30 novembro 2022

Songbird

Christine McVie

For you, there’ll be no more crying,
For you, the sun will be shining,
And I feel that when I’m with you,
It’s alright, I know it’s right.

To you, I’ll give the world
To you, I’ll never be cold
’Cause I feel that when I’m with you,
It’s alright, I know it’s right.

And the songbirds are singing,
Like they know the score,
And I love you, I love you, I love you,
Like never before.

And I wish you all the love in the world,
But most of all, I wish it from myself.

And the songbirds keep singing […].

Fonte: encarte que acompanha o álbum Rumours (1977), do Fleetwood Mac.

29 novembro 2022

Historiografia do clima

Emmanuel Le Roy Ladurie

Os métodos empregados na história do clima conheceram, nesses últimos anos, desenvolvimentos significativos e de grande interesse. Antes de expô-los, começarei, entretanto, por recordar algumas das diferentes técnicas, as mais conhecidas, da historiografia do clima aplicadas no último milênio:

1. No que concerne ao fim deste último milênio (os dois últimos séculos), o historiador do clima obrigou-se a recolher, testar, tabular e publicar... única e simplesmente as séries meteorológicas. Desde o século XVIII, ou desde o início do XIX, elas são, com efeito, muito numerosas. À guisa de modelo, pode-se nomear as séries de temperaturas publicadas por Gordon Manley e pelos pesquisadores holandeses (na Inglaterra e nos Países Baixos) para os três últimos séculos. As séries termométricas provenientes de regiões vizinhas apresentam a vantagem de poderem ser correlacionadas mutuamente: pode-se, pois, uma vez encontradas e exumadas novas séries, testá-las por correlação, assegurando-se, assim, de sua fidedignidade. Em seguida, tendo-se balizado o terreno, detectam-se, graças a elas, ao nível regional, nacional, ou mesmo europeu, flutuações momentâneas para o calor ou o frio, as quais podem ser de amplitude decenal, interdecenal ou secular. Não se deveria esquecer tampouco, em vista das pesquisas futuras, que existem também (além dos resumos termométricos) séries antigas de observações pluviométricas ou barométricas relativas ao século XIX, e até mesmo XVIII. Frequentemente menos fidedignas que os resumos termométricos, possuem mesmo assim um valor essencial para definir os tipos de tempo e as situações atmosféricas do passado. Numerosos e preciosos dossiês desta espécie dormem ainda hoje nos arquivos dos observatórios, das academias de medicina ou de províncias, e das sociedades científicas. [...]

3. A fenologia, ou o estudo das datas anuais de floração e de frutificação dos vegetais, resume-se, até o presente, num documento quase único: a data das vindimas, registrada nos arquivos, é, com efeito, indicativa, em média, do ‘quente’ ou do ‘fresco’, para o período março-setembro de um determinado ano. Uma vez que essas datas formam série numa localidade, ou num grupo de localidades, esclarecem as flutuações térmicas de um ano a outro, ou de um decênio a outro, mas não até nova ordem, de um século a outro. [...]

Fonte: Le Roy Ladurie, E. 1976. O clima: a história da chuva e do bom tempo. In: J. Le Goff & P. Nora, orgs. História: novos objetos. RJ, Francisco Alves.

26 novembro 2022

Prado e cofre

António Osório

Prado e cofre,
testemunha discreta
do amor,

a cama.

Concha do sono,
companheira
dos partos,
do salto
e dor inicial
das crianças.

Berço da nossa morte.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1972.

23 novembro 2022

A dama e o cisne


François-Édouard Picot (1786-1868). Léda et le cygne. 1832.

Fonte da foto: Wikipedia.

20 novembro 2022

Os primeiros povoadores

Antonio Loureiro

O homem penetrou na América do Sul pelo istmo do Panamá, que não apresenta obstáculos maiores a esta passagem, antes de 15000 aC, como nos fazem pensar as datas até aqui apresentadas.

As primeiras hordas tinham, provavelmente, uma vida econômica baseada na coleta de mariscos marinhos, na pesca junto à praia, no recolhimento de frutas silvestres e na caça de animais selvagens. Destas atividades primitivas teriam surgido os primeiros sambaquis, assinalados em todo o litoral sul-americano e nos baixos cursos da maior parte dos rios. Denominamos a estes invasores de primitivos povoadores e, baseados nestes fatos, prognosticamos que os mais antigos sinais de povoamento da América do Sul deverão ser encontrados no litoral atlântico, entre o golfo de Urabá e a foz do Atrato, e no litoral do Pacífico, próximos às fronteiras da Colômbia com o Panamá.

Fonte: Loureiro, A. 1982. Amazônia – 10.000 anos. Manaus, Metro Cúbico.

17 novembro 2022

Gostos, cheiros e marolas

Poh Pin Chin

Toquei na superfície do mar
E o mar não se mexeu.
Mas imprimi nele – para
sempre – as minhas marcas:
Gostos, cheiros e marolas.

14 novembro 2022

Até o fim do desgoverno de extrema-direita, ainda serão contabilizados mais 433 mil casos e 2,2 mil mortes

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza as estatísticas mundiais a respeito da pandemia divulgadas em artigo anterior (aqui). No caso específico do Brasil, o artigo também atualiza os valores das taxas de crescimento. Entre 7 e 13/11, as taxas ficaram em 0,0252% (casos) e 0,0064% (mortes). Ambas tornaram a subir. É preocupante. Máscaras e vacinas devem continuar na ordem do dia, sobretudo no interior de recintos fechados.

*

1. ESTATÍSTICAS MUNDIAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.

Levando em conta as estatísticas mundiais obtidas na manhã de hoje (14/11) [1], eis um resumo da situação.

(A) – Em números absolutos, os 20 países mais afetados [2] estão a concentrar 74% dos casos (de um total de 635.217.802) e 69% das mortes (de um total de 6.610.279) [3].

(B) – Nesses 20 países, 458 milhões de indivíduos receberam alta, o que corresponde a 97% dos casos. Em escala global, 620 milhões de indivíduos já receberam alta.

(C) – Olhando apenas para as estatísticas das últimas quatro semanas, eis um resumo da situação: (a) em números absolutos, a lista está a ser liderada pela Alemanha, com 1,425 milhão de novos casos; (b) entre os cinco primeiros da lista, estão ainda o Japão (1,418), Coreia do Sul (1,086), Estados Unidos (1,053) e França (907 mil). O Brasil (162 mil) está agora na 12ª colocação; e (c) a lista dos países com mais mortes segue a ser liderada pelos Estados Unidos (9,32 mil); em seguida aparecem Alemanha (4,17 mil), Rússia (2,1), Itália (2,0) e França (1,86). O Brasil (1,51) está agora na 9ª colocação.

2. ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS: SEMANA 7-13/11.

Ontem (13/11), de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, foram registrados em todo o país mais 994 casos e 4 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 34.912.931 casos e 688.658 mortes.

Na semana encerrada ontem (7-13/11), foram registrados 61.481 casos e 310 mortes. Ambos os totais subiram em relação aos números da semana anterior (31/10-6/11: 26.584 casos e 256 mortes).

3. O RITMO DA PANDEMIA EM TERRAS BRASILEIRAS.

Para monitorar de perto o ritmo e o rumo da pandemia, sigo a usar como guias as taxas de crescimento no número de casos e de mortes. Ambas tornaram a subir. Vejamos os resultados mais recentes.

A taxa de crescimento no número de casos subiu de 0,0109% (31/10-6/11) para 0,0252% (7-13/11) (ver a figura que acompanha este artigo) [4].

A taxa de crescimento no número de mortes, por sua vez, subiu de 0,0053% (31/10-6/11) para 0,0064% (7-13/11).

*


FIGURA. O comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 19/6 e 13/11/2022. (Para resultados anteriores, ver aqui.)

*

4. CODA.

A situação da pandemia em terras brasileiras é (mais uma vez) preocupante. O sinal amarelo está novamente ligado.

As taxas de casos e mortes tornaram a subir. No ritmo atual, o país irá contabilizar mais 433.415 casos e 2.174 mortes até o primeiro domingo de janeiro (1/1/2023). Em outras palavras, até fim do desgoverno de extrema-direita, os totais contabilizados chegarão a 35.346.346 casos e 690.832 mortes.

Máscaras e vacinas devem continuar na ordem do dia, sobretudo no interior de recintos fechados. (Lembrando que a vacina combate a doença, mas não impede o contágio. O que pode impedir o contágio é o uso correto de máscara facial.)

*

NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Como comentei em ocasiões anteriores, as estatísticas de casos e de mortes estão a seguir o painel Mapping 2019-nCov (Johns Hopkins University, EUA), enquanto as de altas estão a seguir o painel Worldometer: Coronavirus (Dadax, EUA).

[2] Os 20 primeiros países da lista podem ser arranjados em 11 grupos: (a) Entre 95 e 100 milhões de casos – Estados Unidos; (b) Entre 40 e 45 milhões – Índia; (c) Entre 35 e 40 milhões – França e Alemanha; (d) Entre 30 e 35 milhões – Brasil; (e) Entre 25 e 30 milhões – Coreia do Sul; (f) Entre 20 e 25 milhões – Reino Unido, Itália, Japão e Rússia; (g) Entre 15 e 20 milhões – Turquia (estatísticas congeladas há mais de três semanas); (h) Entre 12 e 15 milhões – Espanha; (i) Entre 10 e 12 milhões – Vietnã e Austrália; (j) Entre 8 e 10 milhões – Argentina, Países Baixos e Taiwan; e (k) Entre 6 e 8 milhões – Irã, México e Indonésia.

[3] Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver os volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado, vols. 1-5 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver qualquer um dos três primeiros volumes.

[4] Para conferir os valores numéricos, ver aqui (entre 27/12/2021 e 26/6/2022) e aqui (semanas anteriores).

* * *

12 novembro 2022

16 anos e um mês no ar

F. Ponce de León

Nesta sábado, 12/11, o Poesia Contra a Guerra completa 16 anos e um mês no ar.

Desde o balanço anterior – ‘Aniversário de 16 anos’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Abel Wolman, F. Clark Howell, John Terborgh & Milton Rokeach. Além de outros nomes que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Édouard Detaille & Ernest Meissonier.

10 novembro 2022

Policiais não são soldados

Jacob Bronowski

Fico muito chocado naturalmente com o fato de que, uma vez introduzido o sistema da lei como uma estratégia (a proteção do status quo através de meios legais), acabemos tendo não uma sociedade contra criminosos, mas sim duas quadrilhas: uma chamada polícia e a outra chamada bandidos. A polícia usa um tipo diferente de chapéu, mas atualmente se tornou um exército. Eu, por exemplo, fico negativamente admirado com o fato de, no Estado em que vivo, a Califórnia, os policiais parecerem verdadeiros soldados. Policiais não são soldados, eles são os guardiões da lei. Não estão numa guerra contra o crime.

Fonte: Bronowski, J. 1985 [1978]. As origens do conhecimento e da imaginação. Brasília, Editora UnB.

07 novembro 2022

A julgar pelas estatísticas, as taxas (casos e mortes) não estão a escalar

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza as estatísticas mundiais a respeito da pandemia divulgadas em artigo anterior (aqui). No caso específico do Brasil, o artigo também atualiza os valores das taxas de crescimento. Entre 31/10 e 6/11, as taxas ficaram em 0,0109% (casos) e 0,0053% (mortes). São os valores mais baixos desde o início da crise. (Estes resultados estão na contramão de matérias divulgadas pela imprensa, dias atrás, alertando para uma possível escalada no número de casos.) O sinal amarelo deve permanecer ligado. Máscaras e vacinas devem continuar na ordem do dia, sobretudo no interior de recintos fechados.

*

1. ESTATÍSTICAS MUNDIAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.

Levando em conta as estatísticas mundiais obtidas na manhã de hoje (7/11) [1], eis um resumo da situação.

(A) – Em números absolutos, os 20 países mais afetados [2] estão a concentrar 74% dos casos (de um total de 632.678.404) e 69% das mortes (de um total de 6.600.787) [3].

(B) – Nesses 20 países, 456 milhões de indivíduos receberam alta, o que corresponde a 96% dos casos. Em escala global, 618 milhões de indivíduos já receberam alta.

(C) – Olhando apenas para as estatísticas das últimas quatro semanas, eis um resumo da situação: (i) em números absolutos, a lista está a ser liderada pela Alemanha, com 1,88 milhão de novos casos; (ii) entre os cinco primeiros da lista, estão ainda a França (1,16 milhão), Japão (1,13), Estados Unidos (1,05) e Taiwan (1,02). O Brasil (142 mil) está agora na 15ª colocação; e (iii) a lista dos países com mais mortes segue a ser liderada pelos Estados Unidos (9,9 mil); em seguida aparecem Alemanha (4 mil), Rússia (2,35), Itália (1,92) e França (1,86). O Brasil (1,63) está agora na 8ª colocação.

2. ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS: SEMANA 31/10-6/11.

Ontem (6/11), de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, foram registrados em todo o país mais 1.077 casos e 6 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 34.851.450 casos e 688.348 mortes.

Na semana encerrada ontem (31/10-6/11), foram registrados 26.584 casos e 256 mortes. Ambos caíram em relação aos números da semana anterior (24-30/10: 41.080 casos e 518 mortes).

3. O RITMO DA PANDEMIA EM TERRAS BRASILEIRAS.

Para monitorar de perto o ritmo e o rumo da pandemia, sigo a usar como guias as taxas de crescimento no número de casos e de mortes. Ambas literalmente despencaram – a ponto de deixar este observador desconfiado... Vejamos os resultados mais recentes.

A taxa de crescimento no número de casos caiu de 0,0169% (24-30/10) para 0,0109% (31/10-6/11) (ver a figura que acompanha este artigo) [4].

A taxa de crescimento no número de mortes, por sua vez, caiu de 0,0108% (24-30/10) para 0,0053% (31/10-6/11).

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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 27/2 e 6/11/2022. (Para resultados anteriores, ver aqui.)

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4. CODA.

As taxas de casos e mortes literalmente despencaram. Estes resultados, curiosamente, estão na contramão de matérias divulgadas pela imprensa, dias atrás, alertando para uma possível escalada no número de casos e, por extensão, no de mortes (e.g., aqui e aqui). (Após várias semanas de cobertura silenciosa e meramente burocrática, a grande imprensa tornou a falar da pandemia em tom de preocupação.)

É possível que, por algum motivo, as estatísticas que estou a usar (ver item 2) não estejam mais refletindo o que se passa no mundo real. Tal desconexão seria muito preocupante, para todos nós. Por seu turno, também não podemos abrir mão da hipótese de que as referidas matérias jornalísticas tenham sido fruto de uma cobertura enviesada ou parcial (e.g., a partir de estatísticas que não representam a situação do país). Não seria a primeira vez que a nossa imprensa estaria a incorrer neste tipo de erro.

Fato é que o sinal amarelo deve permanecer ligado. Máscaras e vacinas devem continuar na ordem do dia, sobretudo no interior de recintos fechados. (Lembrando que a vacina combate a doença, mas não impede o contágio. O que pode impedir o contágio é o uso correto de máscara facial.)

*

NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Como comentei em ocasiões anteriores, as estatísticas de casos e de mortes estão a seguir o painel Mapping 2019-nCov (Johns Hopkins University, EUA), enquanto as de altas estão a seguir o painel Worldometer: Coronavirus (Dadax, EUA).

[2] Os 20 primeiros países da lista podem ser arranjados em 11 grupos: (a) Entre 95 e 100 milhões de casos – Estados Unidos; (b) Entre 40 e 45 milhões – Índia; (c) Entre 35 e 40 milhões – França e Alemanha; (d) Entre 30 e 35 milhões – Brasil; (e) Entre 25 e 30 milhões – Coreia do Sul; (f) Entre 20 e 25 milhões – Reino Unido, Itália, Japão e Rússia; (g) Entre 15 e 20 milhões – Turquia (estatísticas congeladas há mais de duas semanas); (h) Entre 12 e 15 milhões – Espanha; (i) Entre 10 e 12 milhões – Vietnã e Austrália; (j) Entre 8 e 10 milhões – Argentina e Países Baixos; e (k) Entre 6 e 8 milhões – Taiwan, Irã, México e Indonésia.

[3] Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver os volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado, vols. 1-5 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver qualquer um dos três primeiros volumes.

[4] Para conferir os valores numéricos, ver aqui (entre 27/12/2021 e 26/6/2022) e aqui (semanas anteriores).

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05 novembro 2022

A Arca de Lula contra o Dragão da Maldade

F. Ponce de León

1.

A senadora Simone Tebet (MDB/MS) é comumente vista como uma parlamentar de centro ou centro-direita. De extrema-direita ela nunca foi. Embora tenha defendido (durante a campanha) ideias econômicas que eu condeno, parece ser uma pessoa agradável. Daquelas com quem a gente aqui na roça passaria a tarde inteira conversando – falando da vida, contando uns casos, comendo pastel de angu e bebendo uma cachaça. Tenho mais ou menos a mesma impressão em relação ao Geraldo Alckmin (PSB/SP).

2.

Um parêntesis. Há muita gente antipática e desagradável em todo canto, inclusive na vida pública (parlamentares, cantores, atores, futebolistas etc.). Seria impossível passar uma tarde inteira com esses chatos de galocha. E isso não tem a ver só com o espectro político. Conheço gente de esquerda, por exemplo, com quem seria difícil manter uma conversa por mais de três minutos.

3.

O bolsonarismo não é de direita; é de extrema-direita. Também não se trata de um movimento conservador, muito menos liberal; trata-se de um movimento reacionário, inerentemente destrutivo. Credos de extrema-direita se caracterizam por defender a destruição física dos adversários. (Neste sentido, aliás, não custa repetir: não há extrema-esquerda no país.)

4.

Lula, a julgar pelas pautas que defende, bem poderia ser classificado como um político de centro ou centro-esquerda. Para alguém que, no início da vida pública, se orgulhava de ser apolítico, como será que ele desenvolveu a sensibilidade e a lucidez que hoje o caracterizam? Para começar a entender essa história, devemos lembrar que Lula sempre conviveu com muita gente, incluindo gente inspiradora e de esquerda. (Poderia citar aqui alguns nomes admiráveis, mas vou evitar. Basta dizer que muitos desses anjos protetores ainda estão vivos e na luta.) A convivência, ao que tudo indica, fez bem ao presidente e também aos ativistas.

5.

Conversas e interações presenciais são fundamentais na vida em sociedade. Eis, portanto, o meu argumento: Conflitos e disputas políticas permanentes podem às vezes endurecer a pele e o coração, mas também afiam o discurso e alimentam o cérebro com argumentos. E eu diria mais: Diria também que essas interações, notadamente em um contexto de disputas internas permanentes e democráticas, funcionariam como sucessivas rodadas de seleção cultural, processo por meio do qual alguns argumentos vão sendo aperfeiçoados, enquanto outros vão sendo descartados [1]. Foi como um participante privilegiado desse tipo de processo que o presidente se converteu no grande contador de histórias e no exímio negociador que ele é hoje.

6.

O Partido dos Trabalhadores abriga tendências de esquerda, mas o partido como um todo já não é mais de esquerda. (Isso não é de hoje. E não foi um acidente. As mudanças no programa e na orientação do partido ocorreram há mais de 10 anos.) O PT é um partido grande, e é bom que o seja, mas o xis do problema é o seguinte: A política brasileira não está sendo pautada pela esquerda, pois a esquerda tão tem força para isso. Compreendo a situação, mas, sinceramente, lamento que seja assim. Seria bom e saudável para a nossa frágil democracia que nós tivéssemos uma esquerda mais afiada e mais sólida. (Neste ponto, minha receita seria a seguinte: menos stalinismo e mais democracia socialista [2].)

7.

Veja o rumo que as coisas devem tomar no próximo governo: Boa parte dos pragmáticos e dos espertalhões que embarcaram na Arca de Lula (incluindo liberais e conservadores de centro e de centro-direita) vai fazer de tudo para tomar o leme e adernar o barco. (A rigor, tem gente que já está tentando fazer isso. Veja, por exemplo, as notícias plantadas sobre a composição do ministério que estão a pipocar todos os dias na imprensa.)

Em suma, olhe em volta e veja aonde nós viemos parar, 37 anos após os primórdios da Nova República. Com o golpe de 2016 e os desastrosos seis anos que se seguiram, acho que muita coisa no país recuou (real ou simbolicamente) ao nível de 1985. Não foi a primeira vez que isso aconteceu em nossa história, o que me faz levantar a seguinte pergunta: Será que a sociedade brasileira, além de estar condenada a viver em um acampamento extrativista, estaria também condenada a empurrar morro acima, e indefinidamente, uma mesma e única rocha?

8.

Não sou lulista nem sou petista. O que vejo e sinto é apenas o seguinte: (1) Não há democracia fora do universo político (a vida política, claro, não se resume aos partidos); e (2) O PT, entre os partidos que de fato importam, é o único que tem uma proposta de país minimamente sólida e racional. Há partidos que sequer lidam seriamente com essa pauta. Além disso, entre os que lidam, há aqueles que pensam apenas e tão somente na manutenção desse grande acampamento de extrativismo que nos caracteriza.

9.

Pois é. No fim das contas, duas palavras-chaves que resumem bem a história do país são acampamento e extrativismo. Era assim em Ouro Preto e Diamantina, durante os séculos 17 e 18. E é assim hoje, seja em Roraima, Carajás ou Mato Grosso. Pessoalmente, acho inaceitável viver em uma das maiores economias do mundo e ver tanta gente passando fome e sentido frio, tanto esgoto a céu aberto, tanta sonegação fiscal, tanta ferrovia abandonada, tanta estrada esburacada etc. No meu campo de atuação, por exemplo, não me conformo com a baixa qualidade do nosso mercado editorial. Assim como não me conformo com a tibieza das nossas universidades. (Estou a falar de universidades públicas, pois as instituições particulares, com raras e notórias exceções, pouco ou nada valem. São apenas quitandas que vendem diplomas, pagam mal aos seus professores e pouco ou nada ensinam.)

10.

Os problemas do país, claro, não serão inteiramente corrigidos nos próximos quatro anos. Mas poderemos brigar para que haja avanços e melhorias. O que não seria possível caso o Dragão da Maldade saísse vencedor. E o motivo não é difícil de entender: A proposta da extrema-direita é exclusivamente parasitária e destrutiva.

Em resumo, eu diria o seguinte: A Arca de Lula conseguiu encurralar o Dragão da Maldade. Resta trabalhar duro para imobilizá-lo e, quem sabe, neutralizá-lo de vez.

*

Nota.

[1] O termo é usado aqui em razão das semelhanças que vejo com o processo de seleção natural. Para uma introdução ao estudo deste último processo, ver O que é darwinismo (Edição do Autor, 2019), de F. A. P. L. Costa.

[2] Para uma breve discussão sobre o assunto, ver, e.g., Trotski: Um estudo da dinâmica de seu pensamento (Zahar, 1980), de Ernest Mandel.

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03 novembro 2022

“Não é torcida. É matemática” – Monitorando a apuração e prevendo o resultado


1. O TAMANHO DO ELEITORADO.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, 155.756.933 brasileiros poderiam ter ido votar no segundo turno das eleições.

Não chegou a tanto. No domingo (30/10), compareceram e votaram 124.252.796 eleitores – algo como 79,8% do máximo possível.

Dos que compareceram, 118.552.353 eleitores produziram votos válidos. Outros 5.700.443 compareceram, mas não produziram votos válidos – foram 1,7697 milhão de votos brancos e 3,9308 milhões de nulos [1].

Dos 118.552.353 votos válidos, 60.345.999 (50,9% do total) foram dados ao candidato vitorioso; outros 58.206.354 (49,1%) foram dados ao candidato derrotado.

2. MONITORANDO A APURAÇÃO.

Em 2020, eu monitorei a apuração dos votos durante a eleição presidencial nos Estados Unidos. O monitoramento me permitiu prever com segurança e antecedência de alguns dias (bem antes, por exemplo, de qualquer manchete em nossa imprensa) não apenas a vitória de um dos candidatos, mas também a margem exata de votos que o vitorioso teria no colégio eleitoral [2].

Conforme relatei em artigo sobre o assunto publicado neste GGN (ver aqui), em 12/11/2020 (sem grifo no original):

“[L]ogo percebi que o percentual de votos destinados ao candidato democrata crescia à medida que aumentava o total de votos apurados [...]. E não era uma relação frouxa ou errática. Ao contrário, era uma relação estreita e consistente, a ponto de permitir que se calculasse como e quando o candidato democrata ultrapassaria o republicano. E não deu outra…”

Algo assim ocorreu aqui no domingo. Com a ressalva de que o processo de apuração por lá levou dias, enquanto aqui não foram necessárias mais do que duas horas até que se descobrisse o nome do candidato vitorioso.

Fazer previsões não é nenhum bicho de sete cabeças. Ou, como diria um amigo meu, falando a respeito de estatísticas e probabilidades eleitorais, “Não é torcida. É matemática”.

*


FIGURA. A estreita relação existente entre o percentual de votos apurados (eixo horizontal ou eixo x) e o percentual de votos destinados ao candidato vitorioso (eixo vertical ou eixo y). Note que o primeiro ponto é formado pelo par x = 9,44 e y = 47,91 (leia-se: de um total de 9,44% de votos apurados, 47,91% foram dados ao referido candidato). A linha preta que atravessa a nuvem de pontos indica a trajetória linear que melhor resume a relação entre as duas variáveis. Para fins de análise, dividi a nuvem em cinco grupos (etapas A-E). O triângulo que acompanha cada grupo visa ressaltar as particularidades que identifiquei em cada um deles, em especial o modo como cada grupo se destaca, ora acelerando, ora freando em relação à média geral (linha preta). Os valores numéricos que aparecem acima dos triângulos indicam a inclinação (em relação ao eixo x) da hipotenusa de cada triângulo. Quanto maior o índice, mais inclinada é a hipotenusa e, portanto, mais rapidamente os valores de y mudam em relação aos valores correspondentes de x. E e A foram as etapas mais rápidas, enquanto D e C foram as mais lentas. O encarte no canto inferior direito oferece um panorama geral da nuvem de pontos, com a sua linha média. A inclinação desta última é de 0,0292, um valor intermediário ao das etapas B e D.

*

3. VIRADA LENTA E INEXORÁVEL.

A figura que acompanha este artigo ilustra a trajetória da apuração. No âmbito da nossa conversa, duas coisas são dignas de nota. (1) Na maior parte do tempo, o candidato que viria a ser derrotado permaneceu à frente da disputa. Uma possível explicação para isso tem a ver com a ordem de divulgação dos resultados parciais (e.g., no início da apuração – na primeira metade, digamos – houve um predomínio de votos oriundos de regiões ou estados onde o candidato derrotado teve relativamente mais votos).

Para fins de análise, porém, o ponto mais importante aqui é o seguinte: O candidato que ao final se revelaria vitorioso estava em trajetória ascendente desde o início (diga-se: ao menos desde x = 9,44%) (ver a figura que acompanha este artigo). Além disso, dentro dessa ‘trajetória de ascensão permanente’, é possível identificar alguns ‘surtos de aceleração’. Esses surtos seriam decorrentes da computação de votos oriundos de regiões ou estados onde o candidato vitorioso ganhou por margens bem superiores à sua média nacional.

Considere, por exemplo, o que houve nas etapas A e C indicadas na figura que acompanha este artigo. Na etapa A, o percentual de votos dados ao candidato vitorioso cresceu muito mais rapidamente do que na etapa C. Seguramente por que, durante a etapa A, estavam a ser computados votos oriundos de regiões onde o candidato vitorioso tinha uma vantagem bem superior à sua média nacional [3].

4. CODA.

Pouco depois de a apuração ter se iniciado (digamos, ao menos por volta de x = 9,44%), foi se tornando cada vez mais claro e evidente que o resultado final da eleição era um alvo fixo e previsível.

Ao contrário do que foi dito em algumas matérias publicadas na imprensa (e.g., aqui e aqui), o resultado da eleição nada teve de espetaculoso ou imprevisível. Ao contrário, conforme tentei mostrar neste artigo, a trajetória da apuração não exibiu qualquer ‘sobe e desce’ nem se assemelhou a uma ‘caminhada de bêbado’.

É fato que o candidato que se revelaria vitorioso permaneceu muito tempo atrás. Mas não era difícil perceber que o percentual do candidato estava a crescer – e a crescer sem parar – à medida que a apuração avançava. Em tais circunstâncias, a virada é praticamente inevitável. Torna-se, portanto, algo bastante previsível [4]. Em outras palavras: Depois que as urnas se fecham e a apuração tem início, tudo se resume a fazer algumas contas.

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NOTAS.

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[1] Não vem ao caso discutir isso aqui, mas desconfio que boa parte dos votos nulos é fruto de erros involuntários.

[2] Lembrando apenas que o sistema eleitoral nos EUA, além de ter uma apuração bem mais lenta, resulta em um processo de escolha bem menos democrático que o brasileiro.

[3] Por exemplo, o candidato vitorioso ganhou em MG, BA e PI. Porém, (1) No Piauí e na Bahia, os percentuais de votos dados a ele foram bem superiores ao de Minas Gerais; e (2) O número de eleitores do PI é bem inferior ao de MG, de sorte que o peso relativo deste último estado na construção da média nacional é bem superior ao do primeiro estado.

[4] Com apenas cerca de um quarto dos votos apurados, eu mesmo passei a tratar a virada como certa e inevitável. Ainda que as minhas primeiras estimativas (e.g., virada em 52%) tenham se revelado precipitadas. (A virada terminou ocorrendo com 68% dos votos apurados.)

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01 novembro 2022

O sonho


Édouard Detaille (1848-1912). La rêve. 1888.

Fonte da foto: Wikipedia.

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