28 abril 2007

O leão e o ratinho

Monteiro Lobato

Ao sair do buraco, viu-se um ratinho entre as patas do leão. Estacou, de pêlos em pé, paralisado pelo terror. O leão, porém, não lhe fez mal nenhum.

– Segue em paz, ratinho; não tenhas medo de teu rei.

Dias depois, o leão caiu numa rede. Urrou desesperadamente, debateu-se, mas quanto mais se agitava mais preso no laço ficava.

Atraído pelos urros, apareceu o ratinho.

– Amor com amor se paga – disse lá consigo, e pôs-se a roer as cordas. Num instante consegui romper uma das malhas. E como a rede era das tais que rompida a primeira malha as outras se afrouxam, pôde o leão deslindar-se e fugir.

Mais vale paciência pequenina do que arrancos de leão.

– Isso é verdade – comentou Narizinho. Não há o que a paciência não consiga. Lá na cachoeira há um buraco na pedra feito por um célebre pingo dágua que cai, cai, cai há séculos.

– E há um ditado popular para esse pingo, ajudou Pedrinho: água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

– Quem fez os ditados populares, vovó?

– O povo, minha filha. Os homens vão observando certas coisas e por fim formam um ditado, ou rifão, ou provérbio, ou adágio, ou dito, no qual resumem o que observaram. Esse dito do pingo dágua que tanto dá até que fura é muito bom – bonitinho e certo.

Fonte: Bennett, W. J., org. 1997. O livro das virtudes para crianças. RJ, Nova Fronteira.

27 abril 2007

Visitação


Piero di Cosimo [Piero di Lorenzo] (1461-1521?). Visitazione con San Nicola e Sant’Antonio abate. Circa 1488.


Fonte da foto: CGFA – A virtual art museum.

26 abril 2007

Hoje

Poh Pin Chin

Hoje
já foi
amanhã
e logo
será
ontem.

25 abril 2007

Mariposa

Olivia Hime

Ó filhinha minha não sai de perto até clarear
Tua mãe tem medo e precisa muito do teu olhar
Conta aquela estória que eu te contava pra dor passar
Me acalma, sussurra um verso e me diz o que é que faz sossegar

Nana, nana, nana, menina e nina quem te nanou
Tua mãe tá triste é de tanto amor

Me diz quantas folhas perde a palmeira antes dela crescer
Será que eu vou ter de ter a coragem de tanto me perder
Me diz quantas cruzes bordo em meu peito antes de me render

Se nos meus bordados ou mesmo nos pontos de um botão
Arremato a dor do que foi em vão

Pra onde vai tanta luz e essa mariposa que se espantou
Pra onde vai a ternura que um dia o meu peito já guardou
Pra onde é que eu vou tão triste e madura, pra onde, meu amor

Nana, nana...

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Segredo do meu coração (1982), de Olivia Hime.

24 abril 2007

O mensageiro sideral

Jacob Bronowski

Em um sentido moderno, a primeira ciência a aflorar da civilização mediterrânea foi a astronomia. Podemos ir da matemática para a astronomia quase que diretamente porque, afinal de contas, a astronomia se desenvolveu primeiro, e tornou-se modelo para as outras ciências, justamente por ter sido possível expressá-la através de números exatos. (...)

Rudimentos de astronomia existem em todas as culturas, de forma que podemos inferir fazerem parte das preocupações de todos os povos primitivos do mundo. Uma das razões se mostra claramente. A astronomia é um conhecimento importante para nos guiar através dos ciclos das estações – por exemplo, pelo movimento aparente do sol. Dessa maneira, o homem pode fixar uma época de plantio, de colheita, de rodízio do rebanho, e assim por diante. Portanto, todas as culturas sedentárias acabaram por desenvolver um calendário para orientar seus planos. Tal aconteceu no Novo Mundo, da mesma forma que nas bacias fluviais da Babilônia e do Egito.

Podemos tomar a civilização maia como exemplo. Considerada a mais avançada das culturas americanas, floresceu, antes do ano 1.000 d.C., no istmo da América Central, entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Os maias possuíam uma linguagem escrita, conhecimentos de engenharia e artes originais. Seus templos, construídos em forma de pirâmides íngremes, abrigavam alguns astrônomos; de um grupo deles nos ficaram os retratos gravados em um amplo altar de pedra. O altar foi erigido em comemoração a um antigo congresso astronômico que teve lugar no ano 776. Dezesseis matemáticos aqui se reuniram, nesse famoso centro da cultura maia, a cidade sagrada de Copan, na América Central.
(...)

Mas a astronomia não se esgota com o calendário. Um outro uso, embora não universal, pode ser identificado entre os povos primitivos. Os movimentos dos astros no céu noturno também podem servir de guia ao viajante, principalmente ao viajante marítimo, que não pode contar com outo tipo de ponto de referência. (...)

Fonte: Bronowski, J. 1979. A escalada do homem. SP & Brasília, Martins Fotes & Editora da UnB.

23 abril 2007

Gnu atropelado

F. Ponce de León

Ontem à tarde,
um jovem gnu-azul
morreu nesta cidade.
Nesta maldita cidade.

Não foi de garras
e dentes, como tantas
vezes o é com seus amigos
e parentes africanos.

Depois de caído,
ainda foi atropelado
por um ônibus que
insistia na contramão.


O motorista passou
ostentando um sorriso
urbano, daqueles que se vê
quando o sarcasmo triunfa.

O gnu ficou bem aqui,
no meio da rua,
sobre este mesmo
asfalto quente e oleoso.


Só não há marcas, pois –
estranhamente – nenhuma
gota de sangue jorrou até que
o corpo reencontrasse a terra nua.

22 abril 2007

Estudos sobre o medo

Alberto da Cunha Melo

1.
Só a carne ferida
nos faz recuar
em silêncio, como os célebres
homens-rãs, ou reles
homens reais.
Quantos ataques evitados,
pelo medo que ninguém viu,
entrariam na farta folha
dos falsos e trêmulos
homens bons?
Só o sangue, soltando
seu escândalo sem farsa,
interrompe a curta e casta aventura
dos que sonham vencer,
de longe,
sua própria luta.

2.
Empunhando o mais novo
e leve modelo
da metralhadora Ina,
arrisco-me a contemplar,
ó primeira ou última cidade,
tua clara e abandonada
noite de luar.
Assim armado, teu exército
crescente de infelizes
pensará duas vezes
antes de me atacar.
Assim armado,
ó imprevisível cidade,
é até possível
que possa um dia
conhecer teus escuros
e, excitado, te amar.

3.
Na primeira vez
que nos armamos
riram muito de nós
e de nossas armas,
mas não sabíamos que eles
pretendiam, apenas,
nos desarmar.
Quando enterramos nossos rifles,
eles riram e bateram
em nossos corpos desarmados.
Agora, temos medo
de revolver a terra
para salvar os ossos
e as armas
dos primeiros mortos.

4.
Do medo, só conhecemos,
mesmo, a vergonha
no dia seguinte.
O resto foi o alvoroço
da vida, cheia de dedos,
querendo continuar.
No dia seguinte, o medo
começa a cobrar
da vida envergonhada
os tristes dividendos.
A cabeça parece
querer sepultar-se
antes do corpo e do perdão
dos seres amados.

5.
Se os bons não tiverem medo,
os maus só atacarão
se os bons celebrarem cedo
a vitória de estarem vivos
sem os matar.
As festas precoces
desarmam a alegria:
pois ela, como fêmea,
só canta segura
cercada de ferro,
fogo e atenção.

Fonte: Melo, A. C. 2006. O cão de olhos amarelos & outros poemas inéditos. SP, A Girafa.

21 abril 2007

Cavaleiro da mão no peito


El Greco [Doménikos Theotokópoulos] (1541-1614). El caballero de la mano al pecho. Circa 1580.

Fonte da foto: Olga's Gallery.

20 abril 2007

Land of confusion

Mike Rutherford

I must’ve dreamed a thousand dreams

Been haunted by a million screams

But I can hear the marching feet

They’re moving into the street.


Now did you read the news today

They say the danger’s gone away

But I can see the fire’s still alight

There burning into the night.


There’s too many men

Too many people

Making too many problems

And not much love to go round

Can’t you see

This is a land of confusion.


This is the world we live in

And these are the hands we’re given

Use them and let’s start trying

To make it a place worth living in.


Ooh Superman where are you now

When everything’s gone wrong somehow

The men of steel, the men of power

Are losing control by the hour.


This is the time

This is the place

So we look for the future

But there’s not much love to go round

Tell me why, this is a land of confusion.


This is the world we live in

And these are the hands we’re given

Use them and let’s start trying

To make it a place worth living in.


I remember long ago –

Ooh when the sun was shining

Yes and the stars were bright

All through the night

And the sound of your laughter

As I held you tight

So long ago –


I won’t be coming home tonight

My generation will put it right

We’re not just making promises

That we know, we’ll never keep.


Too many men

There’s too many people

Making too…


Now this is the world we live in

And these are the hands we’re given

Use them and let’s start trying

To make it a place worth fighting for.


This is the world we live in

And these are the names we’re given

Stand up and let’s start showing

Just where our lives are going to.


Fonte: álbum Invisible touch (1986), do Genesis.


Dorminhoca

Iêda Dias

Ah, que sono!
Margarida estica os bracinhos brancos,
abre seu olho amarelo.

Ah, que sono!
Margarida mexe os bracinhos brancos,
pisca seu olho amarelo.

Ah, que sono!
Margarida encolhe os bracinhos brancos,
fecha seu olho amarelo.

Fonte: edição No. 178 (abril de 2007) da revista Ciência Hoje das Crianças.

19 abril 2007

Tempo: saída & entrada

Antonio Carlos Secchin

No tempo de minha avó,
meu feijão era mais sério.
Havia um ou dois óculos
me espiando atrás
de molduras roídas.
Mas eu era feliz,
dentro da criança
o outono dançava
enquanto pulgas vadias
dividiam os óculos.

Dentro da criança,
as pulgas espiavam
o outono vazio,
dividiam minhas molduras
roídas por óculos vadios.
No tempo de meu feijão
minha avó era mais séria.

Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4a edição. RJ, Aeroplano.

18 abril 2007

Palavras

Mario Quintana

1.
Há palavras verdadeiramente mágicas. O que há de mais assustador nos monstros é a palavra “monstro”. Se eles se chamassem leques ou ventarolas, ou outro nome assim, todo arejado de vogais, quase tudo se perderia do fascinante horror de Frankenstein...

2.
Mas há palavras infelizes. Umbigo, por exemplo. Um dia Álvaro Moreyra me disse que umbigo era a palavra mais engraçada da língua portuguesa. Engraçada, não! Triste é que é. Por culpa sua, como jamais poderemos cantar o umbigo da bem-amada? Eis aí um encanto para sempre oculto...

3.
Em compensação, temos a palavra “voluptuosidade”, tão sinuosa, tão espreguiçada, tão ela mesmo... Por sinal que, como a suspeitasse de galicismo, propôs o clérigo Bluteau, já no século 18, substituí-la por “voluptade” – o que bem evidencia as castas virtudes de saudoso frade.

4.
E não sei ao certo quem era ela, nem o que ela fez, mas tenho a certeza de que Dona Urraca foi uma das princesas mais infelizes do mundo...

5.
A palavra volutabro merecia ter outro significado.

6.
E badulaques sempre me pareceu que fossem crótalos de bispo.

7.
Nem faltará algum leitor metido a profundo que me julgue à tona das coisas ao me ver tão ocupado com palavras. Escusado lembrar-lhe que a poesia é uma das artes plásticas e que o seu material são as palavras, as misteriosas palavras...

Fonte: Quintana, M. 2006. O caderno H, 2a edição. SP, Globo. Obra originalmente publicada em 1973.

17 abril 2007

Cinco mil visitas

F. Ponce de León

No meio do expediente de ontem, segunda-feira, 16/4, o Poesia contra a guerra superou a marca das cinco mil visitas. Ao final do expediente, o contador intalado no blogue indicava 5.034 visitas. Desde o balanço anterior, “Quatro mil visitas”, em 22/3, ocorreram em média cerca de 39,8 visitas/dia. Cabe ainda registrar que ontem também alcançamos um novo recorde positivo de visitantes únicos em um só dia: 61.

Morning has broken

Eleanor Farjeon

Morning has broken, like the first morning

Blackbird has spoken, like the first bird

Praise for the singing, praise for the morning

Praise for the springing fresh from the word


Sweet the rain’s new fall, sunlit from heaven

Like the first dewfall, on the first grass

Praise for the sweetness of the wet garden

Sprung in completeness where his feet pass


Mine is the sunlight, mine is the morning

Born of the one light, Eden saw play

Praise with elation, praise every morning

God’s recreation of the new day


Fonte: álbum Teaser and the firecat (1971), de Cat Stevens (Yusuf Islam).


16 abril 2007

Neblina lavanda


Jackson Pollock (1912-1956). Number 1 (Lavander mist).
1950.

Fonte da foto: WebMuseum.

15 abril 2007

Os descentrados

Santiago Ramón y Cajal

Se o professorado amiúde não fora entre nós mero escabelo da política ou decoroso reclamo da clientela profissional; se aos nossos candidatos à cátedra se exigissem, em concursos e oposições, provas objetivas de capacidade e vocação, ao invés de provas puramente subjetivas, e, de certo modo, proféticas, abundariam menos esses casos de chocante contradição entre a vocação real e a atividade oficial, entre a função retribuída e a atividade livre. “Uma das causas da prosperidade da Inglaterra, dizia-me um professor de Cambridge, consiste em que, entre nós, cada qual ocupa o seu lugar.” É o contrário do que, salvo honrosas exceções, acontece na Espanha, onde muitos parecem ocupar um posto não para lhe desempenhar as funções, senão para lhe cobrar os proventos e, no mesmo passo, ter o gosto de excluir os aptos.

Quem não recorda generais nascidos para pacíficos burocratas ou juízes de paz; professores de medicina cultivando a literatura ou a arqueologia; engenheiros escrevendo melodramas; patologistas dedicados à moral e metafísicos voltados à política? Resulta disto que, em lugar de consagrar à atividade oficial todas as forças do nosso espírito, lhe prestamos apenas mínima parte e, ainda assim, de má vontade, como a cumprir uma penosa obrigação.
(...)

Fonte: Ramón y Cajal, S. 1979. Regras e conselhos sobre a investigação científica, 3a edição. SP, T. A. Queiroz & Edusp. Obra originalmente publicada em 1922.

14 abril 2007

Meu menino

Ana Terra

Se um dia você for embora
Não pense em mim
Que eu não te quero meu
Eu te quero seu

Se um dia você for embora
Vá lentamente como a noite
Que amanhece sem que a gente saiba exatamente
Como aconteceu

Se um dia você for embora
Ria se teu coração pedir
Chore se teu coração mandar
Mas não esconda nada que nada se esconde
Se por acaso um dia você for embora
Leve o menino que você é

Fonte: encarte que acompanha os LPs do álbum duplo Clube da esquina 2 (1978), de Milton Nascimento.

13 abril 2007

Balanço semestral

F. Ponce de León

Ontem, quinta-feira, 12/4, o Poesia contra a guerra completou um semestre no ar. Ao final do expediente da última quarta-feira (11/4), o contador instalado no blogue indicava que 4.803 visitas já haviam sido registradas.

Desde o balanço mensal anterior, “Cinco meses no ar”, foram cerca de 38,3 visitas/dia. Nesse período, um novo recorde positivo de visitação foi alcançado: 58 visitantes únicos, em 28/3.

Ao longo do último mês, foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Betty J. Meggers, Celso Pedro Luft, David Crosby, Émile Nöel, Jean-Pierre Luminet, Jon Anderson, Lothar Hoffmann-Erbrecht, Oscar Wilde, Paul Kantner, Paulo Teixeira, Robert Louis Stevenson, Roger Hodgson, Sophia de Mello Breyner Andresen, Stephen Stills, Tatiana Rocha e Zé Ramalho.

Além de autores que já haviam sido publicados em meses anteriores. Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Alphonse Mucha, Diego Rivera, Georges Braque, Eugène Delacroix, Roger Dean e Tintoretto.

11 abril 2007

Reconciliação

Walt Whitman

No mundo inteiro, linda como o céu,
Linda aquela guerra e todos os seus feitos de carnificina devem ser inteiramente perdidos no tempo,
Que as mãos das irmãs Morte e Noite incessantemente lavam de novo e sempre outra vez, com suavidade, este mundo sujo;
Pois o meu inimigo está morto, um homem divino, como eu, está morto,
Olho para onde ele está caído com o rosto pálido e imóvel em seu caixão – aproximo-me,
Inclino-me e toco levemente os meus lábios em sua face branca, no caixão.

Fonte: Whitman, W. 2006. Folhas de relva. SP, Martin Claret. Poema originalmente publicado em 1865-6.

10 abril 2007

Por que a Terra é esférica?

Jean-Pierre Luminet & Émile Noël

[Noël] – Proponho que você parta de uma forma cósmica que julgamos conhecer bem: o planeta no qual vivemos. Diz-se que a Terra é redonda, ou quase esférica. Partamos, então, de nossa Terra, para ir visitar os diversos objetos cósmicos, e tentemos compreender como se constituíram.

[Luminet] – A Terra é efetivamente quase esférica porque é um objeto astronômico e, como tal, sua forma é governada pela gravitação. Em termos muito gerais, todas as formas no universo são governadas pelas quatro forças fundamentais. Entre essas formas fundamentais, há duas interações nucleares que regem a estrutura dos núcleos atômicos – ainda que não seja esse o nosso propósito hoje – o eletromagnetismo e a gravidade.

Um bom exemplo de corpos bastante maciços, mas não a ponto de impedir que, ao mesmo tempo, atuem as forças eletromagnéticas e as forças gravitacionais, é o dos asteróides e dos núcleos de cometas. Esses objetos podem ter entre alguns quilômetros e algumas centenas de quilômetros de diâmetro e têm formas completamente bizarras, tão variadas quanto as dos seixos que encontramos em uma praia: não têm uma forma esférica, porque não são esculpidos pela gravitação. De fato, pode-se demonstrar que a gravitação só se torna a força organizadora dominante a partir de corpos que têm diâmetros da ordem de 500 quilômetros. É a razão pela qual todos os corpos do sistema solar, de mais de 500 quilômetros de diâmetro – quer dizer, todos os planetas e a maioria dos satélites dos planetas – têm formas esféricas. Por quê? Porque é a própria natureza da gravitação que o impõe. A força de gravitação atrai cada partícula material de um corpo para o que chamamos de centro de massa (ou centro de gravidade) do corpo. Ela age da mesma maneira em todas as direções, com uma intensidade que depende apenas da massa das partículas e de sua distância do centro. Então, se um corpo é homogêneo, a gravitação o “esculpe” inevitavelmente segundo uma forma esférica. Isso vale para os planetas e a fortiori para as estrelas, que são bem mais maciças.

Fonte: Noël, E., org. 1996. As ciências da forma hoje. Campinas, Papirus.

09 abril 2007

Gemidos de arte

Augusto dos Anjos

1.
Esta desilusão que me acabrunha
É mais traidora do que o foi Pilatos!...
Por causa disto, eu vivo pelos matos,
Magro, roendo a substância córnea da unha.

Tenho estremecimentos indecisos
E sinto, haurindo o tépido ar sereno,
O mesmo assombro que sentiu Parfeno
Quando arrancou os olhos de Dionisos!

Em giro e em redemoinho em mim caminham
Ríspidas mágoas estranguladores,
Tais quais, nos fortes fulcros, as tesouras
Brônzeas, também giram e redemoinham.

Os pães – filhos legítimos dos trigos –
Nutrem a geração do Ódio e da Guerra...
Os cachorros anônimos da terra
São talvez os meus únicos amigos!

Ah! Por que desgraçada contingência
À híspida aresta sáxea áspera e abrupta
Da rocha brava, numa ininterrupta
Adesão, não prendi minha existência?!

Por que Jeová, maior do que Laplace,
Não fez cair o túmulo de Plínio
Por sobre todo o meu raciocínio
Para que eu nunca mais raciocinasse?!

Pois minha Mãe tão cheia assim daqueles
Carinhos, com que guarda meus sapatos,
Por que me deu consciência dos meus atos
Para eu me arrepender de todos ele?!

Quisera, antes, mordendo glabros talos,
Nabucodonosor ser no Pau d’Arco,
Beber a acre e estagnada água do charco,
Dormir na manjedoura com os cavalos!

Mas a carne é que é humana! A alma é divina.
Dorme num leito de feridas, goza
O lodo, apalpa a úlcera cancerosa,
Beija a peçonha, e não se contamina!

Ser homem! escapar de ser aborto!
Sair de um ventre inchado que se anoja,
Comprar vestidos pretos numa loja
E andar de luto pelo pai que é morto!

E por trezentos e sessenta dias
Trabalhar e comer! Martírios juntos!
Alimentar-se dos irmãos defuntos,
Chupar os ossos das alimarias

Barulho de mandíbulas e abdômens!
E vem-me com um desprezo por tudo isto
Uma vontade absurda de ser Cristo
Para sacrificar-me pelos homens!

Soberano desejo! Soberana
Ambição de construir para o homem uma
Região, onde não cuspa língua alguma
O óleo rançoso da saliva humana!

Uma região sem nódoas e sem lixos,
Subtraída à hediondez de ínfimo casco,
Onde a forca feroz coma o carrasco
E o olho do estuprador se encha de bichos!

Outras constelações e outros espaços
Em que, no agudo grau da última crise,
O braço do ladrão se paralise
E a mão da meretriz caia aos pedaços!

2.
O sol agora é de um fulgor compacto,
E eu vou andando, cheio de chamusco,
Com a flexibilidade de um molusco,
Úmido, pegajoso e untuoso ao tato!

Reúnam-se em rebelião ardente e acesa
Todas as minhas forças emotivas
E armem ciladas como cobras vivas
Para despedaçar minha tristeza!

O sol de cima espiando a flora moça
Arda, fustigue, queime, corte, morda!...
Deleito a vista na verdura gorda
Que nas hastes delgadas se balouça!

Avisto o vulto das sombrias granjas
Perdidas no alto... Nos terrenos baixos,
Das laranjeiras eu admiro os cachos
E a ampla circunferência das laranjas.

Ladra furiosa a tribo dos podengos.
Olhando para as pútridas charnecas
Grita o exército avulso das marrecas
Na úmida copa dos bambus verdoengos.

Um pássaro, alvo artífice da teia
De um ninho, salta, no árdego trabalho,
De árvore em árvore e de galho em galho,
Com a rapidez duma semicolcheia.

Em grandes semicírculos aduncos,
Entrançados, pelo ar, largando pêlos,
Voam à semelhança de cabelos
Os chicotes finíssimos dos juncos.

Os ventos vagabundos batem, bolem
Nas árvores. O ar cheira. A terra cheira...
E a alma dos vegetais rebenta inteira
De todos os corpúsculos do pólen.

A câmara nupcial de cada ovário
Se abre. No chão coleia a lagartixa.
Por toda a parte a seiva bruta esguicha
Num extravasamento involuntário.

Eu, depois de morrer, depois de tanta
Tristeza, quero, em vez do nome – Augusto,
Possuir aí o nome dum arbusto
Qualquer ou de qualquer obscura planta!

3.
Pelo acidentadíssimo caminho
Faísca o sol. Nédios, batendo a cauda,
Urram os bois. O céu lembra uma lauda
Do mais incorruptível pergaminho.

Uma atmosfera má de incômoda hulha
Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte
Fede. O ardente calor da areia forte
Racha-me os pés como se fosse agulha.

Não sei que subterrânea e atra voz rouca.
Por saibros e por cem côncavos vales,
Como pela avenida das Mappales,
Me arrasta à casa do finado Tôca!

Todas as tardes a esta casa venho.
Aqui, outrora, sem conchego nobre,
Viveu, sentiu e amou este homem pobre
Que carregava canas para o engenho!

Nos outros tempos e nas outras eras,
Quantas flores! Agora, em vez de flores,
Os musgos, como exóticos pintores,
Pintam caretas verdes nas taperas.

Na bruta dispersão de vítreos cacos,
À dura luz do sol resplandecente,
Trôpega e antiga, uma parede doente
Mostra a cara medonha dos buracos.

O cupim negro broca o âmago fino
Do teto. E traça trombas de elefantes
Com as circunvoluções extravagantes
Do seu complicadíssimo intestino.

O lodo obscuro trepa-se nas portas.
Amontoadas em grossos feixes rijos,
As lagartixas, dos esconderijos,
Estão olhando aquelas coisas mortas!

Fico a pensar no Espírito disperso
Que, unindo a pedra ao gneiss e a árvore à criança,
Como um anel enorme de aliança,
Une todas as coisas do Universo!

E assim pensando, com a cabeça em brasas
Ante a fatalidade que me oprime,
Julgo ver este Espírito sublime,
Chamando-me do sol com as suas asas!

Gosto do sol ignívomo e iracundo
Como o reptil gosta quando se molha
E na atra escuridão dos ares, olha
Melancolicamente para o mundo!

Essa alegria imaterializada,
Que por vezes me absorve, é o óbolo obscuro,
É o pedaço já podre de pão duro
Que o miserável recebeu na estrada!

Não são os cinco mil milhões de francos
Que a Alemanha pediu a Jules Favre...
É o dinheiro coberto de azinhavre
Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos!

Seja este sol meu último consolo;
E o espírito infeliz que em mim se encarna
Se alegre ao sol, como quem raspa a sarna,
Só, com a misericórdia de um tijolo!...

Tudo enfim a mesma órbita percorre
E as bocas vão beber o mesmo leite...
A lamparina quando falta o azeite
Morre, da mesma forma que o homem morre.

Súbito, arrebentando a horrenda calma,
Grito, e se grito é para que meu grito
Seja a revelação deste Infinito
Que eu trago encarcerado na minh’alma!

Sol brasileiro! Queima-me os destroços!
Quero assistir, aqui, sem pai que me ame,
De pé, à luz da consciência infame,
À carbonização dos próprios ossos!

Fonte: Anjos, A. 2004. Eu e outros poemas, 46a edição. RJ, Bertrand. A primeira edição do livro foi publicada em 1912.

08 abril 2007

A última ceia


Tintoretto [Jacopo Comin] (1518-1594). L’ultima cena. 1592-1594.

Fonte da foto: Wikipedia.

06 abril 2007

O rio

Poh Pin Chin

Ora caudaloso,
ora inclemente,
brota manso
entre rochas
e corre ligeiro
sobre o cascalho.

O peso da água
e o cheiro do ar
dão trabalho e
distraem o capitão
que é também
o único passageiro.

Na foz, águas
turvas e sonolentas
encontram por um
instante o clarão do sal
antes de se entregarem
ao ruidoso vazio do mar.

Marcas, dores,
fortunas e troféus
ficaram para trás e estão
agora no fundo do rio,
o mesmo cujo percurso
navio algum jamais refez.

Partitas para teclado de Bach

Lothar Hoffmann-Erbrecht

Johann Sebastian Bach só veio a defrontar-se com a suíte para teclado num estágio relativamente tardio, por volta de 1720, quando encontrava-se em Cöthen. A razão superficial para lançar-se ao empreendimento pode ter sido o ensino de cravo que ministrava aos seus dois filhos mais velhos, Wilhelm Friedemann e Carl Philipp Emanuel. Os primeiros frutos do seu trabalho nesse campo foram as suítes denominadas “inglesas” e “francesas”, que foram provavelmente concluídas em 1723. Bach pode ter começado a trabalhar nas partitas logo em seguida, sofrendo sem dúvida muitas interrupções. Apesar de elas não estarem absolutamente completas, se comparadas às versões definitivas, e de trazerem algumas vezes denominações diferentes nos movimentos, ele incluiu pessoalmente as Partitas Nos. 3 e 6 como Nos. 1 e 2 no segundo caderno de música de sua esposa Anna Magdalena, de 1725. A composição de todas as seis partitas foi concluída no máximo em 1730, se não antes. Como bom pai de família e administrador prudente, ele as fez publicar isoladamente, às suas próprias expensas, com intervalo de um ano entre uma e outra. A Partita No. 1 foi ao mesmo tempo a primeira composição que o músico, então com quarenta e um anos, liberou para publicação. Verificando que a edição em fascículos isolados havia conquistado o favor do público, Bach reuniu, em 1731, todas as seis sob o título Exercícios para teclado (Klavierübung) consistindo de Prelúdios, Allemandes, Courantes, Sarabandes, Gigues, Minuets, e outras galanterias..., Opus I. Publicado pelo compositor. (...)

As Seis Partitas BWV 825-830, a terceira e última compilação de suítes, são seguramente o produto mais maduro de Bach nesse campo. Sua energia estrutural, riqueza de idéias e a beleza sonora da sua escritura para teclado são de uma perfeição quase insuperável. Apesar de manterem o esquema fundamental da suíte alemã, na base dos quatro movimentos habituais – Allemande, Courante, Sarabande e Gigue – elas assumem liberdades espantosas na forma. Bach não somente introduz cada Partita com um movimento de abertura de caráter sempre diversificado – nas Suítes Inglesas ele ainda denominava esses movimentos uniformemente de Prelúdios –, mas também incorpora, juntamente com as “galanterias”, tão apreciadas então, peças características que não seguem nenhum ritmo de dança. (...)

No catálogo de Breitkopf, de 1790, o “Klavierübung” de Bach aparece sob o título 6 Partite Tedesche (6 Partitas Alemãs). Em sua grandiosa síntese estilística, essas suítes são indubitavelmente “alemãs”. Da mesma forma, “Partita” – o nome italiano para suíte – também não deixa de ter fundamento, já que nessa obra Bach declara-se claramente a favor de uma escrita de tipo italiano. Na Partita No. 1, por exemplo, a viva Giga (assim na denominação original) emprega a técnica das mãos cruzadas e superpostas, da qual valeu-se muitas vezes anteriormente Domenico Scarlatti, e chega a incluir as oitavas de baixo, que Bach costuma cuidadosamente evitar. (...)

Construídas com suprema arte, as Partitas de Bach marcam o ponto culminante e final de um longo processo de desenvolvimento. Nelas, a história das suítes para teclado alemãs encontra seu termo. Somente Johann Ludwig Krebs, um talentoso discípulo de Bach, arriscou-se uma vez com uma série de Exercícios para teclado, constituído de 6 Partitas – com algumas indiscutíveis reminiscências. Dos filhos de Bach, apenas Friedemann escreveu uma suíte, no início da carreira, enquanto Carl Philipp Emanuel consagrava-se inteiramente às sonatas. A suíte ficou fora de moda. Foi prerrogativa do seu pai a honra de dignificar uma última vez, com toda a sua originalidade, uma forma que já havia perdido a popularidade.

Fonte: capa do álbum duplo The 6 Partitas BWV 825-830 (1986), com Jean Louis Steuerman.

05 abril 2007

A Milton

Cláudio Manuel da Costa

1.
Contigo me entretenho,
Contigo passo a noite, e passo o dia,
E cheia a fantasia
Das imagens, ó Milton, do teu canto,
Contigo desço às Regiões do espanto,
Contigo me remonto a imensa altura,
Que banha de seu rosto a formosura.

2.
Tâmisa, que nos deste
Dentro do seio teu alto engenho,
Que o sagrado desenho
Do divino Poema lhe inspiraste,
Como o cofre dos males derramaste
Sobre a sua fortuna? Como ao Fado
O trazes desde o berço abandonado?

3.
Não basta além da Pátria
Peregrino vagar estranhas terras,
No horror das civis guerras
Ensangüentar o braço às Musas dado,
Da torpe, e vil pobreza inda vexado
Queres que gema, e conte em baixo preço
De seus estudos o cansado excesso?

4.
Sim, esta é a ventura,
Estas as murtas, e as grinaldas de oiro
Que ao século vindoiro
Hão de levar os que de Aônia bebem:
Fortuna, os teus tesoiros só recebem
Bastardas Gentes, que da tenra infância
Afagou nos seus braços a ignorância.

5.
Tu o sabes, ó Tejo,
O teu grande Camões o geme, e chora;
Nem mais risonha aurora
No Apenino esclarece ao nobre Tasso:
De porta em porta vagarosa, e lasso,
Mendigando o cantor da Grega gente,
O peso infausto da miséria sente.

6.
Nega-lhes muito embora
Deusa inconstante as vãs riquezas; tudo
Entre o silêncio mudo
Dos tempos jazerá; a ilustre glória,
Que os nomes encomenda a larga história
Livre de naufragar nesta mudança
Os guarda, e zela na imortal lembrança.

7.
Por ela te contemplo
Calcar, ó Mílton, da desgraça o colo;
Desde o gelado Pólo
Teu nome vencedor a nós se estende,
Em nobre fogo o coração acende,
Quando nos abres a feliz estrada
Da Epopéia jamais de alguns trilhada.

8.
A nunca ouvida língua
Das eternas celestes criaturas,
As suaves ternuras
As castas expressões dos Pais primeiros,
De incorpóreas substâncias os Guerreiros
Combates no Aquilon! tudo imagino;
Tudo é grande, ó bom Deus, tudo é divino.

9.
Voa do Estígio Lago,
Ó Espírito rebelde: um frio gelo
Me deixa apenas vê-lo!
Tenta a Equinocial, vaga os abismos,
Que horror! Entre funestos paroxismos
Talvez chego a temer, que o Monstro possa
Cantar os loiros da tragédia nossa.

10.
Ah não: oiça-se o brado
Da Épica Trombeta: o rapto admiro,
E já no dúbio giro
Longe de me aterrar o Dragão fero,
Arrancadas montanhas ver espero
Do Trono de Sião, vingada a injúria,
Confunde-te, oh soberbo, e rende a fúria.

11.
Estranhas maravilhas
De algum gênio mortal jamais tentadas!
Idéias animadas
Na mais nova, mais rara fantasia!
Se Mílton pela mão nos leva, e guia,
Cesse do bem perdido a fatal ânsia,
Esta é de Eden a milagrosa estância.

12.
Musas, vós que educastes
Alma tão grande, e que a gostar lhe destes
As doçuras celestes
Do néctar, e da ambrósia, um novo loiro
Vinde tecer-lhe; e junto ao Busto de oiro
Mandai gravar este Epitáfio breve:
Mílton morreu: seja-lhe a terra leve.

Fonte: Costa, C. M. [1986?] Poemas de Cláudio Manuel da Costa. SP, Cultrix.

04 abril 2007

Mar de Jade


Roger Dean (1944-). Jade Sea. 1976.


Fonte da foto: Roger Dean.

03 abril 2007

Close to the edge

Jon Anderson

1.

A seasoned witch could call you from the depths of your disgrace,

And rearrange your liver to the solid mental grace,

And achieve it all with music that came quickly from afar,

Then taste the fruit of man recorded losing all against the hour.

And assessing points to nowhere, leading ev’ry single one.

A dewdrop can exalt us like the music of the sun,

And take away the plain in which we move,

And choose the course you’re running.


Down at the edge, round by the corner,

Not right away, not right away.

Close to the edge, down by a river,

Not right away, not right away.


Crossed the line around the changes of the summer,

Reaching to call the color of the sky.

Passed around a moment clothed in mornings faster than we see.

Getting over all the time I had to worry,

Leaving all the changes far from far behind.

We relieve the tension only to find out the master’s name.


Down at the end, round by the corner.

Close to the edge, just by a river.

Seasons will pass you by.

I get up, I get down.

Now that it’s all over and done,

Now that you find, now that you’re whole.


2.

My eyes convinced, eclipsed with the younger moon attained with love.

It changed as almost strained amidst clear manna from above.

I crucified my hate and held the word within my hand.

There’s you, the time, the logic, or the reasons we don’t understand.


Sad courage claimed the victims standing still for all to see,

As armoured movers took approach to overlook the sea.

There since the cord, the license, or the reasons we understood will be.


Down at the edge, close by a river.

Close to the edge, round by the corner.

Close to the end, down by the corner.

Down at the edge, round by the river.


Sudden call shouldn’t take away the startled memory.

All in all, the journey takes you all the way.

As apart from any reality that you’ve ever seen and known.

Guessing problems only to deceive the mention,

Passing paths that climb halfway into the void.

As we cross from side to side, we hear the total mass retain.


Down at the edge, round by the corner.

Close to the end, down by a river.

Seasons will pass you by.

I get up, I get down.


3.

In her white lace

You can clearly see the lady sadly looking.

Saying that she’d take the blame

For the crucifixion of her own domain.


I get up, I get down,

I get up, I get down.

Two million people barely satisfy.

Two hundred women watch one woman cry, too late.

The eyes of honesty can achieve.

How many millions do we deceive each day?

Thru the duty she would coil their said
amusement of her story asking only interest

could be laid upon the children of her domain

I get up, I get down.

I get up, I get down.


In charge of who is there in charge of me.

Do I look on blindly and say I see the way?

The truth is written all along the page.

How old will I be before I come of age for you?

I get up, I get down.

I get up, I get down.

I get up, I get down.


4.

The time between the notes relates the color to the scenes.

A constant vogue of triumphs dislocate man, so it seems.

And space between the focus shape ascend knowledge of love.

As song and chance develop time, lost social temp’rance rules above.

Ah, ah.


Then according to the man who showed his outstretched arm to space,

He turned around and pointed, revealing all the human race.

I shook my head and smiled a whisper, knowing all about the place.

On the hill we viewed the silence of the valley,

Called to witness cycles only of the past.

And we reach all this with movements in between the said remark.


Close to the edge, down by the river.

Down at the end, round by the corner.

Seasons will pass you by,

Now that it's all over and done,

Called to the seed, right to the sun.

Now that you find, now that you’re whole.

Seasons will pass you by,

I get up, I get down.

I get up, I get down.

I get up, I get down.


Fonte: álbum Close to the edge (1972), do Yes. As quatro seções da obra são intituladas, respectivamente, “The solid time of change”, “Total mass retain”, “I get up, I get down” e “Seasons of man”.


02 abril 2007

Elegia

Paulo Teixeira

O futuro não o guardamos em casa, perde-se
disperso entre a meia-noite e a folhagem. Nu,
exposto como uma província além da trincheira
das janelas, fala-nos do ouro puído destes dias,
desse sentido ganho nas coisas que se perdem,
salivando a passagem das horas, sustendo
contra a dor o dreno das nossas vidas.

Lembramos os pequenos oráculos da infância,
os sonhos que são memórias já na sua escura
torre do tombo, ao intimarmos, no seu sossego
povoado, a evasiva alma do passado. Buscamos
no ontem a sua recompensa, sabendo que não
há outro homem para o homem deste lugar,

sangue mais limpo correndo pela carne
de quem nasce, a sua genuína morte pastoral.
Eis chegado o tempo da ceifa, dos presságios
de longe trazidos no rumor das trompas outonais.
As palavras, os trémulos ramos das palavras,
pressentem o espírito da revelação em cada coisa.

Assim choramos a festa última dos instantes,
dias de uma neblina fiel cobrem-nos os passos,
obscurecendo essas mãos que gostariam de subir
ao céu como escadas. Se conhecesse a linguagem
fácil do tributo cantaria a queda adivinhada
a tempo de o poema terminar na forma de uma elegia.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1991.

01 abril 2007

A Amazônia no mundo moderno

Betty J. Meggers

(...)
Uma das características mais surpreendentes da vida na Amazônia de hoje é a ausência de diferenciação regional. Ao longo de todos os rios principais e de alguns tributários menores, o povo come a mesma comida, veste roupas semelhantes, vive no mesmo tipo de casa e participa das mesmas crenças e aspirações. Tendo perdido a [capacidade] de satisfazer suas necessidades com os recursos da floresta, é obrigado a comprar não somente panos, potes e panelas, facas e espingardas mas, também, muitos gêneros de subsistência básicos, tais como açúcar, sal, arroz, feijão e café. O pagamento deve ser feito segundo a procura do mercado exportador e não em termos do que a área poderia melhor produzir. As principais atividades são limitadas, por conseguinte, à coleta da borracha, frutas e castanhas, à pesca, à caça em busca de pele (especialmente de onça, jacaré e anta), à agricultura e à criação de gado. A distância em que se encontram os mercados, a alta dos preços provocada pela intermediação e uma organização comercial que impede o vendedor de procurar o melhor preço, todos esses são fatores que contribuem para restringir o lucro do produtor. Doenças, azares, mau tempo e outras circunstâncias atenuantes reduzem, muitas vezes, a produtividade do homem, deixando-a abaixo do mínimo necessário para suprir as necessidades da família. Diante disso, é levado a conseguir crédito com o comerciante local e, uma vez dado esse passo, torna-se escravo do sistema, sem qualquer esperança concreta de dele sair. Impossibilitado de conseguir os alimentos adequados e sem dispor de tempo para pescar ou cultivar um roçado, ele e seus filhos tendem a sofrer de carências alimentares, o que diminui sua resistência para os outros tipos de doença.

O hábitat sofreu uma degradação na mesma ordem. Uma superexploração da terra em torno das grandes concentrações provocou uma acentuada e provavelmente irreversível deterioração do solo e da vegetação, causando a extinção local de muitas espécies de aves e [outros] animais. A superexploração e outros distúrbios reduziram ainda a incrível densidade, anteriormente existente, de tartarugas, jacarés, aves aquáticas e outras modalidades de vida aquática a simples remanescentes que buscam esconderijos em lugares distantes e inacessíveis. Os caprichos dos compradores vindos de todas as partes do mundo, que querem animais de estimação exóticos, penas espetaculares, adornos estranhos ou comidas fora do comum, incentivam a dilapidação das espécies, dos [grandes] animais e mesmo dos insetos. Na medida em que aumenta a escassez, os preços sobem e os esforços para atender a procura têm que ser intensificados. Até recentemente, o pequeno tamanho da população aculturada e o alto custo do transporte mantiveram os danos ecológicos confinados à várzea e às margens dos tributários principais. Às vastas regiões do interior, que permaneceram despovoadas ou que têm somente remanescentes de grupos indígenas, pouco ou nenhum dano foi causado.
(...)

Fonte: Meggers, B. J. 1977. Amazônia: a ilusão de um paraíso. RJ, Civilização Brasileira.

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