29 setembro 2025

Poema-orelha

Carlos Drummond de Andrade

Esta é a orelha do livro
por onde o poeta escuta
se dele falam mal
   ou se o amam.
Uma orelha ou uma boca
sequiosa de palavras?
São oito livros velhos
e mais um livro novo
de um poeta inda mais velho
que a vida que viveu
e contudo o provoca
a viver sempre e nunca.
Oito livros que o tempo
empurra para longe
   de mim
mais um livro sem tempo
em que o poeta se contempla
e se diz boa-tarde
(ensaio de boa-noite,
variante de bom-dia,
que tudo é o vasto dia
em seus compartimentos
nem sempre respiráveis
e todos habitados
   enfim).
Não me leias se buscas
flamante novidade
ou sopro de Camões.
Aquilo que revelo
e o mais que segue oculto
em vítreos alçapões
são notícias humanas,
simples estar-no-mundo,
e brincos de palavra,
um não-estar-estando,
mas de tal jeito urdidos
o jogo e a confissão
que nem distingo eu mesmo
o vivido e o inventado.
Tudo vivido? Nada.
Nada vivido? Tudo.
A orelha pouco explica
de cuidados terrenos:
e a poesia mais rica
é um sinal de menos.

Fonte (v. 44-5): Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª ed. SP, Cultrix. Poema publicado em livro em 1959.

27 setembro 2025

Sobre o cisne de Stéphane Mallarmé

Eduardo Guimaraens

Um cygne d’autrefois se souvient que c’est lui

Um Sonho existe em nós como um cisne num lago
de água profunda e clara e em cujo fundo existe
outro cisne alvo e triste, e ainda mais alvo e triste
que a sua forma real de um tom dolente e vago.

Nada: e os gestos que tem, de carícia e de afago,
lembram da imagem tênue, onde a tristeza insiste
por ser mais alva, a graça inversa em que consiste
a dolente mudez de um espelho pressago.

Um cisne existe em nós como um sonho de calma,
plácido, um cisne branco e triste, longo e lasso
e puro, sobre a face oculta de nossa alma.

E a sua imagem lembra a imagem de um destino
de pureza e de amor que segue, passo a passo,
este sonho imortal como um cisne divino!

Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep. Poema publicado (postumamente) em livro em 1944. ‘Eduardo Guimaraens’ é assinatura literária de Eduardo Gaspar da Costa Guimarães.

25 setembro 2025

Estágios da síntese de proteínas

Otto J. Crocomo

A síntese de proteína se dá em quatro principais estágios:

1° estágio – É o passo da ativação dos aminoácidos, quando então eles são enzimaticamente esterificados aos tRNA correspondentes; esse estágio exige ATP e Mg+2.

2° estágio – Forma-se um complexo iniciador pela união do mRNA e do aminoacil-tRNA iniciador a uma subunidade ribossômica 30 S livre, a qual então se prende à subunidade ribossômica 50 S; note-se que o aminoacil-tRNA que entra está como derivado N-acil talvez para assegurar que a cadeia polipeptídica se inicie assim que a mensagem genética é transmitida.


3º estágio – A cadeia peptídica é alongada pela adição em sequência de novos aminoacil que vêm de aminoacil-tRNAs, cada um deles especificado por um códon no mRNA; quando cada nova ligação peptídica se completa, o mRNA e a cadeia peptidil-tRNA são translocados ou movidos ao longo do ribossomo fazendo com que um novo códon fique em posição ajustada para receber um novo aminoacil-tRNA; esse estágio exige CTP.

4º estágio – É o término da cadeia polipeptídica; para tanto há sinais que atingem o mRNA; a cadeia completa se liberta do ribossomo.

Fonte: Crocomo, O. J. 1979. In: Ferri, M. G., org. Fisiologia vegetal, vol. 1. SP, EPU & Edusp.

23 setembro 2025

À beira do lago


[Johann] Friedrich Voltz (1817-1886). Herde mit Schafen am See. 1872.

Fonte da foto: Wikipedia.

22 setembro 2025

O globo terrestre: alguns números

Felipe A. P. L. Costa

Vista do espaço, a Terra parece ser uma esfera perfeita. É a mesma impressão que nós temos diante de outros corpos celestes, como o Sol, a Lua, Marte, Vênus etc. De fato, a esfericidade é um padrão universal: acima de um tamanho mínimo crítico, todos os corpos celestes tendem a ser esféricos.

[Para ler o artigo completo, clique aqui.]

21 setembro 2025

Saúde para todos

Alwyn Smith

Pela primeira vez na nossa história, sabemos actualmente alguma coisa do número e variedade dos membros da nossa espécie e dos seus problemas e necessidades. Contudo, só podemos tentar adivinhar o que nos trará o futuro próximo. Aprendemos pouco com o nosso passado, e a maior parte de nós continua ignorante das necessidades da existência colectiva e individual.

É todavia possível definir o essencial. Muitos indivíduos que sobrevivem ao nascimento são capazes de viver de forma útil e gratificante até ao limite que a nossa experiência evolucionária programou na nossa constituição genética. A imposição desse limite é habitualmente precedida por uma incapacidade progressiva, que é humano aliviar, mas inútil procurar impedir. Temos os meios de regular a nossa fertilidade com forma que permitem a satisfação da nossa sexualidade, assim como de prevenir as infecções aproveitando, ao mesmo tempo, os benefícios dos grandes agregados populacionais. Parece claro que podemos suportar populações várias vezes maiores que as actuais, desde que utilizemos métodos eficientes de produção alimentar, consumamos apenas o necessário à nossa saúde e distribuamos os alimentos de acordo com as necessidades e não com os lucros. Não parece haver razões para que não controlemos o lançamento no meio ambiente de substâncias bioactivas cujos efeitos no equilíbrio sanitário desconhecemos e para que não aumentemos o nosso entendimento das condições ambientais que melhor suportem e menos ameacem a nossa sobrevivência. Há motivos para pensar que a natureza e a quantidade de trabalho de que necessitamos para assegurar a nossa saúde e a nossa feliz sobrevivência não são de modo a impedir que esse trabalho seja também gratificante e inofensivo.

Fonte: Smith, A. 1989 [1986]. Saúde para todos no ano 2000? In: Rose, S. & Appignanesi, L., orgs. Para uma nova ciência. Lisboa, Gradiva.

19 setembro 2025

Imagem

Nuno Júdice

Atravessam-se comigo no meio da vida,
onde o bosque se fecha e um cão antigo
sai ao caminho. Sombras: que me
quereis, agora que o sol se pôs e
a obscuridade só traz frio e solidão?

Mostrai-me os rostos, porém,
para que vos reconheça: companheiros
desse tempo em que as árvores deram
flor, as marés eram regulares como rimas,
e um riso era branco como a neve.

Não sei o que se passou no intervalo:
como é que os versos se tornaram rugas,
e as palavras se colaram ao céu da boca;
mas se ouvisse a tua voz, sem dúvida
o mesmo sentimento renasceria com ela.

Porém, não estás entre os que me
saltaram ao caminho. Amigos: deixai-me
seguir, sozinho, para o outro lado da rua; e,
aí, prometo-vos que não olharei para trás,
nem vos lembrarei sequer o nome.

Certas imagens trazem consigo a dor;
outras, talvez despertem a alegria. Só a tua,
que arrasto no esquecimento de quem fui,
se prende aos meus passos como um
remorso, e me impede de avançar.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1994.

17 setembro 2025

Sistemas de incompatibilidade

Maria Helena Bodanese Zanettini

Nas Angiospermas, para que o gametófito masculino (grão de pólen) encontre o gametófito feminino (saco embrionário), ele deverá germinar e percorrer um caminho através do tecido esporofítico feminino (pistilo). Assim, o pistilo é, com poucas exceções, a ‘arena’ onde ocorre o fenômeno da incompatibilidade. É importante lembrar que, como o pistilo é um tecido esporofítico diploide, sua reação de incompatibilidade será controlada geneticamete por seu genoma esporofítico. Por outro lado, o gametófito masculino (o pólen) porta alguns componentes do tecido esporofítico no qual se desenvolveu (ex.: material proveniente do tapete, incrustado nas cavidades da exina). O pólen porta também o citoplasma de seu genitor esporofítico. Assim, a reação de compatibilidade do pólen pode ser controlada geneticamente, ou pelo genoma do próprio gametófito ou pelo genoma do genitor esporofítico. De acordo com isto, os sistemas de incompatibilidade foram divididos em 2 grupos principais: incompatibilidade gametofítica e incompatibilidade esporofítica.

Fonte: Zanettini, M. H. B. 2003. In: Freitas, L. B. & Bered, F., orgs. Genética & evolução vegetal. Porto Alegre, Editora da UFRGS.

15 setembro 2025

Viciados em significados

Henri Poincaré

Nós também sabemos o quanto a verdade é muitas vezes cruel, e nos perguntamos se a ilusão não é mais consoladora.

Fonte: Sagan, C. 1998 [1996]. O mundo assombrado pelos demônios. SP, Companhia das Letras.

13 setembro 2025

O guarda-chuva vermelho


Anton Braith (1836-1905). Der rote Schirm. s/d.

Fonte da foto: Wikipedia.

12 setembro 2025

18 anos e 11 meses no ar

F. Ponce de León

Nesta sexta-feira, 12/9, o Poesia Contra a Guerra está a completar 18 anos e 11 meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘18 anos e 10 meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Bernard d’Espagnat, Christopher Zeeman, Gabriel Serafini, Jeremy J. Stone, John Boyle O’Reilly, Lauro de Oliveira Lima, Lawrence LeShan, Paul Q. Hirst, Paulo Affonso Leme Machado, Peter Buneman e Ronaldo Serôa da Motta. Além de material de autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes artistas: Alfred Wierusz-Kowalski, Ernest Hébert e Paul Trouillebert.

11 setembro 2025

O tempo

Bernard d’Espagnat

O tempo está no âmago de tudo que é importante para os seres humanos.

Fonte: Davies, P. 1999. O enigma do tempo. RJ, Ediouro.

08 setembro 2025

La comunicación entre dos cerebros

Christopher Zeeman & Peter Buneman

La ideas son a veces distorcionadas al ser puestas en palabras, con lo cual este proceso impone una tolerancia en el conjunto de las ideas. La comunicación entre dos cerebros

ideas → palabras → ideas

debe ser inexacta, habida cuenta del producto de las dos tolerancias. Cuanto más alejadas estén las dos personas por lo que se refiere a su educación, mayor será el producto de las tolerancias, y más imprecisa será su comunicación. Dos personas que se conocen mutuamente reducen considerablemente la tolerancia prolongando el lenguaje mediante la expresión vocal y facial, incrementando de esta manera la precisión en la comunicación. Los diferentes lenguajes imponen diferentes tolerancias, y el conocimiento de dos lenguas impone una más fina tolerancia sobre las ideas, agudizando en consecuencia la percepción.

Fonte: Zeeman, C. & Buneman, P. 1976 [1968-1970]. In: Waddington, C. H., ed. Hacia una biología teórica. Madri, Alianza.

06 setembro 2025

Análise de custo-benefício e avaliação ambiental

Ronaldo Serôa da Motta

Qualquer política ambiental trata necessariamente de conflitos de interesses microeconômicos, na medida em que o uso do meio ambiente é distinto para cada grupo de indivíduos. Por exemplo, a preservação de um parque beneficia diretamente todos os que dele se utilizam como área de recreação. Caso seja proposto um projeto de estrada cortando este parque, os seus usuários serão prejudicados, enquanto os usuários da nova estrada podem ser beneficiados com um melhor tráfego rodoviário. Se o parque representa um sítio natural de importância, poder-se-ia concluir que as gerações futuras também seriam prejudicadas. Ou seja, visualiza-se uma situação na qual há necessidade de se avaliar uma ação econômica que impõe uma troca de bens e serviços ambientais por outros de natureza material. No exemplo acima, objetiva-se comparar uma estrada que oferece menor custo de transporte com a conservação de um parque.

Para se tomar uma decisão, será preciso que ambas as alternativas, estrada ou conservação do parque, sejam comparadas de acordo com uma dimensão única e comum. Esta poderia ser o voto de cada beneficiário ou prejudicado até o número de empregos gerados em cada uma das situações. Outra forma de administrar o conflito de interesses seria avaliar se todo o valor econômico gerado pela nova estrada excede ou não ao valor atribuído ao parque a ser conservado. Essa é a contribuição dos economistas para a difícil tarefa de avaliação ambiental. Isto é, transformar todos os benefícios e os custos em valores monetários, para então medir a rentabilidade social de cada opção considerada. Tal prática fundamenta as técnicas da análise de custo-benefício dita social. Não se trata, assim, de considerar esses valores do ponto de vista somente do empreendedor do projeto ou exclusivamente dos prejudicados. Mas, sim, de levar em consideração todos os agentes econômicos em conflito, para que a decisão maximize o bem-estar social e não o de certos grupos de indivíduos. Da mesma forma, a análise econômica não objetiva “criar valores monetários para todas as coisas”. Ao contrário, a tarefa dos economistas é a de procurar revelar os valores monetários que os indivíduos atribuem aos bens e serviçoes que consomem.

Fonte: Motta, R. S. 1995. In: Tauk-Tornisielo, S. M. & mais 2, orgs. Análise ambiental: Uma visão multidisciplinar, 2ª ed. SP, Editora Unesp.

04 setembro 2025

Lobo


Alfred Wierusz-Kowalski (1849-1915). Wilk. 1915.

Fonte da foto: Wikipedia.

02 setembro 2025

De onde vêm as chuvas?

Felipe A. P. L. Costa

Não há chuva sem nuvens e não há nuvens sem água. A energia que chega com os raios solares aquece o ar, os mares e os rios; o ar quente se expande, tornando-se capaz de reter ainda mais moléculas de água; o ar quente e úmido ascende e, a partir de certa altitude, forma gotículas de chuva ou cristais de gelo em torno dos núcleos de condensação. Sabendo que a Terra não para de se movimentar, cabe bem a pergunta: que efeitos os movimentos do planeta têm sobre a dinâmica dos oceanos e da atmosfera?

[Para ler o artigo completo, clique aqui.]

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