Marcelo R. L. Oliveira
Melhor seria, talvez,
Ficar quieto no meu canto,
Deixar em paz as palavras
Onde elas dormem. No entanto,
Não sei por que, companheira,
Vou mexer nessa abelheira
De prazer, desgosto e espanto.
E por isso eu peço ajuda,
Feito os poetas antigos,
Aos deuses da velha Grécia:
Protejam-me dos perigos.
Não permitam que estes versos,
No vácuo, fiquem dispersos.
Sejam hoje meus amigos.
Ártemis, Posêidon, Ares,
Dioniso, Afrodite, Zeus,
Hefesto, Deméter, Hera,
Invoco os poderes seus.
Hermes, traga-me do Olimpo
Um lirismo claro e limpo.
Ilumine os versos meus.
Ó deuses de engenho e arte:
Apolo, Palas Atena
E as helenas musas belas,
Conduzam a minha pena.
Transformem num epopeia
Esse arremedo de ideia,
Essa inspiração pequena.
Mas ai de mim... Eu não creio
Que um deus grego sobranceiro
Deixará, um só instante,
O monte Olimpo altaneiro;
Nem, tampouco, a companhia
Do néctar e da ambrosia
Por um vate brasileiro.
Recordo-me, então, dos Vedas.
Que a fogueira de Agni, viva,
Incendeie o pensamento.
Parvati, Ganesha e Shiva,
Por favor, lancem das índias
Para as terras ameríndias,
Uma centelha criativa.
Se, contudo, não quiserem,
Eu peço ajuda a Iansã
E a todos os orixás:
Xangô, Iemanjá, Nanã...
Tendo sorte, aqui bem perto,
Acharei o amparo certo
Na figura de Tupã.
Mas ai de mim que não creio...
Nem Alá, caros irmãos,
Se importará. Nem Javé.
Julgarão meus versos vãos.
E também não farei jus
Às mercês desse da cruz,
O deus triste dos cristãos.
E quanto aos seres da mata?
Avisto tão bela e rara,
A mãe-d’água no riacho.
Ó vós, que sois linda e cara,
E ostentais cabelos verdes...
Chamo-vos para saberdes
De meu desamparo, Uiara.
Qual o quê. Ela nem liga.
Inda bem! É muito cedo
Para ir-me de afogado.
Deus me livre! Eu tenho medo...
Curupira... Pererê...
Mapinguari, e você?
Queda em silêncio o arvoredo.
Não seria, aqui, o caso
De convocar Belzebu
E as hordas que o acompanham?
Mas, no inferno, o Cafuçu
Estará muito ocupado
Recebendo um condenado
Do bico de um urubu.
Apelo, enfim, aos cientistas.
(O tema aqui é ciência.)
Ampliem a consciência
Deste que os leu e releu
(Porém, nem tudo entendeu)
Com cuidado e paciência.
Rutherford, Bohr, Heisenberg,
Auxiliem este que ergue
A voz suplicante e teme
Apontar, bem firme, o leme
Direto para o iceberg.
Mas ai de mim... Eu não creio
Que deuses, almas, demônios
Deixarão seus afazeres
Em prol desses meus axônios;
Deste despojado bardo,
Humilde, indeciso, tardo.
Dependo de meus neurônios.
Agirão como eu desejo?
Queria o lampejo fino
Dos melhores cantadores
(A fineza, a verve e o tino);
De seus versos, ter o ritmo;
E no peito, o biorritmo
De um coração nordestino.
Leandro Gomes de Barros,
Cego Aderaldo e seus pares,
E outros tantos luminares
Do mesmo departamento...
Quisera ter o talento
Dos poetas populares.
Melhor seria, talvez,
Ficar quieto no meu canto,
Deixar em paz as palavras
Onde elas moram. No entanto
Já decidi, companheiro,
Mexerei nesse vespeiro,
Reduto de horror e encanto.
Fonte: Oliveira, M. R. L. 2019. A Grande Explosão: Fragmentos. Guaratinguetá, Penalux. O trecho acima – ‘Introdução’ – corresponde a uma das 18 partes que formam o poema épico ‘A Grande Explosão’.