31 outubro 2011

As mãos, a tersa rima

Manuel Gusmão

1.
a meia altura da parede do labirinto desmoronava-se
e ascende uma mesa de papel recortado acesa e intensa
as tuas mãos seguravam sobre ela uma moldura negra e vazia

escorria-te sangue da boca e o chão cantava
a mão mental experimentava o rugoso campo da parede
e desfazia um desenho instável

o pez cola na pedra
o que faz um nome pintado
a pintura de um nome

2.
Na metade da direita a árvore sem nome sobe
mas os quatro ramos principais visíveis tocam
a moldura em cima. à esquerda. e à direita.
Podem ver-se as crostas da sua pele castanha
como se fosse um pinheiro   que não é   a não ser
que pouco parecido com os muitos do pinhal

antigo em que a criança corre à procura.

Em cada um dos ramos há um pássaro de cor
e forma diferente. Do último não se vê a cabeça
apenas parte do voo maciço
concentrado no repouso : heráldica tosca.
como uma pedra de penas uma rocha
uma ravina azuis.

O primeiro é também azul mas com penacho
empertigado asas nítidas escuras
e com um bico longo atirado para cima
como se para não tocar no cabelo
da mulher : da rapariga que está um pouco
para a esquerda, em frente da árvore

alheada de nós concentrada n’ “o prazer”.

Por trás há a parede do ar muito levemente
acometida por uma vertigem de cinza
clara e azulada. Os outros dois pássaros :
um é de prata o outro de oiro;
ambos manchados   imperfeitos   vivos;
um liso o outro rugoso. Todos sem nome

como a árvore a criança e o prazer.

É preciso contudo voltar
à rapariga : à mulher estranha.
branca e castanha. Tu tens os cabelos
como nas fotografias mais antigas dela. Vestes
de um castanho mais claro que o da árvore
mas mais escuro que o do cabelo.

veludo, tule, seda, lã, algodão?
é um tecido pesado um vestido formal
cerimonioso e hoje antigo;

uma larga gola branca e punhos brancos
debruados de arbustos e sebes   ponteados
a castanho e manchados de vermelho.

“é o dia dos teus anos; sorri, ó
amada; põe-te feliz; dança,
dança, ó triste resplandecente”

Devoras o pescoço e o peito do pássaro
castanho como a árvore. Vê-se o branco
dos teus dentes, o vermelho do lábio superior
e o da carne rasgada do pássaro. A única mão
que se vê toda (?) é a branca mão direita
as pontas dos dedos pintadas

de sangue.
a outra   sabe-se que está lá
por um toco escondido pela asa que desaba.

Por trás não te escrevi nada
mas contei-te a suave alucinação
em que aparecias

tão próxima e tão estranha.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1996.

29 outubro 2011

Canção de Kaspar Hauser

Georg Trakl

Ele em verdade amava o Sol que purpúreo descia a colina,
Os caminhos do bosque, o melro que cantava
E a alegria do prado.

Sério era o seu morar à sombra da árvore
E pura a sua face.
Deus disse-lhe ao coração uma chama suave:
Ó homem!

Silencioso o seu passo achou a cidade ao anoitecer;
A queixa escura da sua boca:
Hei-de ser cavaleiro.

Seguiram-no porém moita e bicho,
Casa e jardim crepuscular de homens brancos
E o seu assassino buscava-o.

Primavera e Verão e belo o Outono
Do justo, o seu passo baixo
Ao longo de quartos escuros e sonhadores.
À noite ficava sozinho coa sua estrela;

Viu que caía neve em ramaria calva
E no pátio a escurecer a sombra do assassino.

Argêntea tombou a cabeça do não-nascido.

Fonte: Quintela, P. 1998. Obras completas, vol. 3. Lisboa, Calouste Gulbenkian. Poema publicado em livro em 1915, com a dedicatória “Para Bessie Loos”. Na grafia portuguesa, o poema recebeu o título “Canção de Gaspar Hauser”.

28 outubro 2011

Cento e cinquenta mil visitas

F. Ponce de León

No início do expediente desta sexta-feira, o Poesia contra a guerra ultrapassou a marca das 150 mil visitas. Do balanço numérico anterior – ver ‘Cento e vinte e cinco mil visitas’, em 1/4/2011 – até ontem (27/10) ocorreram em média pouco mais de 119 visitas/dia. Um novo recorde positivo em um só dia foi alcançado em 24/10/2011, com 202 visitas.

27 outubro 2011

Berros ou sussurros?

André Gide

De todos os músicos, Mozart é aquele para mais longe de quem nossa época nos tem levado; ele fala apenas em sussurros, e o público deixou de ouvir qualquer coisa que não sejam berros.

25 outubro 2011

Genética molecular

Luís Archer

[Introdução]
A característica mais surpreendente dos sistemas biológicos é a replicabilidade. Os seres vivos constantemente reproduzem as suas complexas estruturas e moléculas com assombrosa fidelidade, e através de um número indefinido de gerações.

Este facto é tanto mais surpreendente quanto é sabido que a esmagadora maioria das biomoléculas não tem possibilidade química de auto-replicação. Além disso, em pelo menos muitos seres vivos, o número de espécies biomoleculares de cada indivíduo é demasiado elevado para que todas pudessem estar representadas dentro das pequenas dimensões de um gameta.

Mas então como se explica, por exemplo, que uma bactéria constantemente produza novas cópias dos seus três mil tipos diferentes de proteínas, e só dessas? Por que razão, a partir do mesmo meio, que contém os mesmos vinte aminoácidos, animais diferentes organizam, com eles, proteínas diferentes fielmente idênticas às dos seus respectivos antepassados? Qual é o programador que, em cada ser vivo, compõe, com as mesmas vinte letras, só aquelas palavras que têm para ele sentido vital?
[...]

Fonte: Archer, L. J. 1976. Genética molecular. Lisboa: Brotéria.

24 outubro 2011

O percurso de um pormenor


Hoje as folhas gritam, em galhos que vento varre,
Porém o nada do inverno atenua um pouco,
Ainda pleno de sombras frias, neve molhada.

As folhas gritam… Nos contemos, e ouvimos, apenas.
É um grito prático, que diz algo a outro alguém.
E embora nos julguemos parte do todo,

Há um conflito, uma resistência aqui,
E ser parte é um esforço que declina:
Sentimos a vida do que gera a vida tal qual é.

As folhas gritam. Não é grito de atenção divina,
Nem fumaça de herói que se apagou, nem grito humano.
É grito de folhas que não se transcendem,

Na ausência da fantasia, que só quer dizer
Que estão na descoberta última do ouvido, coisa em si,
Até que o grito, enfim, não diz nada a ninguém.

Fonte: Stevens, W. 1987. Poemas. SP, Companhia das Letras. Poema publicado em livro em 1957.

22 outubro 2011

Antro de jogatina


Jean-Eugène Buland (1852-1927). Le tripot. 1883.

Fonte da foto: Art Renewal Center.

20 outubro 2011

Meu humilde amigo

Francis Jammes

Meu cão fiel, humilde amigo, sucumbiste
Sob a mesa, fugindo à morte como à vespa
Tu fugias em vida. Ali tua cabeça
Voltaste para mim no passo breve e triste.

Companheiro banal do homem, tu que em teus dias
No que falta ao teu dono achas o que te baste,
Ó ser bendito que a jornada acompanhaste
Do arcanjo Rafael e do jovem Tobias...

Tal como um santo ama ao seu Deus, num grande exemplo
Amaste-me também, ó servo verdadeiro!
O mistério de tua obscura inteligência
Vive num paraíso inocente e fagueiro.

Ah se de vós, meu Deus, a graça eu alcançasse
De face a face vos olhar na eternidade,
Fazei que um pobre cão contemple face a face
Quem para ele foi um deus na humanidade.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema publicado em livro em 1906.

18 outubro 2011

Simetria

Hermann Weyl

Se eu não estiver enganado a palavra simetria é utilizada na linguagem coloquial com dois significados. Em um sentido, simétrico indicado algo bem- proporcionado ou bem-balanceado, e simetria denota aquele tipo de concordância em que várias partes de algo se integram em uma unidade. A beleza é envolta pela simetria. Foi com esse sentido que Policleto, autor de um livro sobre proporções e admirado na Antiguidade pela harmoniosa perfeição de suas esculturas, utilizou a palavra ‘simetria’. Dürer o seguiu quando estabeleceu um conjunto de leis de proporções para a figura humana. Nesse sentido, a idéia não é, por seu significado, restrita aos objetos espaciais, já que seu sinônimo ‘harmonia’ aponta mais na direção da acústica e da música do que das aplicações na geometria. A palavra alemã Ebenmass é equivalente à simetria do grego, pois ela também possui a conotação de ‘medidas médias’, que é, de acordo com a Ética a Nicômaco, de Aristóteles, o sentido para o qual o virtuoso deve-se esforçar nas suas ações, e também com o qual Galeno, na obra De Temperamentis, descreve como o estado da mente que está igualmente sem os seus extremos [...].

O segundo sentido, com o qual a palavra simetria é conhecida em nossos tempos, pode ser associado naturalmente à imagem de uma balança: simetria bilateral. É a simetria da esquerda e da direita, especialmente notável na estrutura do ser humano e dos animais superiores. Em contraste com a noção vaga e ampla discutida anteriormente, a simetria bilateral é um conceito absolutamente preciso e estritamente geométrico. Um corpo ou uma configuração espacial é simétrica com relação a um dado plano E, se possuir em si também sua própria reflexão E. Tome, por exemplo, qualquer ponto p pertencente a uma linha l perpendicular ao plano E: deve existir então um, e somente um, ponto p’ também em l que possui a mesma distância de E, mas que está do outro lado do espaço. [...]

Fonte: Weyl, H. 1997 [1952]. Simetria. SP: Edusp.

16 outubro 2011

Insegurança máxima

Carlos Queiroz Telles

Ser ou não ser,
ter ou não ter,

comer ou não comer,
beber ou não beber,

viajar ou não viajar,
beijar ou não beijar,

vestir ou não vestir,
sair ou não sair,

amar ou odiar,
dormir ou acordar
brigar ou namorar
passear ou estudar,
aceitar ou protestar,
afinar ou encarar
as grandes dúvidas desta vida:

Será que eu sei o que eu sou?
Será que eu sei o que eu quero?
Será que eu sei o que eu sinto?

Será que essa cuca confusa
cheia de issos ou aquilos...
Será...
Será que isso sou eu?

Fonte: Cereja, W. R. & Magalhães, T. C. 2005. Português: Linguagens, 5ª edição. SP, Atual. Poema publicado em livro em 1992.

14 outubro 2011

Uma xícara de chá


Lilla Cabot Perry (1848-1933). A cup of tea. c. 1900.

12 outubro 2011

Aniversário de cinco anos

F. Ponce de León

Nesta quarta-feira, 12/10, o Poesia contra a guerra completa cinco anos no ar (2006-2011). Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 147.859 visitas haviam sido registradas ao longo desse período.

Nos últimos 12 meses, foram ao ar textos de 113 novos autores, além de outros que já haviam sido publicados antes – ver Aniversário de quatro anos e balanços anteriores. Eis a lista com o nome dos novos autores:

Adauto, Adília Lopes, Alan H. Guth, André Gill, Andrew C. Clark, António Cabrita, Aubrey Manning e Augustine Brannigan;

Barbara Heliodora, Berdell R. Funke, Bernardo Vilhena e Brasil Pinheiro Machado;

Carl Zimmer, Cecil Chow, Charles, Charles-Marie de La Condamine, Chrissie Hynde, Christine L. Case, Cláudio Thebas e Colin A. Ronan;

Dalton Gonçalves, Daniel L. Hartl, David L. Hull, Dias Gomes e Dirk Rafaelsz Camphuysen;

Eduardo Guerra Carneiro, Elvis Costello, Emico Okuno, Enrique González Martínez e Eurico Santos;

Fátima Maldonado, Fernando Assis Pacheco, Francesco Santoianni e Furnandes Albaralhão;

Gerard J. Tortora, Gil de Carvalho, Graciliano Ramos, Guilherme de Almeida, Gustavo Teixeira e Guttemberg Guarabyra;

Helder Moura Pereira;

Iberê L. Caldas e Ingmar Bergman;

Jacques Levy, Jean-Claude Chesnais, Jean Itiberé, Jean S. Medawar, Joan Baez, Joe Schwarcz, John Gillespie Magee Jr., John Perlin, José Bonifácio, o Moço, José de Castro, José Camelo de Melo Resende, José Jorge Letria, José Pacheco, Júlia Cortines e June Goodfield;

Kenneth Bock, Khalil Gibran e Kim Edwards;

Lalau, Lee Smolin, Len Fisher, Leon Festinger, Leon Henkin, Leonardo Fróes, Lisa Bresner, Luís Filipe de Castro Mendes, Luís Guimarães Júnior e Luís Miguel Nava;

M. J. D. White, Machado de Assis, Manoel Camilo dos Santos, Marina Colasanti, Martín Adán, Matthew Arnold, Moacir Piza e Murray Gell-Mann;

Nicholas J. Gotelli, Nick Arnold, Nick Cave, Nicolás Guillén, Nikolaas Tinbergen e Nilo Aparecida Pinto;

Olegário Mariano, Oliver Sacks e Oren Harman;

Pablo Casals, Paio Soares de Taveirós, Paul R. Ehrlich, Paul Strathern, Peter B. Medawar, Peter Buchka e Philip Zimbardo;

Raimundo Correia, Ralph W. Gerard, René Thom, Ricardo G. Ramos, Richard Strauss, Robin Holliday, Roberto Schwarz e Rodrigo Otávio;

Sidney Sheldon e Silveira Neto;

Tracy Chapman;

Valéria Paz de Almeida, Vasco Graça Moura e Victor M. Londoño;

Willi Hennig, William Butler Yeats e Wlademir Dias-Pino.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes 32 pintores: Armand Guillaumin, Arnold Böcklin; Chafik Charobim, Childe Hassam, Cigoli, Claude Gellée [le Lorrain]; E. Phillips Fox, Eliseu Visconti, Émile Friant, Ernst Ludwig Kirchner, Ethel Carrick Fox, Eugene de Blaas; Fernando Fader, Francisco Oller, Frederic Leighton, Frederick McCubbin; Georges Rouault; Henri Gervex, Hippolyte Boulenger; Jean-Léon Gérôme, Joaquín Sorolla, Johan Krouthén, John William Godward; Lovis Corinth; Maxfield Parrish; Natalia Chernogolova; Paul Delaroche; Silvestro Lega; Telemaco Signorini, Theodore Robinson; Wilhelm von Kobell e Willem de Kooning.

10 outubro 2011

A costa de Dover

Matthew Arnold

O mar, esta noite, está calmo.
A maré está cheia, a lua muito bela
Sobre os estreitos – na costa francesa, a luz
Brilha e desaparece; os vastos penhascos, da Inglaterra,
Tremeluzindo lá na baía tranqüila.
Vem à janela; doce é o ar da noite! Ouve!
Somente na longa linha de espuma
Onde o mar encontra a terra esbranquiçada pela lua
Ouvirás o bramido rouco
Dos seixos que as ondas recolhem e atiram.
Na volta, na orla alta,
Começam e param; depois recomeçam,
Com trêmula e lenta cadência, e trazem
A eterna nota de tristeza.

Sófocles, há muito tempo,
Ouviu-a no Egeu, trazendo-lhe
O turvo fluxo e refluxo
Da miséria humana; nós
Também encontramos no som um pensamento,
Ouvindo-o neste distante mar do norte.

Também o Mar da Fé
Uma vez esteve cheio e estendeu-se ao redor da praia da terra
Como as dobras de uma faixa viva.
Mas agora eu só ouço
Seu bramido melancólico, longo,
Que pelas imensas orlas, desolado,
Nas lousas frias do mundo,
Se afasta ao sopro do ar da noite.

Amor! Vamos ser fiéis
Um ao outro! Pois o mundo que,
Tão variado, tão belo, tão novo,
Parece estender-se como uma terra de sonhos,
Na verdade não tem alegria, nem amor, nem luz,
Nem certeza, nem paz, nem ajuda para a dor;
Aqui estamos como numa planície escura,
Arrastados por confusos alarmes de luta e de fuga,
Onde exércitos ignorantes se chocam durante noite.

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Companhia Editora Nacional & Edusp. Poema publicado em livro em 1867.

08 outubro 2011

O queixo

Moacir Piza

Tomo da pena... Deixo-a, desolado,
Pois a tarefa exige outro instrumento.
A minha concepção, o meu intento
Demanda, pelo menos... um machado!

Tomo-o nas mãos... E, resoluto, assento
De talhar, num soneto, o queixo amado.
Procuro executar o plano ideado;
Mas em vão me extenuo e me atormento.

Em vão me esforço e com afã trabalho.
Em vão a idéia encolho e o verso estico:
– Todo o serviço, todo o esforço é falho.

Pois, em seguida ao labutar de uma hora,
Crendo findo o trabalho, verifico
Que metade do queixo está de fora...

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 6. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1916.

06 outubro 2011

Segunda canção de muito longe


Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um mistério encanando com outro mistério, no escuro...

Mas vamos fechar os olhos
E pensar numa outra cousa...

Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes, cavernosas como vozes de leões.
Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia os azulejos reluzentes, o muro do quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas...
Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos...
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras...
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar a Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!...
A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele corredor escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde. Seus passos não faziam ruído.
E ela nem se voltou para trás!

Fonte: Moriconi, I., org. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema publicado em livro em 1946.

04 outubro 2011

Natureza humana e cultura

Kenneth Bock

Um desacordo básico entre biólogos e humanistas decorre de uma incompreensão dos conceitos de sociedade e cultura humanas. O resultado é que os biólogos falam de uma sociedade de corais, castores ou babuínos como se fosse um tipo de sociedade humana e todas pudessem, portanto, ser consideradas como assunto adequado de uma ciência social geral. Essa concepção errônea é depois harmonizada pelo pressuposto de que as sociedades não-humanas (e, até certo ponto, as sociedades humanas caçadoras-coletoras) exibem da maneira mais clara as derradeiras origens biológicas de toda sociedade, e pela conclusão de que a ciência social, como ramo da biologia, deve por essa razão concentrar-se nessas formas elementares de vida social.

Os teóricos sociais muito fizeram para fomentar essa perspectiva. Vincularam seres humanos a outros animais séculos antes de as ciências biológicas atingirem sua forma moderna, e sacaram analogias entre as sociedades humanas e animais antes que os biólogos levassem a sério a comparação. O arraigado emprego de conceitos orgânicos de todos os tipos nas ciências humanas preparou de modo imperioso o terreno no pensamento em geral para a idéia de que os fatos sociais humanos são na realidade fatos biológicos. Sem dúvida, alguns biólogos encontram apoio para essa proposição quando observam que muitos dos conceitos básicos da ciência social repousam em termos biológicos, embora tais conceitos tenham tido origem na teoria social e fossem tomados de empréstimo pela biologia.
[...]

Fonte: Bock, K. 1982. Natureza humana e história. RJ, Zahar.

02 outubro 2011

Mulher no. 1


Willem de Kooning (1904-1997). Woman, I. 1950-52.

Fonte da foto: The Museum of Modern Art.

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