28 fevereiro 2020

A Grande Explosão: Introdução

Marcelo R. L. Oliveira

Melhor seria, talvez,
Ficar quieto no meu canto,
Deixar em paz as palavras
Onde elas dormem. No entanto,
Não sei por que, companheira,
Vou mexer nessa abelheira
De prazer, desgosto e espanto.

E por isso eu peço ajuda,
Feito os poetas antigos,
Aos deuses da velha Grécia:
Protejam-me dos perigos.
Não permitam que estes versos,
No vácuo, fiquem dispersos.
Sejam hoje meus amigos.

Ártemis, Posêidon, Ares,
Dioniso, Afrodite, Zeus,
Hefesto, Deméter, Hera,
Invoco os poderes seus.
Hermes, traga-me do Olimpo
Um lirismo claro e limpo.
Ilumine os versos meus.

Ó deuses de engenho e arte:
Apolo, Palas Atena
E as helenas musas belas,
Conduzam a minha pena.
Transformem num epopeia
Esse arremedo de ideia,
Essa inspiração pequena.

Mas ai de mim... Eu não creio
Que um deus grego sobranceiro
Deixará, um só instante,
O monte Olimpo altaneiro;
Nem, tampouco, a companhia
Do néctar e da ambrosia
Por um vate brasileiro.

Recordo-me, então, dos Vedas.
Que a fogueira de Agni, viva,
Incendeie o pensamento.
Parvati, Ganesha e Shiva,
Por favor, lancem das índias
Para as terras ameríndias,
Uma centelha criativa.

Se, contudo, não quiserem,
Eu peço ajuda a Iansã
E a todos os orixás:
Xangô, Iemanjá, Nanã...
Tendo sorte, aqui bem perto,
Acharei o amparo certo
Na figura de Tupã.

Mas ai de mim que não creio...
Nem Alá, caros irmãos,
Se importará. Nem Javé.
Julgarão meus versos vãos.
E também não farei jus
Às mercês desse da cruz,
O deus triste dos cristãos.

E quanto aos seres da mata?
Avisto tão bela e rara,
A mãe-d’água no riacho.
Ó vós, que sois linda e cara,
E ostentais cabelos verdes...
Chamo-vos para saberdes
De meu desamparo, Uiara.

Qual o quê. Ela nem liga.
Inda bem! É muito cedo
Para ir-me de afogado.
Deus me livre! Eu tenho medo...
Curupira... Pererê...
Mapinguari, e você?
Queda em silêncio o arvoredo.

Não seria, aqui, o caso
De convocar Belzebu
E as hordas que o acompanham?
Mas, no inferno, o Cafuçu
Estará muito ocupado
Recebendo um condenado
Do bico de um urubu.

Apelo, enfim, aos cientistas.
(O tema aqui é ciência.)
Darwin, Schrödinger, Curie,
Ampliem a consciência
Deste que os leu e releu
(Porém, nem tudo entendeu)
Com cuidado e paciência.

Feynman e Mendeleiev,
Rutherford, Bohr, Heisenberg,
Newton, Einstein, Galileu,
Auxiliem este que ergue
A voz suplicante e teme
Apontar, bem firme, o leme
Direto para o iceberg.

Mas ai de mim... Eu não creio
Que deuses, almas, demônios
Deixarão seus afazeres
Em prol desses meus axônios;
Deste despojado bardo,
Humilde, indeciso, tardo.
Dependo de meus neurônios.

Agirão como eu desejo?
Queria o lampejo fino
Dos melhores cantadores
(A fineza, a verve e o tino);
De seus versos, ter o ritmo;
E no peito, o biorritmo
De um coração nordestino.

Leandro Gomes de Barros,
Cego Aderaldo e seus pares,
E outros tantos luminares
Do mesmo departamento...
Quisera ter o talento
Dos poetas populares.

Melhor seria, talvez,
Ficar quieto no meu canto,
Deixar em paz as palavras
Onde elas moram. No entanto
Já decidi, companheiro,
Mexerei nesse vespeiro,
Reduto de horror e encanto.

Fonte: Oliveira, M. R. L. 2019. A Grande Explosão: Fragmentos. Guaratinguetá, Penalux. O trecho acima – ‘Introdução’ – corresponde a uma das 18 partes que formam o poema épico ‘A Grande Explosão’.

26 fevereiro 2020

Battle-Hymn of the Republic

Julia Ward Howe

Mine eyes have seen the glory of the coming of the Lord:
He is trampling out the vintage where the grapes of wrath are stored;
He hath loosed the fateful lightning of His terrible swift sword:
                        His truth is marching on.

I have seen Him in the watch-fires of a hundred circling camps;
They have builded Him an altar in the evening dews and damps;
I can read His righteous sentence by the dim and flaring lamps.
                        His day is marching on.

I have read a fiery gospel, writ in burnished rows of steel:
“As ye deal with my contemners, so with you my grace shall deal;
Let the Hero, born of woman, crush the serpent with his heel,
                        Since God is marching on.”

He has sounded forth the trumpet that shall never call retreat;
He is sifting out the hearts of men before His judgment-seat:
Oh! be swift, my soul, to answer Him! be jubilant, my feet!
                        Our God is marching on.

In the beauty of the lilies Christ was born across the sea,
With a glory in His bosom that transfigures you and me:
As He died to make men holy, let us die to make men free,
                        While God is marching on.

Fonte (estrofe 1): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 4. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em 1862.

24 fevereiro 2020

Não perdem por esperar

José Carlos Limeira

Um dia depois do show
Ela vai descer do palco
E jogar a sandália dourada incoerente
Na lixeira do camarim

Vai lavar o henê do cabelo
E ver o próprio tão belo
Que quando o empresário
Chegar vai ficar desesperado

E ela calmamente pode dizer:
Tá precisando de mulata meu bem?
Pinta tua mãe de preto!

Fonte: Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema publicado em livro em 1978.

22 fevereiro 2020

Cavalgada

José Hélder de Souza

Para Maria Neide

– Que te dizia o vento sibilante
ao cavalgares pela praia para o Leste
ao triste som das ondas ululantes?

– Assuntos de amores, saudades...

– Aonde ias a cavalo galopando
pela praia, rumo ao Leste, ao som
dos ventos e das ondas ululantes?

– Aos morros do Capuí, suleste da Fortaleza,
a rever formosa e sossegada noiva,
moça inupta à espera de marido.

– E as ondas as fulvas algas rebolando
na branca areia, que te diziam, quando ias
a cavalo pela praia rumo ao suleste?

– Davam-me leito de sargaços odoríficos
para, aconchegando a noiva ao peito,
tê-la, amoroso e terno, como esposa.

– E agora, rumo Oeste, cavalgando o tempo,
aos ventos soltos encanecidos cabelos,
que te dizem os uivantes ares
e, a rugir, as marinheiras vagas?

– Falam-me de saudade os estos do mar,
de esvaída visão da noiva nua
sobre a praia, por entre algas oloríferas,
nada mais, nesta senda rumo ao sol poente.

Fonte (estrofes 1 e 2): Horta, A. B. 2003. Sob o signo da poesia. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1998.

20 fevereiro 2020

Tempestade no mar


Pieter Mulier de Jonge (1637-1701). Storm op zee. 1690.

Fonte da foto: Wikipedia.

18 fevereiro 2020

Ciência e vida privada

Londa Schiebinger

Talvez a pior coisa que uma mulher que exerce uma carreira pode fazer é casar-se com um homem que exerce uma carreira. Para muitos homens o casamento é uma nítida vantagem: homens casados, com famílias, em média ganham mais dinheiro, vivem mais e progridem mais rapidamente em suas carreiras do que homens solteiros.  Para uma mulher que trabalha, uma família é um encargo importuno, uma bagagem extra que ameaça obstruir sua carreira. Embora as mulheres ainda vivam por mais que os homens, combinar as responsabilidades incompatíveis de trabalho e família pode ser prejudicial à saúde de uma mulher. Mulheres que trabalham e que têm três ou mais filhos têm um risco maior de doenças do coração do que mulheres sem filhos.

Fonte: Schiebinger, L. 2001 [1999]. O feminismo mudou a ciência? Bauru, Edusc.

16 fevereiro 2020

Vigília do companheiro morto



Como o companheiro é morto,
todos juntos morreremos
um pouco.

O valor das nossas lágrimas
sobre quem perdeu a vida
não é nada.

Amá-lo, nesta tristeza,
é suspirar em floresta
imensa.

Por fidelidade reta
ao companheiro perdido,
que nos resta?

Deixar-nos morrer um pouco,
todos juntos, por aquele
que é morto.

Fonte (estrofe 2): Ferreira, A. B. H. 2009. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 4ª ed. Curitiba, Positivo. Versão algo diferente foi publicada em livro em 1955.

15 fevereiro 2020

Treze anos e quatro meses no ar

F. Ponce de León

No último dia 12/2, o Poesia contra a guerra completou 13 anos e quatro meses no ar. Desde o balanço anterior – ‘Treze anos e três meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: A. V. Hill, José da Silva Lisboa, Rémy Chauvin e Roberto Bellarmino. Além de outros que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Anton Raphael Mengs e Charles Le Brun.

09 fevereiro 2020

A afetividade

Rémy Chauvin

Esse termo pode ser acusado de antropomorfismo, a menos que o definamos de maneira objetiva. Segundo Harlow, ele seria praticamente sinônimo de apego (attachment), mensurável pelo tempo passado em contato com o corpo de um congênere. Não há necessidade de chamar a atenção para as possíveis comparações com o homem. Estamos aqui, com efeito, em um nível muito pouco elevado de comportamento, no qual os mecanismos cerebrais superiores só intervêm ligeiramente: salvo quando o homem se compraz em tecer fabulações sobre essas tendências primitivas e em camuflá-las sob os ouropéis da linguagem!

O desenvolvimento das tendências afetivas pode começar muito cedo e é por isso que certo número de autores se indagou se o filhote ainda no útero já não pode sofrer a influência das diversas agressões que atingem sua mãe.

Fonte: Chauvin, R. 1977 [1975]. A etologia. RJ, Zahar.

08 fevereiro 2020

Dilema ético

A. V. Hill

O dilema é este. Todos os impulsos da humanidade decente, todos os ditames da religião e todas as tradições da medicina insistem em que o sofrimento deve ser aliviado, as doenças curáveis curadas, doenças evitáveis evitadas. A obrigação é considerada incondicional: não se permite alegar que o sofrimento é devido à tolice, que as crianças não são desejadas, que a família do paciente seria mais feliz se ele morresse. Tudo isso pode ser verdadeiro; mas aceitá-lo como norma de ação levaria à degradação dos padrões de humanidade com os quais a civilização ficaria permanente e indefinidamente mais pobre.

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Nacional & Edusp. Excerto de artigo publicado em 1952. (A. V. Hill: Archibald Vivian Hill [1886-1977].)

05 fevereiro 2020

Meu país desgraçado


Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas...

Meu país desgraçado!...
Porque fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
– busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
– olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1947.

03 fevereiro 2020

O chanceler


Charles Le Brun (1619-1690). Le chancelier Séguier. 1660.

Fonte da foto: Musée du Louvre.

01 fevereiro 2020

Dos primórdios ao Fanerozoico


Até o início do século 20, a história geológica da Terra era representada por uma escala formada de segmentos empilhados, cada um correspondendo a uma camada estratigráfica. Com a invenção dos métodos de datação, a escala de tempo geológico passou a associar as camadas estratigráficas a uma sequência cronológica de intervalos de tempo, cada um deles definidos em função de eventos notáveis na história do planeta, como as mudanças periódicas na composição dos restos fósseis.

A União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS, na sigla em inglês) tem um grupo de trabalho encarregado de preparar e divulgar versões atualizadas da escala de tempo geológico. A escala da IUGS é organizada em níveis hierárquicos, incluindo éon, era, período e época. Um éon é subdividido em eras; a era, em períodos; e o período, em épocas.

Gradstein et al. (2004) listam seis éons [1], a saber:

(1Gênese (4,56-4,51 bilhões de anos atrás, Gaa), abrangendo as fases de acreção (leia-se: crescimento por agregação de material vindo de fora) e diferenciação;

(2Hadeano (4,51-3,85 Gaa), durante o qual a Terra foi alvo frequente de impactos, como o que deu origem à Lua;

(3Arqueano (3,85-2,6 Gaa);

(4Transição (2,6-2,3 Gaa), durante o qual a crosta atual se formou;

(5Proterozoico (2,3-0,542 Gaa); e

(6Fanerozoico (de 0,542 Gaa para cá), notável pela abundância de fósseis.

O Fanerozoico, com seu rico e diversificado acervo de fósseis, é subdividido em três eras: Paleozoico (0,542-0,251 Gaa), Mesozoico (0,251-0,0655 Gaa) e Cenozoico (de 0,0655 Gaa em diante).

Tudo o que se passou antes do Cambriano (0,542-0,488 Gaa), nome dado ao primeiro período da era paleozoica, é habitualmente referido como Pré-Cambriano. A designação abrange uns 87% de toda a história da Terra, desde a fase de acreção e diferenciação até a chamada explosão cambriana, marcada pelo repentino aparecimento de fósseis de inúmeros grupos animais.

A Terra pré-biótica

As mais antigas evidências da presença de seres vivos foram encontradas em rochas do início do Arqueano, com uma idade estimada em 3,8 Ga. Levando em conta que a Terra foi formada há 4,56 Ga, podemos dizer que o planeta esteve desocupado durante menos de 800 milhões de anos. É possível que novos achados abreviem ainda mais esse intervalo. Não há dúvida, porém, de que houve um período pré-biótico mais ou menos prolongado e durante o qual o planeta esteve desabitado.

Na ausência de seres vivos, a história do planeta foi governada tão somente pelas leis da física e da química – mais ou menos como estaria a ocorrer atualmente em outras partes do Sistema Solar. As leis ordinárias do mundo inanimado, claro, ainda estão em vigor por aqui. O que ocorre é que, na presença de seres vivos, o curso de vários processos é acelerado ou, de algum outro modo, modificado; além disso, surgem processos novos. O acúmulo de oxigênio na atmosfera terrestre é um exemplo disso.

O xis da questão é que os seres vivos não são espectadores passivos do que se passa à sua volta. Em maior ou menor extensão, todos eles estão a alterar o lugar onde vivem. Assim é que, no cômputo final, boa parte daquilo que nós chamamos de paisagem natural decorre da ação ou da simples presença de seres vivos.

Coda

A história da vida tem se caracterizado pela proliferação, irradiação e extinção de linhagens. Algumas estimativas sugerem que o total de espécies viventes – algo entre 5 milhões e 50 milhões de espécies – corresponderia a menos de 1% de todas as espécies que já teriam vivido na Terra. O planeta, portanto, já teria sido povoado por algo entre 500 milhões e 5 bilhões de espécies – talvez mais. São números impressionantes, a respeito dos quais nós ainda temos muito a aprender.

A mensagem final é esta: datando o passado da Terra, foi possível não só situar a ordem dos eventos, mas também fixar os intervalos de tempo transcorridos entre eles. A obtenção de dados cronológicos e a construção de escalas de tempo absoluto permitiram sedimentar o quadro geral que tem sido usado na elaboração das modernas árvores filogenéticas (ver artigo ‘Reconstituindo filogenias’).

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Notas

[*] Artigo extraído e adaptado do livro O que é darwinismo (2019). (A versão impressa contém ilustrações e referências bibliográficas.) Para detalhes e informações adicionais sobre o livro, inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato com o autor pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Para detalhes, ver Gradstein, F & mais 4. 2004. A new Geologic Time Scale, with special reference to Precambrian and Neogene. Episodes 27: 83-100.

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