Poesia Contra a Guerra
A história da humanidade se confunde com a história das guerras. Deveríamos lutar para que se confundisse apenas com a história da literatura.
31 maio 2016
30 maio 2016
A produção dos fatos científicos
Bruno Latour & Steve Woolgar
Quando examinamos a
construção dos fatos em um laboratório, apresentamos a organização geral da
instalação vista por um profano em ciência (capítulo 2). Mostramos como a
história de alguns sucessos do laboratório podia ser utilizada para explicar a
estabilização de um fato ‘duro’ (capítulo 3). Em seguida, analisamos alguns
microprocessos que intervêm na construção dos fatos, insistindo no paradoxo
contido na noção de fato (capítulo 4). Interessamo-nos, em seguida, pelos
indivíduos que trabalham no laboratório, tentando encontrar um sentido para
suas carreiras e buscando avaliar a solidez de suas produções (capítulo 5). Em
cada um desses capítulos definimos termos que se distinguem daqueles que os
cientistas, os historiadores, os epistemólogos e os sociólogos das ciências
empregam. Agora estamos prontos para resumir o que já tematizamos nos capítulos
anteriores, tentando relacionar de maneira mais sistemática os diferentes
conceitos utilizados. Vamos aproveitar para passar em revista alguns problemas
metodológicos abordados até agora. O leitor deve ter constatado, por exemplo,
que um problema maior surge de nossa afirmação de que a atividade científica é
feita da construção e da defesa de pontos de vista ficcionais, que, por vezes,
são transformados em objetos estabilizados. Se é assim, qual será o estatuto da
nossa própria construção da atividade científica?
[...]
Fonte: Latour, B. &
Woolgar, S. 1997 [1979]. A vida de
laboratório. RJ, Relume Dumará.
28 maio 2016
Queixas noturnas
Augusto dos Anjos
Quem foi que viu a minha
Dor chorando?!
Saio. Minh’alma sai
agoniada.
Andam monstros sombrios
pela estrada
E pela estrada, entre
estes monstros, ando!
Não trago sobre a túnica
fingida
As insígnias medonhas do
infeliz
Como os falsos mendigos
de Paris
Na atra rua de Santa
Margarida.
O quadro de aflições que
me consomem
O próprio Pedro Américo
não pinta...
Para pintá-lo, era
preciso a tinta
Feita de todos os
tormentos do homem!
Como um ladrão sentado
numa ponte
Espera alguém, armado de
arcabuz,
Na ânsia incoercível de
roubar a luz,
Estou à espera de que o
Sol desponte!
Bati nas pedras dum
tormento rude
E a minha mágoa de hoje é
tão intensa
Que eu penso que a
Alegria é uma doença
E a Tristeza é minha
única saúde.
As minhas roupas, quero
até rompê-las!
Quero, arrancado das
prisões carnais.
Viver na luz dos astros
imortais,
Abraçado com todas as
estrelas!
A Noite vai crescendo
apavorante
E dentro do meu peito, no
combate,
A Eternidade esmagadora
bate
Numa dilatação
exorbitante!
E eu luto contra a
universal grandeza
Na mais terrível
desesperação
É a luta, é o prélio
enorme, é a rebelião
Da criatura contra a
natureza!
Para essas lutas uma vida
é pouca
Inda mesmo que os músculos
se esforcem;
Os pobres braços do
imortal se torcem
E o sangue jorra, em
coalhos, pela boca.
E muitas vezes a agonia é
tanta
Que, rolando dos últimos
degraus,
O Hércules treme e vai
tombar no caos
De onde seu corpo nunca
mais levanta!
É natural que esse
Hércules se estorça,
E tombe para sempre
nessas lutas,
Estrangulado pelas rodas
brutas
Do mecanismo que tiver
mais força.
Ah! Por todos os séculos
vindouros
Há de travar-se essa
batalha vã
Do dia de hoje contra o
de amanhã,
Igual à luta dos cristãos
e mouros!
Sobre histórias de amor o
interrogar-me
É vão, é inútil, é
improfícuo, em suma;
Não sou capaz de amar
mulher alguma
Nem há mulher talvez
capaz de amar-me.
O amor tem favos e tem
caldos quentes
E ao mesmo tempo que faz
bem, faz mal;
O coração do Poeta é um
hospital
Onde morreram todos os
doentes.
Hoje é amargo tudo quanto
eu gosto;
A bênção matutina que
recebo...
E é tudo: o pão que como,
a água que bebo,
O velho tamarindo a que
me encosto!
Vou enterrar agora a
harpa boêmia
Na atra e assombrosa
solidão feroz
Onde não cheguem o eco
duma voz
E o grito desvairado da
blasfêmia!
Que dentro de minh’alma
americana
Não mais palpite o
coração – esta arca,
Este relógio trágico que
marca
Todos os atos da tragédia
humana! –
Seja esta minha queixa
derradeira
Cantada sobre o túmulo de
Orfeu;
Seja este, enfim, o
último canto meu
Por esta grande noite
brasileira!
Melancolia! Estende-me a
tua asa!
És a árvore em que devo
reclinar-me...
Se algum dia o Prazer
vier procurar-me
Diz a este monstro que eu
fugi de casa!
26 maio 2016
Ode written in the beginning of the year 1746
William Collins
How sleep the Brave, who sink to Rest,
By all their Country’s Wishes blest!
When Spring,
with dewy Fingers cold,
Returns to deck their hallow’d Mold,
She there shall dress a sweeter Sod,
Than Fancy’s
Feet have ever trod.
2.
By Fairy Hands their Knell is rung,
By Forms unseen their Dirge is sung;
There Honour
comes, a Pilgrim grey,
To bless the Turf that wraps their Clay,
And Freedom
shall a-while repair,
To dwell a weeping Hermit there!
24 maio 2016
Configuração eletrônica
Arigelinda Pereira da Costa & Paulo César W. Albuquerque
Chamamos de configuração eletrônica ou distribuição eletrônica de um átomo à
colocação dos elétrons deste átomo nos diversos níveis de energia em torno do
seu núcleo.
Tal distribuição obedece
às seguintes regras:
1. a colocação dos
elétrons se faz do nível de menor energia (n
= 1) para os níveis de maior energia (n
> 1);
2. cada nível só começa a
ser preenchido depois que o anterior já está completo – Princípio aufbau;
3. cada orbital acomoda,
no máximo, dois elétrons e estes têm [de] ter spins opostos – Princípio da
exclusão (Pauli);
4. dentro de cada nível
os subníveis têm energia crescente, na seguinte ordem:
s < p < d < f
5. dentro de um mesmo
subnível todos os orbitais têm a mesma energia;
6. elétrons, sendo cargas
de mesmo sinal, tendem a se colocar tão distantes quanto possível. Daí, em
orbitais de mesmo subnível, primeiro são colocados todos os elétrons α (spin
positivo) – Regra de multiplicidade máxima (Hund);
7. depois que todos os
orbitais do mesmo subnível estiverem semipreenchidos é que são colocados os
elétrons de spin negativo (elétrons β);
8. na distribuição
eletrônica em orbitais de um átomo qualquer, representam-se os subníveis
completos pelo símbolo do gás nobre correspondente entre colchetes.
35Br – 1s2/2s2
2p6/3s2 3p6 3d10/4s2 4p5
[Ar] 4s2
4p5
23 maio 2016
Frank Young, journalist
James H. McGillivray & James R. Echols
It’s seven-thirty in the evening. Frank Young
walks down the street. He stops at the corner of Jefferson Avenue and Sixth
Street. He goes into a building. It’s the Sheldon
Times Building.
Sheldon is a big city. About 485,000 people
live in this city. There are three important newspapers in Sheldon. The Times is the most important. The Times sells 260,000 papers every day.
The Times
appears on the streets of Sheldon every morning. Most of the people in the city
like this newspaper. They read it every day. The paper gives a good picture of
the news.
Frank Young is a journalist. He’s an editor. He
works for the Times. Let’s talk to
Frank about his job and about the Times.
“Good evening. I’m Frank Young. I’m an editor
of the Sheldon Times. I choose
articles for the paper. The most important news of the world goes on the front
page. There are other interesting articles on the inside pages. The news
articles give the facts. An editorial gives an opinion. I usually write an
editorial about the news each day.
“The Times
has many advertisements or ‘ads.’ It has several comic strips also. On Sundays
the comic strips are in color. The children like the comic strips very much.
“The Sheldon
Times is important to all the people. People read the paper to know the
news. A free press is very important to any country.”
21 maio 2016
Se eu fosse alguém ou mandasse
António Botto
Se eu fosse alguém ou
mandasse
Neste mundo de vileza,
Só pensava numa coisa
– Acabar com a pobreza.
Dar à vida outra feição
Mais igual, mais
repartida,
Seria o meu grande sonho,
A minha grande alegria,
E a cada boca num beijo
Dar o pão de cada dia.
Quem tem muito poderia
Ter menos um bocadinho
P’ra não haver tanto
pobre
A pedir no meu caminho.
Não ouvir o desalento
À noite pelas tabernas,
Nem haver gente com fome
Lutando para viver
Porque eu sou pobre
também
E não lhes posso valer.
Acabar com a miséria
Mãe do crime e da loucura
Seria ensinar a ler
Os vermes da sepultura.
Mas, cingido ao fatalismo
De uma luta desigual
O que há-de fazer um
triste
Que só chegou a
indigente?
– Renunciarmos a tudo
No futuro e no presente.
Não ouvir uma criança
Na tristeza de uma queixa
Fazer-nos sentir a morte
E o luto que ela nos
deixa;
Podermos dar num sorriso
A expressão da
felicidade;
Cada mortal possuir
A sua razão de ser,
– Assim gostava da vida
E gostava de viver.
19 maio 2016
17 maio 2016
A conferência de Asilomar
Nicholas Wade
Pelo menos uma nota de pé
de página na história da ciência será reservada para o encontro que teve lugar
de 24 a 27 de fevereiro de 1975, no centro de conferências de Asilomar, em
Pacific Grove, Califórnia. Asilomar é uma capela abandonada e emoldurada pelos
pinheirais que bordejam o oceano. Seus terrenos fazem parte da área de
hibernação para a população de borboletas-monarcas (Danaus archippus) da Costa Oeste dos Estados Unidos.
Não precisamente
monarcas, mas pelo menos paladinos em seu mundo especial, os diretores de
laboratórios de pesquisas e árbitros da moda científica afluíram a Asilomar de
todos os quadrantes do mundo: Inglaterra, Alemanha e França; Rússia, Japão e
Austrália; Canadá, Holanda, Itália, Bélgica, Suécia e Dinamarca.
Os noventa cientistas
americanos e cinquenta de outros países tinham-se reunido para discutir não as
implicações éticas ou a longo prazo da junção de genes, mas uma questão prática
específica: se os experimentos com ADN recombinante apresentavam ou não um
risco para a saúde dos pesquisadores ou do público em geral.
[...]
15 maio 2016
Carrego as estações
Carlos Felipe Moisés
Carrego as estações
comigo
e tenho as mãos cansadas.
No bolso esquerdo um
riacho murmura.
Ali, onde pequenas pedras
se acumulam,
uma canção exala seu
vapor,
depois se perde.
Jardins de primavera
circulam no meu corpo,
um céu de ouro verte seu
perfume
e um vento ignorado agita
suas asas.
Pasto de segredos,
mescla de memória e
desejo,
meu corpo caminha com a
chuva
(carrego as estações
comigo),
à procura do sonho de uma
nuvem fria.
Tantas folhas trago nos
braços
que um pássaro,
solidário, se oferece
para carregar as estações
comigo.
Do peito aberto os meus
jardins se vão
e o pássaro me ajuda (memória
e desejo) a semear meu
corpo.
Ali planto meus braços,
debaixo daquelas árvores
meus olhos ficam,
os pés, roídos pela
terra, penduro numa árvore
e o tronco multiplico em
cem pedaços –
lá vai, junto com as
pedras,
no bojo do riacho antigo.
E pois que carrego as
estações comigo,
os lábios deixo além, no
descampado,
e peço ao pássaro que
pelos cabelos atire
o que sobrou de mim
àquele mar onde me espera
a memória
e o desejo do tempo em
que não soube
carregar as estações
comigo.
13 maio 2016
O diagrama da vida
Daniel S. Halacy Jr.
O [biólogo] alemão Walter
Flemming descobriu que podia tingir aquela vaga mancha, avistada na célula por
Robert Brown cinquenta anos antes. O processo de tintura tornou visíveis
algumas coisas interessantes: no momento da divisão da célula, minúsculos
corpos em forma de filamento retorcido se alinhavam aos pares no núcleo
celular. Usou-se a palavra grega designativa de cor para descrever o processo,
e foi daí que esses corpúsculos passaram a chamar-se ‘cromossomos’, ou seja,
corpos coloridos.
Os cromossomos são
visíveis ao microscópio. Descobriu-se que os seres humanos possuem 48 deles,
dispostos aos pares – ou assim se acreditava até 1953, quando a cifra foi
corrigida para 46 (a não ser que a pessoa seja portadora de sério defeito
hereditário). Mas 46 ‘fatores’ parecia pouco para causar tudo quanto acontece
durante o desenvolvimento do indivíduo. Os pesquisaram começaram a inferir, sem
observar, o gene ou o diagrama da vida. Geneticistas americanos, entre os quais
Thomas Hunt Morgan e Hermann J. Muller, começaram a estudar a mosca-das-frutas
(que possui cromossomos bastante grandes) e a aprender que os genes são minúsculos
componentes de cromossomos.
Em 1869, o químico alemão
Friedrich Miescher isolou uma substância desconhecida no núcleo da célula,
chamando-a ‘nucleína’. Sessenta anos depois, o bioquímico americano W. M.
Stanley isolou uma linhagem do vírus do mosaico do tabaco, constituído não de
células, mas de fragmentos semelhantes aos cromossomos. Contendo a descoberta
de Miescher, o ácido nucleico, esse vírus podia fazer uma cópia de si mesmo no
interior da célula que invadia. Com o vírus do mosaico do tabaco, a ciência
quase isolou o gene. No decênio de 40, a revolução do ADN rebentou quando se
descobriu que o ácido nucleico levava em si informações que controlavam e
dirigiam o desenvolvimento da célula. Por volta do início da década de 50, as
conjecturas de Linus Pauling e a obra de Maurice Wilkins, James D. Watson e
Francis Crick conduziram à identificação e à descrição do próprio gene: a
milagrosa ‘hélice dupla’ de ácido desoxirribonucleico, a gigantesca molécula de
ADN.
[...]
12 maio 2016
Cento e quinze meses no ar
F. Ponce de León
Nesta quinta-feira, 12/5, o Poesia
contra a guerra completa nove anos e sete meses no ar. Ao longo desse
período, e até o fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue
registrou 293.011 visitas.
Desde o balanço anterior – Nove anos e meio no ar – foram publicados aqui
pela primeira vez textos dos seguintes autores: Aurélio B. H. Ferreira, Don
Bradshaw, Euphrase Kezilahabi, Ian Tattersall, John Losee, Manuel de Santa Maria Itaparica, Niles
Eldredge, Octavio Paz e Stéphane Mallarmé.
11 maio 2016
República Degenerativa do Brasil
F. Ponce de León
Encontramos, já no artigo primeiro da Constituição, o seguinte: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”.
Pois eis que, nesta ensolarada quarta-feira (11/5), o Senado Federal está a discutir a instalação de uma República Degenerativa do Brasil: um consórcio de piratas, sob patrocínio dos grandes pilhadores do ouro da terra, tomará de assalto o governo federal.
10 maio 2016
08 maio 2016
Hermandad
Octavio Paz
Soy hombre: duro poco
y es enorme la noche.
Pero miro hacia arriba:
las estrellas escriben.
Sin entender compreendo:
también soy escritura
y en este mismo instante
alguien me deletrea.
Fonte: Pinto, J. N. 2002. Solos do silêncio, 3ª edição. SP, Geração Editorial. Poema – em ‘Homenaje a Claudio Ptolomeo’ – publicado em livro em 1987.
06 maio 2016
O fabricante de ferramentas
Niles Eldredge & Ian Tattersall
Ao menos desde épocas clássicas, as pessoas se aperceberam
de que a propensão do homem a fabricar ferramentas o destacou do restante da
natureza. E embora hoje saibamos que a construção e o uso de artefatos, no
sentido mais estrito, não são nosso privilégio exclusivo, está claro que a
complexidade de nossa tecnologia, mesmo tal como se expressava nas sociedades
humanas mais primitivas, é inteiramente singular. Decerto, os chimpanzés limpam
e preparam galhos para ‘pescar’ cupins nos termiteiros. Os macacos cebídeos
usam pedras para abrir nozes. Os babuínos matam os escorpiões com pedras antes
de retirar-lhes os ferrões e comê-los; e até as lontras usam pedras para abrir
conchas. Mas esse tema obscuro, por mais que tenha sido considerado importante,
é basicamente de interesse acadêmico. Somente o homem se distingue não apenas
pela riqueza e variedade das ferramentas que fabrica – e das coisas que produz
com essas ferramentas – mas também pelo fato de que se tornou dependente de
suas ferramentas para sua própria sobrevivência.
04 maio 2016
Lançamento
02 maio 2016
A mão, o muro, o mundo
José Tolentino Mendonça
A mão preferida pelo
silêncio
evoca sobre o muro
um alfabeto sem vincos
não é mão é uma luz que
sobe pela colina
um atalho entre as
estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita
contra a noite
na enseada
A mão preferida pelo
silêncio
folheia o livro dos
incêndios
torna-se
irremediavelmente suja
sobre o muro traça os
vincos
os primeiros versos
A mão preferida pelo
silêncio
não conhece repouso
quando atravessa a noite
da enseada
é a mão trêmula
pobre
assinalada pela escassez
extrema dos nomes