Poesia Contra a Guerra
A história da humanidade se confunde com a história das guerras. Deveríamos lutar para que se confundisse apenas com a história da literatura.
30 junho 2011
28 junho 2011
Idílicas
Sem esforço te retenho
e
permaneces
quase sem querer.
Guardo-te em mim
como o mar
guarda a água e o sal
em silêncio profundo.
Toca minha pele assim:
as costas com beijos lentos
a nuca com lábios roxos
as coxas com mãos noturnas.
Nada é mais suave
que teu cabelo solto
aberto como asa
sobre meu corpo.
Fonte: Félix, M., org. 1998. 41 poetas do Rio. RJ, Funarte. Poema publicado em livro em 1984.
26 junho 2011
A ciência do progresso humano
Robin Holliday
1.
Nos primeiros quarenta anos deste século, ou por volta disso, ocorreu na Física uma revolução, trazendo como conseqüência uma compreensão da estrutura dos átomos e dos meios pelos quais a energia poderia ser deles liberada. Essa investigação foi levada a cabo por cientistas do mais alto calibre intelectual, em sua maior parte interessados unicamente na busca do conhecimento pelo prazer do próprio conhecimento. Essas idéias foram posteriormente aplicadas na construção de armas nucleares de destruição em massa.
Nos últimos vinte e cinco anos está ocorrendo uma outra revolução, agora na Biologia. No início desse período, não se poderia adivinhar o sucesso que iria ter o estudo a nível molecular dos processos elementares da vida. A velocidade da evolução dos conhecimentos nesse campo da Biologia Molecular tem sido surpreendente, não havendo nos dias de hoje qualquer indício de refreamento ou desaceleração. É bastante difícil acreditar que a descoberta dos principais aspectos da vida, a nível molecular, não seria da maior significação e importância para a Humanidade [...]. O problema é decidir quanto ao porquê da importância da Biologia Molecular e tentar compreender qual o seu significado para a Sociedade em geral.
A Biologia Molecular desenvolveu-se à sombra da Física Nuclear; daí não se poder censurar as pessoas, sejam elas bem ou mal informadas, pelo fato de fazerem comparações entre as duas revoluções científicas. A argumentação é a seguinte: os especialistas em Física Nuclear desenvolveram sua pesquisa fundamental sem se darem conta de que os conhecimentos advindos seriam aplicados da maneira que o foram. De modo idêntico, os especialistas em Biologia Molecular a cada mais se aprofundam na busca da estrutura genética dos organismos vivos, já tendo desenvolvido os meios de manipular no laboratório o material genético ou outros componentes básicos da vida. A conclusão geral é a de que, no final, isso irá levar a uma sinistra tecnologia biológica, que poderá, dessa ou daquela maneira, ser empregada para finalidades malignas. Esse ponto de vista constitui uma das razões da tão difundida desconfiança quanto à ciência em geral, e da hostilidade declarada à Genética Molecular em particular.
[...]
Fonte: Holliday, R. 1983. A ciência do progresso humano. BH & SP, Itatiaia & Edusp.
24 junho 2011
Introdução à arte das montanhas
Leonardo Fróes
Um animal passeia nas montanhas.
Arranha a cara nos espinhos do mato, perde o fôlego
mas não desiste de chegar ao ponto mais alto.
De tanto andar fazendo esforço se torna
um organismo em movimento reagindo a passadas,
e só. Não sente fome nem saudade nem sede,
confia apenas nos instintos que o destino conduz.
Puxado sempre para cima, o animal é um ímã,
numa escala de formiga, que as montanhas atraem.
Conhece alguma liberdade, quando chega ao cume.
Sente-se disperso entre as nuvens,
acha que reconheceu seus limites. Mas não sabe,
ainda, que agora tem de aprender a descer.
Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1995.
22 junho 2011
Finados
Silveira Neto
Tudo acabado, mortos! Nem persiste
A carne antiga rubra de desejos.
Tudo em caveiras – últimos sobejos –
Frias e torvas no seu riso triste.
E sobre vós, a rir, amantes vejo-os
Calcarem essa terra que os resiste,
De olhares quentes onde a vida existe
Na tentação satânica dos beijos.
Mágoa febril nas tumbas se debruça
Dos séculos de amor que estão chorando...
Porém mais alto minha dor soluça:
É mais sombrio e maior dor comporta
Ter, como eu tenho, o corpo carregado
Na cova da existência uma alma morta.
Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 5. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1900.
20 junho 2011
18 junho 2011
Aprendendo o que é através do que não pode ser
Alan H. Guth
Quando Alice protestou em Através do espelho dizendo “ninguém pode acreditar em coisas impossíveis”, a Rainha Branca tentou corrigir sua afirmação. “Eu diria que você nunca praticou bastante”, ela disse. “Quando eu tinha a sua idade praticava sempre meia hora por dia. Às vezes me acontecia acreditar em mais de seis coisas impossíveis antes do café da manhã.”
Embora a ciência seja, a princípio, o estudo das coisas possíveis, o conselho da Rainha Branca deve estar sempre em mente. Ninguém entende ainda as leis da natureza em seu nível mais fundamental, mas a busca dessas leis tem sido tão fascinante quanto frutífera. A visão da realidade que está emergindo da física moderna é positivamente uma reminiscência de Lewis Carroll. Enquanto as idéias da física são tão lógicas quanto extremamente belas para as pessoas que as estudam, mostram-se completamente alheias a tudo que a maioria de nós chamaria de “bom senso”.
De todas as “impossibilidades” conhecidas pela ciência, provavelmente o conjunto de idéias mais impressionantemente impossível é o que conhecemos como teoria quântica. Essa teoria foi desenvolvida o início do século 19, porque ninguém podia encontrar outro modo de explicar o comportamento das moléculas e átomos. Um dos maiores físicos dos tempos modernos, Richard Feynman, relatou suas impressões sobre a teoria quântica em seu livro QED. “Não se trata de uma teoria ser filosoficamente prazerosa, fácil de entender ou perfeitamente razoável do ponto de vista do senso comum”, ele escreveu. A teoria quântica “descreve a natureza como absurda do ponto de vista do senso comum. E se presta perfeitamente ao experimento. Portanto, espero que você consiga aceitar a natureza como ela é – absurda. Eu me divertirei contando-lhes estes absurdos, pois os considero um deleite.”
[...]
Fonte: Brockman, J. & Matson, K., orgs. 1997. As coisas são assim. SP, Companhia das Letras.
15 junho 2011
A mágoa é um vício, a ele volto
Helder Moura Pereira
A mágoa é um vício, a ele volto
pelas madeiras desta casa, as memórias
são mais que os sinais pendurados
ao longo das paredes, não descrevo
o que vejo. O que sinto quase
está no silêncio, deixa de ser tempo
o tempo da noite, nos papéis
há desenhos que o matam, pontos
ganhos, contas de somar, fáceis
artimanhas evitando as palavras. Nada
difere de como ponho a mão na testa,
de como se afasta o sol para trás
dos castanheiros. Tento dizer
que sou como vós, leves amantes
de suaves lazeres, contradigo, desminto,
nada acontece. Para o dia de hoje
um pequeno esboço de tristeza, derrota
de cumprir, tarefa de vencer, antes
da noite os ombros, as rugas, terão
significado preciso. Só o recomeço
será tempo de sorrisos.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1984.
13 junho 2011
Mocidade e morte
E perto avisto o porto
Imenso, nebuloso e sempre noite
Chamado – Eternidade –
(Laurindo)
Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate.
(Dante)
Oh! eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh’alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n’amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
– Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.
Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.
Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher – camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas,
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas...
E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: – impossível! –
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio,
Vejo além um futuro radiante:
Avante! – brada-me o talento n’alma
E o eco ao longe me repete – avante!
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após – um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.
E a mesma voz repete funerária: –
E a mesma voz repete funerária: –
Teu Panteon – a pedra mortuária!
Morrer – é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado – escutar dobres de sino,
– Voz da morte, que a morte lhe lamenta –
Ai! morrer – é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher – no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.
Ver tudo findo... só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome.
E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu’inda mesmo flórido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo – que vaga sobre o chão da morte,
Morto – entre os vivos a vagar na terra.
Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito! –
E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita...
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida – novo Tântalo –
O vinho do viver ante mim passa...
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O ’stilete de Deus quebra-me a taça.
É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.
Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro – a terra,
Por glória – nada, por amor – a campa.
Adeus... arrasta-me uma voz sombria,
Já me foge a razão na noite fria!...
Fonte: Alves, C. 1990. Poemas, 8ª edição. RJ, Agir. Poema publicado em livro em 1870.
12 junho 2011
Quatro anos e oito meses no ar
F. Ponce de León
Neste domingo, 12/6, o Poesia contra a guerra completa quatro anos e oito meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 135.233 visitas foram registradas ao longo desse período.
Desde o balanço mensal anterior – Já são 55 meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Cecil Chow, Emico Okuno, Eurico Santos, Iberê L. Caldas, Jacques Levy, José de Castro, Júlia Cortines, Luís Filipe de Castro Mendes, M. J. D. White, Murray Gell-Mann e Nicolás Guillén. Além de outros autores que já haviam sido publicados antes.
Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Frederick McCubbin, Lovis Corinth e Natalia Chernogolova.
10 junho 2011
A mãe natureza
Foram necessários quase 100 anos para que a teoria da evolução por seleção natural, proposta originalmente pelos naturalistas britânicos Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913), se tornasse a espinha dorsal da biologia. Esse processo de cristalização, finalizado na década de 1940, não significou, contudo, que a teoria evolutiva estivesse ‘concluída’. Na verdade, muita coisa mudou a partir de então.
Um dos responsáveis pelas principais inovações conceituais que surgiram na biologia evolutiva na segunda metade do século 20 foi George C. Williams. Embora não muito conhecido fora dos círculos acadêmicos, algumas de suas ideias tornaram-se bastante populares, graças, sobretudo, à literatura de divulgação científica.
Williams deixou um legado de obras notáveis, algumas de fundamental importância, como seu primeiro livro, Adaptação e seleção natural (1966). Seu trabalho ajudou a estabelecer novos patamares em biologia, notadamente nas discussões sobre a evolução de adaptações e os níveis de seleção natural.
[...]
Fonte: Costa, F. A. P. L. 2011. George Williams e a mãe natureza. Ciência Hoje 282: 70-71.
08 junho 2011
06 junho 2011
Cobra-de-duas-cabeças
Eurico Santos
(Anfisbenídeos) – Resumindo o aspecto geral da família, diremos que todos apresentam corpo longo, cilíndrico e desprovido de pés.
(Anfisbenídeos) – Resumindo o aspecto geral da família, diremos que todos apresentam corpo longo, cilíndrico e desprovido de pés.
Basta este exterior para lhe dar a feição de uma cobra, mas cuja grossura é a mesma de um extremo ao outro.
Vem daí a denominação de cobra-de-duas-cabeças que lhe dá o povo, não atinando com o extremo caudal do singular bicho.
O corpo é revestido de pele resistente, sem escamas, ou melhor com vestígios delas, mas todo quadriculada porque sobre linhas longitudinais finas há sulcos, verdadeiros anéis, que se encadeiam no sentido transverso do corpo.
Essa reticulação serve, logo à primeira vista, para diferenciar o lacertílio, de certo anfíbio, de aspecto algo semelhante, ambos confundidos pelo povo.
Embora a cauda e cabeça se confundam, em superficial observação, elas se podem distinguir, logo que nos detivermos a examiná-las.
Os olhos são dois pequenos e apagados sinais, não mais notáveis que o ponto dum i, recobertos de tênue película.
Ninguém pode dizer se tais olhos atrofiados, quase vestigiais, ainda conservam a faculdade de ver, se é que algum dia a tiveram como se crê.
Demais para que precisa de olhos um animal que vive em pleno reino das trevas, nas galerias que fura através do solo?
Se por acaso logramos apanhar um destes seres e o expormos à luz, compreendemos o mal-estar que sente, contorcendo-se, aflito evidentemente, para se meter de novo no ambiente em que de ordinário vive. Possui a língua bífida e são ovíparos.
São seres úteis e inocentes para o homem e, entretanto, já em 1576 o cronista Pero de Magalhães Gandavo teria recolhido da vox populi a notícia que registrou ao dizer: “Outras há (referindo-se a cobras) na terra que lhe chamam ibijara, têm duas bocas, uma na cabeça e outra no rabo, mordem com ambas; esta cobra é branca e mui curta, o mais do tempo está debaixo da terra, é peçonhentíssima sobre todas; quem desta for mordido não terá vida muitas horas e assim qualquer destas outras que morder alguma pessoa o mais que dura são vinte e quatro horas”.
Há aqui uma tríplice inverdade, pois a ibijara não é cobra, e sim um lagarto, não possui veneno de espécie alguma, e só tem uma cabeça e essa com olhos atrofiados.
É, entretanto, sabido que morde e de uma forma perigosa, porque como tem fortes mandíbulas agarra como uma torquez e, torcendo o corpo, arranca o pedaço que agarrou.
Desejosos de cercar o mísero lacertílio com o halo de histórias lendárias e para justificar a presença das duas cabeças, dizem que o bicharoco anda seis meses numa direção e seis meses noutra. Enquanto uma cabeça dá tratos ao miolo a outra está gozando férias.
Mas o maravilhoso do pseudo bicéfalo não pára por aqui, vai mais longe.
Há quem afirme que se cortando ao meio a ibijara e jogando os dois pedaços para lugares diferentes, eles se procuram mutuamente e se juntam continuando tudo como dantes.
[...]
Fontes: Santos, E. 1981. Anfíbios e répteis do Brasil 3ª edição. BH, Itatiaia.
04 junho 2011
Desejo
José de Castro
O caranguejo
tem a casa e a cama
atolados na lama.
Seu maior desejo
não é ganhar um beijo,
nem ter fama,
nem ser eleito
o mais perfeito
tira-gosto da semana.
Qual será o desejo
do caranguejo?
Fonte: edição No. 223 (maio de 2011) da revista Ciência Hoje das Crianças. Poema publicado em livro em 2002.
02 junho 2011
O quark e o jaguar
Murray Gell-Mann
2.
O título deste livro vem de uma linha de um poema de meu amigo Arthur Sze, um esplêndido poeta sino-americano que vive em Santa Fé e que conheci por meio de sua esposa, a talentosa tecelã hopi Ramona Sakiestewa. A linha é: “O mundo do quark tem tudo em comum com um jaguar circulando na noite.”
Os quarks são partículas elementares, os tijolos básicos do núcleo atômico. Eu sou um dos dois teóricos que predisseram sua existência, e fui eu quem lhes deu o seu nome. No título, o quark simboliza as leis físicas simples e básicas que governam o universo e toda a matéria contida nele. Para muitas pessoas pode parecer que a palavra ‘simples’ não se aplica à física contemporânea; na verdade, explicar que ela realmente se aplica é um dos objetivos deste livro.
O jaguar representa a complexidade do mundo que nos cerca, especialmente como esta se manifesta nos sistemas adaptativos complexos. As imagens de Arthur do quark e do jaguar juntas me parecem refletir perfeitamente os dois aspectos da natureza que eu chamo o simples e o complexo: de um lado, as leis físicas subjacentes à matéria e ao universo e do outro o rico tecido do mundo que percebemos diretamente e do qual fazemos parte. Além disso, assim como o quark é um símbolo das leis físicas que, uma vez descobertas, surgem completas ante a mente analítica, assim é o jaguar, pelo menos para mim, uma possível metáfora para o ardiloso sistema adaptativo complexo, o qual continua a evitar um olhar analítico claro, embora seu odor pungente possa ser sentido nos arbustos.
[...]
Fonte: Gell-Mann, M. 1996. O quark e o jaguar. RJ, Rocco.