16 setembro 2024

Descanso


Ernest Ange Duez (1843-1896). En repos. 1891.

Fonte da foto: Wikipedia.

14 setembro 2024

Mutilação genital

Desmond Morris

A razão médica dada em favor da remoção do prepúcio é que tal operação elimina certos perigos (extremamente raros) de doença. Estes só ocorrem, porém, se o adulto não mutilado deixa de manter o pênis razoavelmente limpo pelo simples ato de puxar para trás o prepúcio e lavar a ponta do membro. Se isso é feito regularmente, não há, de acordo com as autoridades médicas, maior risco para um circunciso do que para um não circunciso. Já que a grande maioria das remoções de prepúcio não é realizada por motivos religiosos, e já que quase não vale a pena considerar os fundamentos médicos, a verdadeira razão dos milhares de mutilações sexuais causadas em bebês a cada ano continua sendo um mistério. Considerada recentemente por um médico norte-americano como ‘o estupro do falo’, parece ser um remanescente do nosso distante passado cultural. Desde tempos remotos é um hábito comum na maioria das tribos africanas e foi adotado pelos antigos egípcios, cujos sacerdotes-médicos faziam questão que nenhum macho de respeito retivesse seu prepúcio. Por causa do estigma social ligado ao prepúcio, os judeus adotaram dos egípcios o ritual da circuncisão e o fizeram ainda mais obrigatório para os fiéis da sua religião. Ao tornar-se uma ‘lei’ religiosa ou social, a significação original da operação já tinha sido esquecida, e não é fácil hoje em dia remontar à fonte. Mesmo entre as tribos africanas, onde faz parte das complexas cerimônias de iniciação, é conhecida como ‘o costume’, porém várias explicações foram dadas por modernos pesquisadores. Uma hipótese diz que o prepúcio era considerado um atributo feminino, presumivelmente porque cobria a cabeça do órgão masculino da mesma forma que os lábios vulvares cobrem a abertura genital feminina. Pelo mesmo argumento, o clitóris da fêmea era considerado um órgão masculino, de modo que quando meninos e meninas chegavam à maturidade sexual ficavam mais conformes seu sexo quando se lhes extraíam os ofensivos atributos do sexo oposto.

Fonte: Morris, D. 1974. Comportamento íntimo. RJ, José Olympio.

13 setembro 2024

Pair relations within group life

Yoshiaki Itô

Early man probably lived in groups in which sexual relations were not constant but, contrary to the idea of primitive promiscuity expressed by L. H. Morgan and F. Engels, the monogamous relation might have been established for a sufficiently long time subsequently to permit the development of prolonged parental care. This is supported by the investigation of present-day primitive societies of man. If this was the case when did the conflict between the family and the group explicit in the proposition of Espinas disappear? The gorilla with a strong polygynous tendency does not form a multi-male group while the chimpanzee that forms large groups shows no fixed pair relations. To provide for young for an extended period of parental care without the participation of the male, the female chimpanzees have had to develop post-parturition anoestrus of at least three years […]. This is accompanied by a lowering of the intrinsic rate of natural increase, r, of the population. The key to the success of man might have been the duality of group life and monogamous life which prevented the lowering of r. How this was made possible is still unknown, but if would be interesting in this connection to re-examine the society of the wolf which maintains pair relations within group life – including adoption and nursing of puppies from different families within the group.

Fonte: Itô, Y. 1980 [1978]. Comparative ecology. Cambridge, CUP.

12 setembro 2024

17 anos e onze meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quinta-feira, 12/9, o Poesia Contra a Guerra está a completar 17 anos e onze meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘17 anos e dez meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: John Ashbery, Karl Marx, Leonard B. Kirschner, Matthew Prior, Philip Henry Gosse e Stanislav Andreski. Além de material de autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes artistas: Georges Clairin e Jean Baptiste Benjamin Constant.

11 setembro 2024

O ar puro do inferno

F. Ponce de León

Não, não estamos no verão. Estamos em setembro, o último mês do inverno. No fim do mês, terá início a primavera e aí, três meses depois, no fim de dezembro, terá início o verão. Sim, o verão só começa em dezembro.

Todo ano é a mesma coisa: verão (dezembro a março), outono (março a junho), inverno (junho a setembro) e primavera (setembro a dezembro). E daí é verão de novo e o ciclo recomeça. Não fui eu quem inventou isso. É assim há milhares de anos.

Um parêntesis: o verão de 2025 promete! Sim, a julgar pelos patrocinadores conhecidos – e.g., petroleiras (Shell, Exxon, BP, Petrobras etc.) e o agronegócio (soja, cana-de-açúcar, gado etc.) –, a temporada de esportes radicais na TV vai ser quente. Alguns recordes históricos deverão ser quebrados.

Mas, voltemos ao tema principal.

O AR PURO DE SÃO PAULO.

Ontem, 10/9, pelo segundo dia consecutivo, a cidade de São Paulo foi notícia no mundo todo. O motivo? A pureza do ar. Além dos meandros fluviais ajardinados que emolduram a cidade, eis que o ar puro é agora também tema para as redações escolares.

Não foi fácil chegar até aqui. Muita árvore tóxica e perigosa teve de ser destruída. Muita vegetação ribeirinha e muitos quintais de terra tiveram de ser cimentados. Muito campo de terra teve de virar centro comercial. Não foi acidente nem foi da noite para o dia. Foi um trabalho miúdo, silencioso, deliberado. E muita gente colaborou.

Todavia, embora muitas pessoas físicas tenham participado do negócio, não há como negar que as grandes empresas (públicas ou privadas, nacionais ou multinacionais) assumiram para si a parte mais pesada do empreendimento. Quem não interveio diretamente, ajudou no patrocínio. Assim, para ser justo, caberia mencionar aqui ao menos alguns dos setores que mais se destacaram.

Tivemos, por exemplo, a Febraban, sempre tão preocupada com o bem-estar da nossa população em situação de rua. E mais: a Fiesp e a indústria da construção civil, incluindo a nobre indústria do cimento; as imobiliárias e os cartórios; as petroleiras, as redes de postos de gasolina e a querida indústria automobilística, pioneira no uso da mão de obra que nunca faz greve. Por último, mas não menos importante, caberia um lugar de honra aos ilusionistas de dupla jornada – aquela turma boa e bonita que de dia ganha dinheiro na bolsa de valores e, à noite, dita os juros do Banco Central e a pauta dos nossos premiadíssimos veículos de imprensa (Folha, Estadão, Veja etc.).

Parabéns e obrigado a todos pelo trabalho.

CODA.

O ar puro da cidade de São Paulo é hoje uma demonstração cabal de que os programas de modernização da pilhagem, iniciados lá atrás, ainda no primeiro governo FHC (1995-1998), o mais intrépido e visionário dos presidentes que este país já teve, deram mais do que certo. Outras metrópoles brasileiras já estão atrás da fórmula paulistana.

De resto, pensando ainda na cidade de São Paulo, uma notícia de última hora: com a ajuda do governo do estado, alguns dos mais valorosos e altruístas praticantes da pilhagem – bancos de investimentos e casas de apostas – já estão a articular o próximo passo. Vem aí a modernização da saúde mental dos paulistanos. Sim, vem aí a eleição do próximo prefeito – que tal, por exemplo, eleger um sujeito que ouve Sartre enquanto corre 15 km em uma esteira ou alguém que ouve Simone de Beauvoir enquanto espanca uma prostituta?

É isso aí. O inferno está chegando e a cidade de São Paulo quer ficar com a maior fatia.

* * *

09 setembro 2024

Caminho

Camilo Pessanha

I

Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto

Que choramos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar d’encher a alma.

Fonte (última estrofe): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª ed. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em 1920.

08 setembro 2024

Water and ions

Leonard B. Kirschner

It is commonly believed that living cells developed in the ocean, although it is impossible to obtain unequivocal evidence for this. Whatever the ancestral home, it seems likely that the basic chemical composition of cells has been stable through a billion or more years of evolution. The major osmotically active intracellular cation in most animal, plant, and microbial cells is K+, with Na+ and Cl– ions present at lower, usually much lower concentration. The main anionic component is polyvalent protein with some charge contributed by smaller organic anions like ATP.

Fonte: Kirschner, L. B. 1991. In: Prosser, C. L. ed. Environmental and metabolic animal physiology. NY, Wiley.

06 setembro 2024

Omphalos

Philip Henry Gosse

Já se demonstrou que, sem uma única exceção, o todo dos vastos reinos animal e vegetal deve ter sido criado – Atenção! Não digo pode ter sido e sim deve ter sido criado – segundo o princípio de um desenvolvimento pré-crônico, com registros distintamente investigáveis. Foi a lei da criação orgânica.

Pode-se argumentar que supor que o mundo foi criado com esqueletos fósseis em sua crosta – esqueletos de animais que na realidade nunca existiram – é acusar o Criador de haver formado objetos cujo único propósito era enganar-nos. A resposta é óbvia. Os anéis concêntricos de uma árvore criada foram formados unicamente para enganar-nos? As linhas de crescimento de uma concha foram feitas para enganar-nos? O umbigo do homem criado foi designado para enganá-lo na crença de que teve uma mãe?

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Nacional & Edusp. Excerto de livro originalmente publicado em 1857.

04 setembro 2024

Casamento de conveniência

Rui Knopfli

Meus pais não querem que ame
a quem amo.
Pretendem que me case contigo,
Juventina.
Não és boa, nem és má,
nem bela, nem feia
e dizem-te prendada e virtuosa,
mas, quanto te aborreço!,
Juventina.
Dão-me um automóvel e uma casa
pra que case contigo,
Juventina.
Tens um nome que te quadra à figura,
rapariga,
e trazes intacto o selo necessário.
Seremos na vida, como dois funcionários públicos
da mesma repartição
cujas circunstâncias obrigam a ver-se e a contactar
diariamente.
Nada mais.
Com a tua estupidez morreremos
de chatice
e levar-te-ei obrigatoriamente
ao cinema, uma vez por semana.
Aceitarás com submissão
que te mande à merda de quando em vez
e não farás muitas ondas.
Sei que não pedes mais,
é pegar ou largar,
Juventina!

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1959.

02 setembro 2024

Retrato de S. B.


Georges [Jules Victor] Clairin (1843-1919). Le portrait de Mme Sarah Bernhardt. 1876.

Fonte da foto: Wikipedia.

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