2) das espécies presentes em X também estejam presentes em Y. Ora, como esta última abriga apenas a metade das espécies presentes na primeira, o percentual das espécies de Y que ocorrem em X já não é o mesmo – serão 20%, e não 10%. A comparação entre comunidades de tamanhos desiguais dá origem, portanto, a dois índices de similaridade, e não apenas um – i.e., o percentual que indica o que X tem em comum com Y não será o mesmo que indica o que Y tem em comum com X.

Mas as diferenças de riqueza estão longe de representar o maior desafio. Questões ainda mais problemáticas surgem quando a comparação leva em conta a abundância relativa das espécies. Uma coisa é saber que duas comunidades têm 10% de espécies em comum, todas ou quase todas elas sendo representadas por populações rarefeitas. Outra coisa é descobrir que os mesmos 10% em comum são formados por espécies com as populações mais abundantes. Entre os extremos, mais uma vez, há um amplo e variado leque de combinações possíveis.

Questões adicionais, como o método de amostragem, devem ser levadas em conta pelo pesquisador na hora de escolher o índice mais apropriado. Como já foi dito, índices diferentes foram desenvolvidos em resposta a demandas distintas e, em último caso, a necessidades específicas. Ainda assim, no entanto, todos apontam em uma mesma direção: quanto maior a semelhança na composição de espécies, maior o grau de similaridade entre as comunidades em questão [3].

2. EM BUSCA DE ESTIMATIVAS CONFIÁVEIS.

A depender do parâmetro utilizado (riqueza, abundância relativa, composição), diferentes combinações de resultados são possíveis, como o leitor já deve ter percebido.

Por exemplo, duas comunidades podem ser igualmente ricas e de composição bastante semelhante, mas ainda assim diferir em termos de abundância relativa das espécies presentes. Não é à toa que os índices usados costumam incorporar mais de uma variável em suas fórmulas. Veja o caso do chamado Índice de Shannon-Weaver (H’), talvez o mais utilizado em ecologia: a diversidade de espécies de uma comunidade depende de duas variáveis, riqueza e abundância relativa [4]. Outros índices adotam procedimentos parecidos.

Neste ponto, cabe ressaltar o seguinte: riqueza e abundância relativa são parâmetros essencialmente virtuais. O que significa isso? Significa que raramente é possível atribuir um valor para cada um desses parâmetros por meio de contagem direta. Na prática, o que de fato ocorre é que o pesquisador deve se contentar com estimativas, que são valores aproximados, obtidos por meio de amostragem e, portanto, sujeitos a erros e imprecisões.

Trocamos assim a nossa pergunta inicial, aparentemente simples e direta (“Quantas espécies vivem aqui?“), por uma preocupação de natureza tipicamente metodológica. Algo do tipo: “Como obter estimativas fidedignas e confiáveis para a riqueza e a abundância relativa das espécies que vivem em um dado hábitat?”.

Responder a esta pergunta não é nenhum bicho de sete cabeças, mas também não é algo exatamente trivial. Basta dizer que a questão é debatida na literatura ecológica há mais de meio século [5].

Uma das dificuldades para se responder a esta pergunta tem a ver com a falta de a falta de independência das duas variáveis, riqueza e tamanho da amostra. Visto que os índices de riqueza costumam variar em função do número de indivíduos amostrados ou do esforço de amostragem (e.g., tempo gasto ou a área percorrida pelo observador). Para contornar problemas desse tipo, os estudiosos procuram calibrar suas amostras. Um jeito de fazer isso envolve a construção da chamada curva do coletor.

3. A CURVA DO COLETOR.

O que é e como se constrói uma curva do coletor? Trata-se de uma representação gráfica. Para tanto, lançamos mão de um par de eixos ditos ortogonais (ou cartesianos). No eixo horizontal, colocamos a escala que mede o esforço de amostragem (e.g., indivíduos capturados, tempo ou área amostrada). No eixo vertical, colocamos a escala que indica o número de espécies encontradas. Em seguida, admitindo que a parte mais trabalhosa (i.e., obter as amostras) foi devidamente equacionada e resolvida, distribuímos os valores obtidos no espaço criado por esse par de eixos. Ao final do processo, se tudo funcionar direitinho, obteremos uma curva do coletor (ver a figura que companha este artigo).

Inúmeras curvas desse tipo foram e continuam a ser construídas por muitos pesquisadores trabalhando com os mais variados grupos de organismos, em diferentes tipos de hábitats. Embora os detalhes possam variar tremendamente, há uma notável convergência no aspecto geral das curvas. E as razões para isso não são difíceis de entender.

No início do processo de amostragem, por exemplo, o número de espécies novas (leia-se: ainda não capturadas) é bem superior ao de espécies já capturadas. Por conta disso, a trajetória da curva costuma ter um primeiro segmento fortemente ascendente, indicando que, de início, a inclusão de um número crescente de indivíduos (eixo horizontal) implica em um número crescente de espécies (eixo vertical).

Todavia, à medida que o trabalho de campo prossegue, o número de espécies ainda não amostradas tende a declinar. Chega um momento a partir do qual a maioria dos indivíduos amostrados passa a ser classificada como repetição (leia-se: indivíduos de espécies já amostradas antes). Assim, após uma fase inicial de crescimento, a curva vai perdendo força, passando a crescer cada vez mais lentamente, até alcançar e se estabilizar em uma região de platô (chamado também de assíntota da curva), indicando que há um ponto a partir do qual o número de espécies permanece mais ou menos inalterado, ainda que a amostragem prossiga.

3.1. Interpretando a curva.

Em termos metodológicos, o advento de um platô pode ser interpretado como o momento mais indicado para suspender o trabalho de amostragem naquele hábitat. Isso porque à medida que nós nos aproximamos do número total de espécies presentes (variável cujo valor real é desconhecido e, a rigor, assim costuma permanecer), diminuem bastante as chances de encontrar espécies novas. Em certo sentido, portanto, o esforço de amostragem se torna cada vez mais improdutivo.

O platô então costuma ser adotado como a melhor estimativa da riqueza (ou diversidade) local, entendida aqui como a riqueza (ou diversidade) de espécies em determinado hábitat. Nada impede, porém, que os esforços de amostragem sejam transferidos para hábitats vizinhos. Quando isso ocorre, a trajetória da curva tende a reassumir o perfil ascendente típico do início do processo, embora isso agora ocorra a partir de um patamar inicial diferente de zero. Um exemplo do tipo de resultado que pode ser obtido com essas amostragens sequenciais (no caso, envolvendo dois hábitats distintos), pode ser visto na figura que acompanha este artigo.

Na figura, como foi dito antes, o eixo horizontal (Esforço) representa o esforço de amostragem, enquanto o eixo vertical (N) indica a riqueza de espécies. Quando resultados assim estão disponíveis para uma série de comunidades locais (A, B etc.), torna-se então possível combinar os diversos valores locais obtidos em uma medida da riqueza (ou diversidade) regional.

4. UM EXEMPLO DO MUNDO REAL: SOLANUM.

Dependendo de como o processo de amostragem é conduzido, podemos obter uma série de resultados interligados (hierarquizados). Eis aqui um exemplo numérico, envolvendo valores reais da riqueza de espécies para um grupo de plantas de talvez sejam familiares ao leitor. Estou a me referir a plantas do gênero Solanum.

Pois bem. Ao menos 35 espécies de Solanum já foram encontradas no município de Juiz de Fora MG, 21 das quais estavam a crescer na Reserva Biológica do Poço D’Anta (RPA). A flora juiz-forana, por sua vez, é um subconjunto das 51 espécies registradas para a Zona da Mata mineira [6]; as quais, evidentemente, integram também a flora mineira, com uma riqueza estadual estimada em ao menos 100-110 espécies; as quais, enfim, fazem parte da flora brasileira, contando esta com algo como 350-400 espécies de Solanum.

Estes números foram obtidos na década de 1990 e, claro, estão sujeitos a revisões. Mas a nossa preocupação aqui é ecológica e esses números servem para ilustrar questões importantes que orientam o estudo de comunidades [7].

Para início de conversa, o leitor deve concordar que há um aumento gradativo no número de espécies à medida que ampliamos o foco geográfico ou o tamanho da área de amostragem. Esse aumento, no entanto, é bem inferior ao que seria esperado se fizéssemos uma extrapolação direta com base apenas nas dimensões das áreas amostradas diretamente – i.e., de baixo para cima. Vejamos.

4.1. Há redundância nas listas de espécies.

Assim, levando em conta a densidade de espécies de Solanum encontradas na RPA (21 espécies em 2,77 km^2 de área), poderíamos esperar números bem maiores em todos os níveis hierárquicos superiores (e.g., município, região geográfica do estado, estado, país). Se a densidade local fosse mantida para todo o município de Juiz de Fora (~1,5 mil km^2), deveriam ser contabilizadas mais de 11 mil espécies, e não as 35 registradas; para o estado de Minas Gerais (~5,884 × 10^5 km^2), seriam quase 4,5 milhões de espécies, e não as 100-110 registradas.

Moral da história: A extrapolação direta leva a valores astronômicos e claramente absurdos. Por que essa diferença tão grande? Qual seria, afinal, a razão para tamanho disparate entre o esperado e o observado?

O principal componente da resposta tem a ver com a elevada redundância que há na composição de comunidades locais. E a razão por trás disso é que as espécies com uma ampla área de distribuição geográfica terminam fazendo parte de inúmeras comunidades locais. A maioria das espécies registradas em Juiz de Fora, por exemplo, ocorre em outros municípios da Zona da Mata mineira; muitas delas já foram encontradas em outras regiões do estado e algumas são encontradas em outros estados.

5. CODA.

O jeito ecológico de lidar com a questão pode ser resumido pelas seguintes perguntas: (1) As espécies de Solanum encontradas na RPA, por exemplo, são apenas e tão somente uma amostra aleatória do total de espécies presentes em Juiz de Fora ou elas, de algum modo, foram reunidas e selecionadas ao longo do tempo por processos ecológicos organizadores? Em caso afirmativo, que processos seriam esses?; e (2) Generalizando, de que modo e até que ponto, a composição de comunidades locais é influenciada pela disponibilidade regional de espécies?

Não sei dizer ao certo. Mas posso assegurar que foram questões intrigantes como essas que ajudaram a converter o estudo da organização de comunidades em uma das áreas mais efervescentes da pesquisa científica contemporânea [8].

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NOTAS.

[*] Versão original deste artigo, intitulada ‘Medindo a diversidade’, foi publicada na revista eletrônica La Insignia, em 15/3/2007. Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os quatro livros anteriores do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir algum volume específico ou para mais informações sobre as obras, faça contato com o autor pelo endereço felipeaplcosta@gmail.com. Para conhecer outros artigos ou obter amostras dos livros anteriores, ver aqui.

[1] Estamos a tratar aqui de diferenças no número de espécies, não no número de árvores individuais. Um hectare (100 × 100 m) de floresta temperada pode ter a mesma quantidade de árvores por unidade de área que uma floresta tropical; esta última, no entanto, terá sempre uma variedade de árvores maior ou muito maior do que aquela.

[2] Para uma introdução às técnicas de agrupamento, ver Valentin, JL. 2000. Ecologia numérica. RJ, Interciência. Eis um comentário do autor (Valentin 2000, p. 53):

Agrupar objetos consiste em reconhecer entre eles um grau de similaridade suficiente para reuni-los num mesmo conjunto. Os métodos ecológicos de agrupamento devem poder destacar os grupos de objetos similares entre si, deixando de lado os pontos intermediários que permaneçam geralmente entre os grupos quando a amostragem é suficientemente extensa. A não ser que o meio físico seja fortemente descontínuo e que a amostragem tenha sido realizada de cada lado de um forte gradiente, o ecólogo terá geralmente dificuldade em definir nitidamente grupos de amostras ou de espécies, em virtude do conceito de continuum que caracteriza os ecossistemas.

[3] Sobre coeficientes de similaridade, ver, e.g., Wolda, H. 1981. Similarity indices, sample size and diversity. Oecologia 50: 296-302; em port., além da referência citada acima, ver Pinto-Coelho, RM. 2000. Fundamentos em ecologia. P Alegre, Artmed

[4] Sobre a quantificação da diversidade, ver Martins, FR & Santos, FAM. 1999. Técnicas usuais de estimativa da biodiversidade. Holos 1: 236-67; e Magurran, AE. 2004. Measuring biological diversity. Oxford, Blackwell [edição brasileira disponível]; para uma análise crítica, v. Jost, L. 2006. Entropy and diversity. Oikos 113: 363-75. O valor do índice de diversidade de Shannon-Weaver pode ser calculado por meio da seguinte equação: H’ = Σ p(i) × log p(i), onde H’ representa o índice, p(i) é a proporção de indivíduos da espécie i em relação ao total de indivíduos amostrados, Σ (letra grega maiúscula sigma) indica soma e log indica logaritmo decimal. A rigor, o valor de H’ mede o grau de incerteza associado à identidade das espécies contidas em uma amostra, e não a variedade de espécies em si. Quanto maior o valor de H’, maior a incerteza, não necessariamente a variedade de espécies.

[5] Ver Fisher, RA & mais 2. 1943. The relation between the number of species and the number of individuals in a random sample of an animal population. Journal of Animal Ecology 12: 42-58.

[6] Solanum é um dos maiores gêneros de plantas vasculares, abrigando ~1,5-2,0 mil espécies. Entre as espécies que o leitor talvez conheça bem, caberia citar aqui ao menos oito: batatinha-inglesa (S. tuberosum), berinjela (S. melongena), fruta-de-lobo (S. lycocarpum), jiló (S. aethiopicum), juá-bravo (S. viarum e afins), jurubeba (S. paniculatum e afins), tomate (S. lycopersicum) e tomate-de-árvore (S. betaceum). Embora o gênero seja cosmopolita, a maioria das espécies é encontrada nos Neotrópicos, notadamente no norte dos Andes e no sudeste do Brasil. MG é um estado particularmente rico em plantas desse gênero e parece ter sido o centro de irradiação de alguns grupos. Sobre a flora de Solanum da Zona da Mata mineira, ver Costa, FAPL. 1999. New records of larval hostplants for Ithomiinae butterflies (Nymphalidae). Revista Brasileira de Biologia 59: 455-9.

[7] Ver, e.g., o artigo, Por que não existem borboletas em Marte?, publicado neste GGN, em 15/5/2018.

[8] Para um apanhado geral, ver, e.g., Ricklefs, RE & Schluter, D, eds. 1993. Species diversity in ecological communities. Chicago, UCP; sobre o processo de estruturação de comunidades, Chase, JM. 2003. Community assembly: when should history matter? Oecologia 136: 489-98; Mouquet, N & mais 3. 1993. Community assembly time and the relationship between local and regional species richness. Oikos 103: 618-26; e Storch, D & mais 2. 2005. Untangling an entangled bank. Science 307: 684-6.

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03 outubro 2023

A cidade como espetáculo

Fernanda Ester Sánchez García

Verificamos que a construção de uma nova imagem da cidade constitui-se numa das bases do projeto de modernização urbana de Curitiba, imprescindível à sua implementação ao longo dos últimos 20 anos. [...]

As recentes realizações urbanísticas – Rua 24 Horas, Ópera de Arame, Jardim Botânico, ônibus biarticulado – tornam-se ‘produtos’, novidades que acompanham um ritmo frenético de ‘renovação de ideias’, caracterizando a crescente espetacularização da vida urbana.

Cada novo espaço constitui-se, também, em ação e comunicação simbólicas, pois Curitiba hoje fixou-se ao nível nacional como espaço condensado, por excelência, dos anseios das classes dominantes relacionados a modo de vida e usufruto da cidade. A absorção acrítica dos novos ‘produtos’ urbanísticos e os rápidos processos de adesão social a ideias, valores e mitos associados à cidade moderna são indicadores da cristalização da imagem urbana dominante. A obtenção e manutenção deste padrão dominante expressa, por sua vez, a agilização dos elos entre meios técnicos de comunicação, esfera cultural e aparelho de poder, uma das faces mais marcantes da contemporaneidade, onde o controle da informação constitui-se em fundamental estratégia de poder e dominação.

Fonte: García, F. E. S. 1996. O city marketing de Curitiba: Cultura e comunicação na construção da imagem urbana. In: Del Rio, V. & Oliveira, L., orgs. Percepção ambiental. SP, Studio Nobel & Editora UFSCar.

01 outubro 2023

Cascatinha


[Johann] Georg Grimm (1846-1887). Cascatinha de Teresópolis. 1885.

Fonte da foto: Wikipedia.

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