27 fevereiro 2019

O abismo é logo ali...


O governo federal está se esfarelando desde 1/1. (Já tem eleitor graúdo jurando de pé junto que não votou no 17.)

A renúncia (formal) não deve demorar. Espero apenas que a barata tonta & sua prole mutante levem embora consigo todo o lixo tóxico que trouxeram para Brasília, desde os itens mais radioativos (e.g., o malandro superministro da Justiça e aquele moleque que se instalou no MMA) até os mais pitorescos e hilários (e.g., o colombiano e a dona da goiabeira).

Mas a queda, assim como a ascensão, será motivo de cobiça por parte de muitos setores, sobretudo entre os patrocinadores. Antes de ser catapultado para fora do Palácio do Planalto, JB & afins ainda serão muito chantageados pelos antigos ‘apoiadores’ (e.g., mídia, partidos aliados etc.). É possível até que sobre para o golpista ex-presidente MT. Em uma tentativa de se manter no trono, JB pode romper o acordo, colocando no xilindró o dono do porto de Santos. (O maior problema aí seria a agenda de MT. Ao contrário de JB, um semianalfabeto estérico, cujo destino será a solidão e o ostracismo, MT é uma víbora experiente, contando com muita gente graúda nos seus bolsos.)

Em tempo: paralelamente à queda de JB, deverão ser divulgados ‘novos’ vazamentos a respeito dos zilhões que foram encontrados naquele cortiço do Guarujá e no sítio de Atibaia. A ideia básica seria pavimentar uma ‘terceira via’: o superministro da Justiça (embora não passe de um burocrata anticomunista, ele próprio deve se ver como o ‘legítimo’ sucessor do governo atual). E é justamente do ministério da Justiça que deverão sair as últimas facadas nas costas de JB.

A conferir.

25 fevereiro 2019

Nelson Mandela

Joanyr de Oliveira

Estas ruas, negro prisioneiro,
não me fazem livre. As gaivotas
buscam a paz do azul, pombos flutuam,
mas cadeias em meus pulsos
sangram o rosto da manhã inútil.

As velhas mordaças em tua voz
afogam minhas melhores palavras.
Faz frio em mim, negro prisioneiro:
estou a beijar tua história
em brancas mãos sufocantes.

Não estou hoje para a Primavera
nem para as luzes e os anjos.
Sou um poeta de sangue e nervos
e a liberdade é minha sede.

Não estou para a antiga brisa,
estou sim para as ventanias.
Estou para os abismos à espreita
de punhos liberticidas.

Nelson Mandela, converso contigo
do coração de um pássaro em chamas.
Chego ao fundo de teu silêncio
no âmago desta noite indignada.

Fonte: Horta, A. B. 2003. Sob o signo da poesia. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1992.

23 fevereiro 2019

Geração espontânea

Wilhelm von Drigalski

Pasteur era então decano da Faculdade de Ciências de Lille [França] e se interessava pelas numerosas destilarias da região. Um dia de outono de 1856, um cervejeiro lhe pede que procure saber o que podia estragar as fermentações do suco de beterraba. Ele estuda então o levedo no microscópio, discernindo logo isto: os glóbulos de fermentação sã continuam redondos e regulares, ao passo que, no líquido anormal, esses glóbulos se mostram alterados aparecendo também bastonetes alongados... Suas opiniões encontram-se assim inteiramente justificadas. A fermentação parece mesmo devida, como ele o supunha, a um microrganismo; e quando os destiladores se queixam que “isto fermenta mal”, é porque intervém outro organismo microscópico, produtor do ácido lático. Para estudar uma fermentação, é preciso preparar um meio fermentável isento de todo ser vivo – o que se obtém facilmente com a ebulição. Semeia-se em seguida nesse meio um fermento ‘puro’, isto é, que não contenha nenhum ser estranho à espécie microscópica estudada.

O estudo da fermentação butírica vai conduzi-lo em seguida a precisar a ação de fermentos vivos. [...]

Vai-se desde então poder compreender o processo segundo o qual se destroem após a morte as substâncias animais e vegetais. São micro-organismos que asseguram o retorno perpétuo ao ar e ao mundo mineral dos princípios que os vegetais lhes tomaram. Sobre todo ser que acaba de morrer, isto é, onde ele se encontre em contato com o ar, os micro-organismos aeróbios se põem a proliferar operando uma combustão lenta enquanto que os anaeróbios, no seio da massa orgânica, provocam a putrefação. Assim, por este duplo trabalho de combustão e de fermentação lentas, a substância animal ou vegetal acaba, decomposta, por desaparecer; assim, lei inevitável, a vida preside a obra da morte.

Esses estudos levaram Pasteur aos referentes à geração espontânea, questão tão espinhosa que seus mestres Biot e Dumas havia tentado desviá-lo, um deles exclamando: “Você não sairá dela!” e outro pronunciando: “Eu não aconselharia a ninguém permanecer muito tempo em semelhante estudo...” Mas Pasteur continuou, replicando: “Eu me entrego com prazer a estes estudos de fermentação, que têm um grande interesse por sua ligação com o impenetrável mistério da vida e da morte. Espero dar neles logo um passo decisivo, resolvendo sem a menor confusão, a questão célebre da geração espontânea. Já poderia intervir, mas quero prosseguir ainda minhas experiências. Há tanta paixão e obscuridade de uma parte e de outra que será necessária nada menos que a clareza de um raciocínio aritmético para convencer os adversários de minhas conclusões. Eu tenho a pretensão de chegar lá.”

Fonte: von Drigalski, W. 1964 [1951]. O homem contra os micróbios. BH, Itatiaia. (A edição brasileira é uma tradução da versão francesa [1955], a qual contou com a participação de Fernand Lot [1902-1986].)

21 fevereiro 2019

Por falar em pilantragem...


Como era esperado, o CRF pegou carona no bonde da embromação conduzido pela Vale SA (ex-CVRD).

Segundo o noticiário de ontem (20), o ‘grupo de trabalho’ que sentou para conversar com os dirigentes do clube teria proposto o seguinte: (1) Indenização: R$ 2 milhões para cada uma das 10 famílias envolvidas; e (2) Pensão: R$ 10 mil / mês / família, durante 30 anos. (Estamos aqui a falar do caso dos 10 adolescentes, com idades entre 14 e 17 anos, que morreram no incêndio que houve no CT do CRF, na madrugada de 8/2.) O custo total (em valores de hoje) seria de R$ 56 milhões.

A contraproposta do CRF: (1) Indenização: entre R$ 300 e 400 mil para cada uma das 10 famílias envolvidas (para fins de cálculo, fixei o valor em R$ 350 mil); e (2) Pensão: ~R$ 1 mil / mês / família, durante 10 anos. O custo total (em valores de hoje) seria de R$ 4,7 milhões.

Para colocar estes números em perspectiva, bastaria dizer o seguinte: em 2017, o passe do jogador Vinícius Jr. foi negociado pelo CRF por um valor equivalente a R$ 164 milhões.

Além de ter um time de futebol, o CRF é também uma empresa – como o são todos os demais clubes que disputam os campeonatos brasileiros (séries A-D), a despeito das diferenças óbvias de tamanho e orçamento.

E, como toda empresa, o CRF tem mais força que qualquer um dos seus empregados, tomados separadamente. Em uma situação de conflito, a única chance de vitória que os empregados têm emerge da união e da ação combinada deles. Separados e divididos, eles são presas fáceis e serão destruídos. Não é de estranhar, portando, que o clube tenha saído da reunião de hoje dizendo que agora vai tratar com cada uma das famílias, separadamente.

Acredito em recuperação moral, mesmo entre capitães de indústria e mafiosos, mas o jogo de palavras soa irresistível: “Uma vez pilantra, pilantra até morrer...”

19 fevereiro 2019

Nam neque de caelo cecidisse animalia possunt

Tito Lucrécio Caro

Nam neque de caelo cecidisse animalia possunt
Nec terrestria de salsis exisse lacunis.
Linquitur ut merito maternum nomen adepta
Terra sit, e terra quoniam sunt cuncta creata.
Multaque nunc etiam existunt animalia terris
Imbribus et calido solis concreta vapore;
Quo minus est mirum si tum sunt plura coorta
Et maiora, nova tellure atque aethere adulta.

Fonte: Papavero, N. & Balsa, J. 1986. Introdução histórica e epistemológica à biologia comparada, com especial referência à biogeografia, v. I. BH, Biótica & SBZ. Excerto correspondente aos versos 793-800 da obra De rerum natura (Liber quintus), escrita no século I antes da era cristã.

18 fevereiro 2019

A casamenteira


Gerard van Honthorst (1592-1656). De koppelaarster. 1625.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 fevereiro 2019

Recuerde el alma dormida

Jorge Manrique

Recuerde el alma dormida,
abive el seso y despierte
   contemplando
cómo se pasa la vida,
cómo se viene la muerte
   tan callando;
cuánd presto se va el plazer,
cómo después de acordado
   da dolor,
cómo a nuestro parescer
cualquiera tiempo pasado
   fue mejor.

Fonte (dois últimos versos): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 1. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro no último quarto do século 15.

12 fevereiro 2019

Doze anos e quatro meses no ar

F. Ponce de León

Nesta terça-feira, 12/2, o Poesia contra a guerra completa 12 anos e quatro meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘Doze anos e três meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: A. G. Forsdyke, Diana Wynne Jones, Edimilson de Almeida Pereira, Fátima Guedes, Gillian Flynn, João Carlos Taveira, Jodi L. Jacobson, Max Black e Porfirio Barba Jacob. Além de outros que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Adriaen van Ostade, Cornelis Bega e Richard Brakenburgh.

11 fevereiro 2019

A discriminação contra a mulher

Jodi L. Jacobson

As mulheres de Sikandernagar, uma aldeia do estado indiano de Andra Pradesh, trabalham durante três turnos por dia. Acordam às 4 horas da manhã, acendem fogões, ordenham búfalos, varrem o chão, vão buscar água e alimentam suas famílias. Das 8 da manhã às 5 da tarde, removem ervas daninhas das plantações em troca de um magro salário. No início da noite, vagueiam à procura de galhos, brotos e folhas para lenha de seus fogões, verduras silvestres para alimentar seus filhos e grama para alimentar os búfalos. Finalmente, voltam para casa para preparar a janta e realizar as tarefas domésticas noturnas. Trabalhando para sustentar suas famílias, essas mulheres despendem a cada semana o dobro das horas gastas pelos homens da aldeia. No entanto, elas não são proprietárias da terra na qual trabalham e a cada ano, não obstante todos os seus esforços, acham-se mais pobres e menos capazes de fornecer aquilo de que suas famílias necessitam para sobreviver.
[...]

Fonte: Jacobson, J. L. 1993. In: Brown, L. R., org. Qualidade de vida – 1993. SP, Globo.

09 fevereiro 2019

Orelha furada

Edimilson de Almeida Pereira

Dançar o nome com o braço na palavra: como
em sua casa um maconde.

Dançar o nome pai dos deuses que pode tudo
neste mundo e suportar o lagarto querendo ser
bispo na sombra.

Dançar o nome miséria, estrepe e tripa que a
folha do livro é. E se entender dono das letras
em sua cozinha.

Dançar o nome em sete sapatos limpos para
domingo.

Dançar o nome com a mulher nhora dele: a
mulher no seu coração tempestade e ciranda.

Dançar o nome com o braço na palavra berço.

Fonte: Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema publicado em livro em 2003.

06 fevereiro 2019

Cena galante


Richard Brakenburgh (1650- 1702). Scène galante. 1698.

Fonte da foto: Wikipedia.

04 fevereiro 2019

Chuva

A. G. Forsdyke

A chuva é precipitação na forma de gotas de água de tamanho visível que caem da nuvem, enquanto as verdadeiras ‘gotinhas’ das nuvens, na sua maioria, ‘flutuam’ no ar. Pareceria, à primeira vista, que o processo que combina essas ‘gotinhas’ de maneira a formar as gotas da chuva é o simples processo de amalgamação, mas a verdade é que é complicado e até difícil de simular em laboratório. Milhares de ‘gotinhas’ invisíveis são necessárias para formar uma só gota de chuva.

As gotas de chuva variam em diâmetro de 0,5 a 5,5 mm, correspondente esta última medida ao seu tamanho máximo; qualquer gota maior, caindo pelo ar, desintegra-se em gotas menores. A resistência do ar estabelece uma velocidade máxima de queda para cada tamanho de gota; as gotas menores caem muito lentamente e as maiores caem a uma velocidade de cerca de 8 m por segundo. Isso é comparável com as velocidades médias do vento e explica por que razão, exceto com ventos muito leves, a chuva cai obliquamente.
[...]

A quantidade de chuva que cai durante determinado tempo é indicada como a profundidade de água que se produziria numa vasta superfície lisa impermeável. Geralmente é indicada em milímetros. A aparentemente pequena quantidade de 5 mm de chuva caindo continuamente durante várias horas é suficiente para produzir um dia chuvoso muito desagradável. Um dia com 25 mm espalhados durante várias horas já é considerado um tempo extremamente molhado. Cerca de 2,5 cm de chuva são equivalente a 101 toneladas de água (1 mm de chuva por m2 é igual a l L) em cerca de 4.000 m2 de terreno.
[...]  

Fonte: Forsdyke, A. G. 1978 [1969]. Previsão do tempo e clima, 2ª ed. SP, Melhoramentos.

02 fevereiro 2019

A peste


1.
Os curiosos acontecimentos que são o objeto desta crônica ocorreram em 194... em Orã. Segundo a opinião geral, estavam deslocados, já que fugiam um pouco à norma. À primeira vista, Orã é, na verdade, uma cidade comum e não passa de uma prefeitura francesa na costa argelina.

A própria cidade, vamos admitir, é feia. Com o seu aspecto tranquilo, é preciso algum tempo para se perceber o que a torna diferente de tantas outras vilas comerciais em todas as latitudes. Como imaginar, por exemplo, uma cidade sem pombos, sem árvores e sem jardins, onde não se encontra o rumor de asas nem de folhas quebradas? Em resumo: um lugar neutro. Apenas no céu se lê a mudança das estações. A primavera só se anuncia pela qualidade do ar ou pelas cestas de flores que os pequenos vendedores trazem dos subúrbios: é uma primavera que se vende nos mercados. Durante o verão, o sol incendeia as casas muito secas e cobre as paredes de uma poeira cinzenta; então só é possível viver à sombra das persianas fechadas. No outono, ao contrário, é um dilúvio de lama. Os dias bonitos só chegam no inverno.
[...]

Fonte: Camus, A. 2018 [1947]. A peste, 7ª ed. RJ, BestBolso.

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