29 maio 2025

Lendo uma carta à janela


Federico Zandomeneghi (1841-1917). Palazzo Pretorio. 1865

Fonte da foto: Wikipedia.

27 maio 2025

Horas ígneas

Pedro Kilkerry

I.
Eu sorvo o haxixe do estio...
E evolve um cheiro, bestial,
Ao solo quente, como o cio
De um chacal.

Distensas, rebrilham sobre
Um verdor, flamâncias de asa...
Circula um vapor de cobre
Os montes – de cinza e brasa.

Sombras de voz hei no ouvido
– De amores ruivos, protervos –
E anda no céu, sacudido,
Um pó vibrante de nervos.

O mar faz medo... que espanca
A redondez sensual
Da praia, como uma anca
De animal.

II.
O Sol, de bárbaro, estangue,
Olho, em volúpia de cisma,
Por uma cor só do prisma,
Veleiras, as naus – de sangue...

III.
Tão longe levadas, pelas
Mãos de fluido ou braços de ar!
Cinge uma flora solar
– Grandes Rainhas – as velas.

Onda por onda ébria, erguida,
As ondas – povo do mar –
Tremem, nest’hora a sangrar,
Morrem – desejos da Vida!

IV.
Nem ondas de sangue... e sangue
Nem de uma nau – Morre a cisma.
Doiram-me as faces do prisma
Mulheres – flores – num mangue...

Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep. Poema publicado em livro póstumo em 1971.

26 maio 2025

Imaginando o fim

Edward Glover

A primeira promessa da era atômica é que ela pode fazer com que alguns de nossos pesadelos se tornem realidade. A capacidade dolorosamente adquirida pelos homens comuns de discernir entre o sono, a ilusão, a alucinação e a realidade objetiva da vida, foi, pela primeira vez na história da humanidade, seriamente abalada.

Fonte: Lifton, RJ. 1989 [1987]. O futuro da imortalidade. SP, Trajetória Cultural. Excerto de livro originalmente publicado em 1946.

24 maio 2025

Meu desejo

Álvares de Azevedo

Meu desejo? era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta:
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta...

Meu desejo? era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra...
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra...

Meu desejo? era ser o cortinado
Que não conta os mistérios do teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito.

Meu desejo? era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!

Meu desejo? era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro...

Meu desejo? era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de languor!

Fonte: Azevedo, A. 2006. Lira dos vinte anos. SP, Martin Claret. Poema publicado em livro em 1853.

23 maio 2025

Poliploidia

Gerhard Bandel

A poliploidia refere-se, de um modo geral, a todas as variações naturais ou induzidas no número de cromossomos. As variações surgem no número de genomas (conjuntos cromossômicos) e no número de cromossomos individuais, fenômenos comuns entre espécies vegetais e animais.

A evolução das plantas superiores deve muito ao aumento do número de cromossomos decorrentes da poliploidia, pois ela está espalhada entre musgos, samambaias e plantas superiores. Aproximadamente a metade das plantas cultivadas importantes é poliplóide; muitas destas são euplóides (tetraplóides, hexaplóides, etc.), possuindo número de cromossomso múltiplos do conjunto básico. Os novos poliplóides criados pelos geneticistas e melhoristas assumiram importância crescente na agricultura.

Em contraste com as plantas, nenhum dos animais comercialmente importantes são totalmente poliplóides, embora, esporadicamente, possam ser encontrados células e tecidos dessa natureza em todos os animais.

Fonte: Azevedo, J. L. & Costa, S. O. P., orgs. 1973. Exercícios práticos de genética. SP, Nacional & Edusp.

22 maio 2025

De quem é o tempo afinal?

Hermann Bondi

O tempo nunca deve ser imaginado como preexistente em qualquer sentido; ele é uma quantidade inventada.

Fonte: Davies, P. 1999. O enigma do tempo. RJ, Ediouro.

20 maio 2025

A expropriação das terras indígenas

Octavio Ianni

Na Amazônia, as terras tribais são importantes, pela extensão, qualidade ou localização. São numerosos os grupos tribais existentes na Amazônia; mais concentrados aqui, mais dispersos ali. Coletores, caçadores, agricultores, pescadores, sedentários, nômades. Espalham-se por muitas terras, matas, rios, igarapés. Vivem e trabalham a natureza como se ela fosse sua e dos seus deuses, nos seus trabalhos e dias. É verdade que alguns ou muitos grupos indígenas [se acham] em extinção; outros [se encontram] em contato permanente com a ‘comunhão nacional’ ou a ‘sociedade nacional’; outros, ainda, estão em contato intermitente com essa sociedade; e, outros, por fim, acham-se isolados, arredios ou hostis. Há índios que ainda guardam o seu modo de ser índio porque também guardam o seu modo de trabalhar a natureza; guardam o seu hábitat mais ou menos intacto, a seu modo. Mas a maioria já se acha em contato om a ‘comunhão’ ou ‘sociedade nacional’. Isto é, já se acha em um estágio preliminar, ou avançado, do processo de expropriação pelos ‘nacionais’, brasileiros e estrangeiros. A maioria está sendo expropriada da sua terra, força de trabalho, cultura. São muitos os índios que estão sendo proletarizados, acamponesados, lumpenizados ou pura e simplesmente dizimados. Em todos os casos, no entanto, o que está em causa é uma progressiva ou drástica expropriação das suas terras; do modo pelo qual trabalham a terra, as coisas, a sua existência e o próprio trabalho.

Fonte: Ianni, O. 1979. Ditadura e agricultura. RJ, Civilização.

18 maio 2025

Eros e Psiquê


Gaspare Landi (1756-1830). Amore e Psique. 1787-94.

Fonte da foto: Wikipedia.

16 maio 2025

O poder e a glória

Graham Greene

Sem pensar no que fazia, ele bebeu mais um gole de conhaque. Quando o líquido lhe tocou a língua lembrou-se da filha, entrando com a luz às suas costas: o rosto embirrado, triste, inteligente. Exclamou: “Meu Deus, ajude-a. Condene-me, eu mereço, mas deixe-a viver para sempre.” Este era o amor que deveria ter sentido por todas as criaturas do mundo: todo o amor e o desejo de salvar concentrados injustamente naquela única criança. Começou a chorar; era como se tivesse que observá-la da praia se afogando lentamente porque ele se esquecera como nadar. Pensou: Isto é o que eu deveria sentir todo o tempo por todo o mundo...

Fonte: Wright, R. 1996 [1994]. O animal moral. RJ, Campus. Excerto de livro publicado em 1940.

15 maio 2025

Endogamia

D. S. Falconer

Endogamia significa o acasalamento de indivíduos que são relacionados por ascendência. O grau de parentesco entre os indivíduos na população depende do tamanho da população e ficará claro se for considerado o número possível de ancestrais para um indivíduo. Numa população de indivíduos bissexuados, todo indivíduo tem dois pais, quatro avós, 8 bisavós etc., 2t ancestrais, considerando t gerações passadas. Não muitas gerações atrás, o número de indivíduos necessários para proporcionar ancestrais separados, para todos os indivíduos atuais, torna-se maior do que o que qualquer população real poderia conter. Qualquer par de indivíduos deve, portanto, estar relacionado com um ou mais ancestrais comuns num passado mais ou menos remoto e quanto menor for o tamanho da população, em gerações anteriores, menos remotos serão os ancestrais comuns, ou seja, maior será o seu número. Portanto, pares acasalados ao acaso são mais proximamente aparentados numa população pequena do que em uma população grande. Essa é a razão por que as propriedades das pequenas populações podem ser tratadas como consequências da endogamia.

Fonte: Falconer, D. S. 1981 [1960]. Introdução à genética quantitativa. Viçosa, UFV.

13 maio 2025

Telegrafia sem fim

Salette Tavares

Onde o sonho do profundo se adormece
e as flores do enquanto me seduzem
neste vento que me paira e acontece,
o tempo do cansaço me escurece
e das estrelas instantes se conduzem
geométricas e finas linhas frias
cadentes de sonhadas geografias.
Ó meu cantar além dentro de mim
ó meu saber nos dedos o que vejo,
eu sei traçar a negação do fim
no sempre que se aquece para quem
se cria e se inventa de desejo.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1967.

12 maio 2025

18 anos e sete meses no ar

F. Ponce de León

Nesta segunda-feira, 12/5, o Poesia Contra a Guerra está a completar 18 anos e sete meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘18 anos e meio no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Alvin Toffler, Anthony Giddens, Charles Houillon, Eugène Ionesco, Gisele Yukimi Kawauchi e Luiz Eduardo Wanderley. Além de material de autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes artistas: John Phillip, John Singleton Copley e Thomas Musgrave Joy.

10 maio 2025

O grumete e o tubarão


John Singleton Copley (1738-1815). Watson and the Shark. 1778.

Fonte da foto: Wikipedia.

08 maio 2025

Society never advances

Ralph Waldo Emerson

Society never advances. It recedes as fast on one side as it gains on the other. It undergoes continual changes; it is barbarous, it is civilized, it is christianized, it is rich, it is scientific; but this change is not amelioration. For every thing that is given, something is taken. Society acquires new arts, and loses old instincts. What a contrast between the well-clad, reading, writing, thinking American, with a watch, a pencil, and a bill of exchange in his pocket, and the naked New Zealander, whose property is a club, a spear, a mat, and an undivided twentieth of a shed to sleep under! But compare the health of the two men, and you shall see that the white man has lost his aboriginal strength. If the traveller tell us truly, strike the savage with a broad axe, and in a day or two the flesh shall unite and heal as if you struck the blow into soft pitch, and the same blow shall send the white to his grave.

Fonte (em port.): Sagan, C. 1998 [1997]. Bilhões e bilhões. SP, Companhia das Letras. Excerto de uma obra originalmente publicada em 1841.

06 maio 2025

A voz do meu rio

Emílio Moura

Da Serra das Gerais ouço a voz de meu rio.

Que me quer o seu eco, se a memória
guarda de tudo apenas esta fímbria
entre o real e o irreal? Tudo se apaga,
terra e céu, verde e azul, tudo se apaga,
e há um fluir mais triste que se escuta
em mim, mas já sem mim.

Fonte (v. 1): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª ed. BH, Bernardo Álvares. Poema publicado em livro em 1969.

04 maio 2025

Quando a variedade temática é limitante

Anthony Giddens

É difícil separar a sociologia de [Georg] Simmel [1858-1917] dos problemas éticos e epistemológicos mais amplos em que ele se interessava. A tentativa para fundar uma ‘filosofia da vida’ nunca saiu do centro da atenção de Simmel, até mesmo nos seus escritos que são explicitamente de caráter sociológico. Por outro lado, muitos dos seus ensaios que tratavam de assuntos que se situavam aparentemente fora da Sociologia, como, por exemplo, os que se encontravam no terreno da estética, não deixavam de possuir um certo sentido sociológico: as suas obras são, muitas vezes, ricas em pontos de vista e hipóteses sociológicos. No entanto, as suas mais significantes contribuições para a Sociologia se encontram em seus dois mais importantes trabalhos: a Philosophie des Geldes (Filosofia do Dinheiro), 1900, e a Soziologie (1908). [...]

As grandes virtudes de amplidão e variedade no trabalho de Simmel são ao mesmo tempo a origem de suas limitações. Os seus escritos não possuem a mesma força acumulada das obras de Durkheim, que atacam os problemas teóricos fundamentais por meio de dados empíricos cuidadosamente alinhados. O uso que Simmel fez do método empírico é um tanto arrogante: cita exemplos sem documentos, como se a verdade fosse autoevidente, embora sempre haja repetidamente as afirmações do caráter provisório e exploratório de seu trabalho. A sua terminologia é muito indecisa e chega mesmo a ser descuidada. Torna-se claro, quando Simmel a usa, que a ‘forma’ social geralmente se aproxima da moderna noção de ‘estrutura’ social.

Fonte: Lukes, S. 1971 [1969]. Saint Simon. In: Raison, T., org. Os precursores das ciências sociais. RJ, Zahar.

02 maio 2025

Os sipúnculos

Gisele Yukimi Kawauchi

O filo
 Sipuncula (do grego, siphunculus = ‘pequeno tubo’) é um grupo de invertebrados bentônicos marinhos com 151 espécies consideradas válidas atualmente [...]. O corpo de um Sipuncula, dividido em tronco e introverte, pode ter de 3 a 400 mm de comprimento, embora a maioria varie entre 15 e 30 mm [...]. A forma do tronco pode variar de cilíndrica alongada a quase que completamente esférica, e o introverte pode ser menor, do mesmo tamanho ou até 10 vezes maior que o tronco [...].

É possível encontrar sipúnculos em qualquer ambiente ou habitat, de regiões interditais a profundidades abissais, dos polos às regiões equatoriais. Algumas espécies utilizam como abrigo conchas de moluscos, tubos de poliquetos ou carapaças de foraminíferos, enquanto outras podem ser encontradas entre fendas nas rochas ou sob elas, associadas a esponjas, algas, fios de bisso de bivalves ou raízes de fanerógamas marinhas. Existem espécies que vivem em galerias escavadas em corais, coralos ou rochas sedimentares, tais como arenito e argila, enterrados em galerias não permanentes em praias de sedimento arenoso ou lodoso, ou, ainda, em substratos peculiares como o crânio de uma baleia em decomposição [...]. Os indivíduos do grupo podem viver dispersos no substrato ou de maneira agregada, formando populações bem densas de quase 4.000 indivíduos por [metro quadrado] [...].

Fonte: Shimizu, R. M. 2016. In: Fransozo, A. & Negreiros-Fransozo, M. L., orgs. Zoologia dos invertebrados. RJ, Roca.

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