Augusto Gil
Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania;
Mas há pouco, há
poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do
caminho...
Quem bate assim levemente
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se
sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu
Branca e leve, branca e
fria...
– Há quanto tempo a não
via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da
vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e quando
passa
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os
mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de
criança...
E descalcinhos,
doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
– Depois, em sulcos
compridos,
Porque não podia
erguê-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Por que lhes dais tanta
dor?!...
Por que padecem
assim?!...
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim
presa.
Cai neve na natureza...
– E cai no meu coração.
Fonte (versos 14 e 15): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora
Bernardo Álvares. Poema – com a dedicatória ‘A Vicente Arnoso’ – publicado em
livro em 1909.